Os factos são conhecidos: uma professora foi condenada pelo tribunal a seis anos de prisão efetiva por maus tratos infligidos a 19 alunos de seis anos, durante o ano letivo de 2012/13, numa escola do 1.º ciclo da Amadora.
Os castigos incluíam carolos, bofetadas e pancadas com pau de vassoura na cabeça dos alunos; e as humilhações compreendiam insultos e ameaças várias, desde alcunhas agressivas a intimidações constrangedoras dos direitos das crianças.
Ao ler estes relatos, recuei 60 anos e recordei as escolas primárias de Sintra, onde passei a minha infância. Nesse tempo, os castigos físicos eram a regra, por vezes com grande violência. Um professor da época espancava os alunos e pedia opinião à turma sobre o tipo de castigo a infligir; uma regente escolar, responsável por uma turma de meninas até à terceira classe, usava todos os dias o insulto “sua burra fêmea” (ao ouvir estes relatos de amigas minhas, nunca compreendi o pleonasmo). Os pais incentivavam ou pelo menos admitiam como certos estes castigos: na minha sala de aula, a mãe de um colega mandou o filho entregar uma régua muito grossa para castigos exemplares, curiosamente foi esse aluno a primeira vítima da zanga da professora.
Com o 25 de Abril, os castigos começaram a ser condenados, embora só tenham sido proibidos em 2002. Nos dias de hoje, acontecimentos semelhantes ao da escola da Amadora devem ser muito raros e só temos de louvar o caminho percorrido na defesa dos direitos dos mais novos.
No entanto, o caso desta professora descontrolada merece uma reflexão. O que mais me impressiona na situação é a falta de soluções para o problema, que deveriam surgir dos pais, da direção da escola em causa e do Ministério da Educação (ME). Uma professora nestas condições deveria ter sido de imediato afastada da sala de aula, por denúncia dos encarregados de educação e por decisão de quem manda na escola. Nada disso se passou e a professora esteve muito tempo a bater e a humilhar os alunos que, por serem muito novos, não tinham capacidade de se opor (nada disto se teria passado numa turma de adolescentes).
Nada pode justificar o descontrolo da professora, mas é provável que estivesse a viver uma crise pessoal. Separada do marido e com um filho adolescente, é natural que vivesse com mais ansiedade as situações de indisciplina ou de dificuldades de aprendizagem, sem que a escola e o ME tivessem organizado o apoio necessário. Os pais, agora tantas vezes protagonistas de críticas aos docentes, reagiram tarde de mais. O ME, mais uma vez, não reagiu a tempo, porque a sanção externa do tribunal deveria ter sido precedida de um apoio e de medidas correctivas imediatas no espaço escolar.
Mais uma vez foi evidente a falta de preparação dos professores para lidar com a indisciplina e com as dificuldades de aprendizagem, temas que, num estudo recente, 60% dos professores disseram não ter sido tratado na formação inicial, sem que ninguém do ME se mostre preocupado com o assunto.
Em derradeira análise, a pena parece excessiva. A justiça quis dar o exemplo e mostrar uma decisão dissuasora, mas o problema está, como sempre, na dinâmica da sala de aula, esse espaço misterioso onde cada vez mais é preciso ajudar e intervir.
Só a melhoria da comunicação na comunidade educativa, ao fazer circular a informação entre alunos, pais e professores, poderá impedir situações semelhantes.
Daniel Sampaio
Fonte: Público por indicação de Livresco
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