Nos últimos anos, o sociólogo José Augusto Palhares tem dedicado a sua investigação ao que classifica por “bolsas de excelência” no sistema de ensino português. Analisar os comportamentos dos alunos com notas mais altas tem sido a sua forma de reflectir sobre o problema do insucesso.
No ano passado, este professor do Instituto de Educação da Universidade do Minho coordenou, com Leonor Lima Torres, o livro Entre Mais e Melhor Escola em Democracia. Inclusão e Excelência no Sistema Educativo Português e tem em curso um projecto de investigação sobre o tema. Os resultados desse trabalho apontam para um peso determinante da origem sócio-cultural dos estudantes nos seus resultados.
A Sociologia e as Ciências da Educação em Portugal têm andado algo afastadas das questões do insucesso escolar. Isso não é surpreendente, sendo este um problema premente no nosso sistema educativo?
Há temas de agenda que se impõem ao investigador, que muitas das vezes é levado na torrente e investiga aquilo que a sociedade está a requerer. O problema do insucesso é um tema clássico, que muitos de nós julgávamos que estava solucionado. Foi um tema muito trabalhado nos anos 1970 e 80. Agora volta colocar-se a questão do insucesso escolar, por razões económicas, mas também por um desgaste do projecto institucional de socialização da escola. A escola perdeu importância e está permanentemente em crise de legitimidade. Mas o recrudescimento do insucesso penso que também tem a ver com os exames.
Com os exames, de que forma?
Falta provar que toda esta paranóia à volta dos exames vá levar a um acréscimo de conhecimento. Temos que questionar se efectivamente este é o instrumento que melhor afere os conhecimentos dos alunos. Hoje, a escola assemelha-se a um campo de treinos. Há uma preparação intensiva para os exames e as escolas subverteram as suas principais finalidades, passando a organizar-se em função da preparação dos alunos para essas provas. Eu sou favorável à sua existência e o nosso estudo vem demonstrar que os alunos também são. Olham para os exames como instrumento regulador de uma certa justiça, que muitas vezes não existe nas escolas.
Então onde está o problema?
Os exames deviam ser um instrumento de monitorização das aprendizagens. Deviam estar ao serviço da escola e das aprendizagens, para fazer o diagnóstico daquilo que se sabe e não se sabe. Mas hoje são uma peça fundamental no actual quadro das políticas educativas: servem para avaliar os alunos, para determinar a posição relativa das escolas num suposto ranking, para regular a avaliação externa. Extravasaram completamente as lógicas para que foram criados.
Qual é o principal problema de Portugal quando falamos de insucesso escolar?
Ainda existe uma colagem grande entre o rendimento escolar e as origens sócio-culturais das famílias. Não estou a falar do capital meramente económico, estou a falar sobretudo do capital cultural. Há uma clara relação entre o desempenho académico dos alunos de 19 e 20 valores e os seus pais e mães, oriundos da pequena burguesia técnica de enquadramento, ou seja, têm escolaridade superior.
A Polónia, pelo contrário, é um dos países onde obackground familiar tem menor impacto nos resultados. Em Portugal ainda temos um problema de equidade no sistema?
Existem percursos de contra-tendência, mas a tendência dominante é que os jovens que têm melhores desempenhos académicos são aqueles que pertencem a essa pequena burguesia técnica de enquadramento. O insucesso está muito ligado àqueles jovens que estão no sistema educativo obrigados, que não querem lá estar. Muitas vezes são eles quem engrossa as estatísticas.
Não há respostas para esses casos de maior insucesso?
Tem havido uma resposta que é construir bolsas de excluídos, que são os cursos profissionalizantes. Faz-se um diagnóstico desses alunos sem qualquer tipo de aprofundamento das suas possibilidades e são colocados na bolsa de excluídos.
No seu livro fala na existência de “bolsas de excelência”. Havendo também estas “bolsas de excluídos”, isto quer dizer que temos um sistema de educação polarizado?
Temos uma escola para todos, mas que não sabe conviver com a diferença. Os projectos educativos oscilam nesta tensão entre mais escola e melhor escola. Não é fácil resolver este dilema. Mas com a pressão colocada nos resultados, vemos as escolas a construir no seu interior simultaneamente bolsas de excelência e a terem uma preocupação com aquele público que não querem perder.
Um dos motivos para o sucesso da Polónia foi o aumento da autonomia da escola. Portugal pode beneficiar se fizer o mesmo?
Essa é uma questão polémica e que vem sendo debatida em Portugal há quase 20 anos. Neste momento, temos uma autonomia mais retórica, do que propriamente real. Basta entrevistar um director de escola para saber qual é o dia-a-dia deles: imenso trabalho e burocracia, que se prende sobretudo com as demandas do Ministério da Educação e de todas as estruturas que o enformam. Há um controlo a partir das plataformas informáticas.
Qual é a vantagem de mais autonomia?
Concordo com uma ideia de autonomia que passe por maior responsabilização e devolução de poder aos professores. Mas se estamos a falar de autonomia como delegação de competências ou de criação de uma espécie de guarda avançada do Ministério da Educação junto das escolas, aí temos um problema. Hoje, muitos directores vivem já num dilema entre corresponder aos interesses da comunidade e prestar contas ao poder central.
Que impacto tem o discurso da excelência em termos de promoção do sucesso escolar?
Se fizer uma análise das várias de escolas e agrupamentos de escolas, vai encontrar vários mecanismos de distinção disseminados (quadros de excelência, menções de mérito, bolsas de mérito). Há vários tipos de distinção: baseada apenas nos resultados, baseada em valores e comportamentos e uma distinção mista, que é a união destas duas. Do ponto de vista formal, 74% das escolas dizem que fazem distinção mista e 16% baseada apenas nos resultados. Mas a prática efectiva é focada nos resultados, em valores que chegam aos 85,7% das escolas na Madeira, por exemplo. Das escolas que fazem distinção, 86% fazem-no numa cerimónia pública. Há a crença de que distinguindo os melhores alunos, tornando públicos estes resultados, por efeito mimético, os outros alunos perceberão que também é possível chegar a este patamar.
Fonte: Público
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