sexta-feira, 24 de julho de 2015

Exames: é preciso conhecer a escola

Têm sido recorrentes algumas vozes que fazem a apologia dos exames, em particular do exame do 4.º ano, criticando António Costa por ter sugerido que se deve acabar com esta prova.

Segundo essas vozes, que mais uma vez desenterram o fantasma das ciências da educação, é falsa a afirmação de que os exames não melhoram aprendizagens ou a ideia de que o exame de 4.º ano é precoce.

É preciso conhecer a realidade da escola e da aprendizagem antes de se desatar a opinar sobre estas matérias, que têm demasiada importância na vida dos estudantes.

É inegável que a avaliação externa tem um efeito sobre as práticas. Conteúdo que sai num exame ou prova de aferição passa a ser ensinado no ano seguinte. Isso é mais que sabido e, nesse sentido, as provas externas são e sempre foram reguladoras das aprendizagens.

Contudo, é importante distinguir avaliação de aferição. Uma prova externa tanto pode servir para avaliar o aluno como para aferir as práticas e o que é ensinado no sistema. A ideia de que os alunos se empenham menos se as provas forem de aferição e não de exame é absolutamente falsa e só quem nunca esteve à porta de uma escola de primeiro ciclo em dia de prova de aferição é que o pode afirmar.

A melhoria da aprendizagem dos alunos faz-se através da melhoria das práticas de ensino, com metodologias adequadas, com desenvolvimento de treino, competências de estudo e dinamização de situações de aplicação dos conteúdos adquiridos. Os exames promovem um ensino facilitista, em que o aluno é convidado a empinar matéria de forma intensiva para a “vomitar” no dia do exame.

É falacioso pensar que uma cultura de exames promove melhores aprendizagens, porque os exames potenciam apenas um tipo muito preciso de resolução de problemas. Prova disto é o facto de, como se sabe, em grande parte das salas de aula, o terceiro período ser passado a “preparar os alunos para os exames”. O que é isto? É passar o tempo a treinar os alunos a saber responder às perguntas standardizadas dos exames e a orientá-los para os melhores desempenhos naquele tipo específico de situação.

O pensamento crítico, a capacidade de análise, a reflexão, que são bem mais exigentes, ficam perdidos e desperdiçam-se dois a três meses de trabalho no treino para um exercício de duas horas.

Além disso, sabemos também que a obsessão com os exames levou a que, no primeiro ciclo, o ensino de matérias que não são alvo de exame tenha sido absolutamente secundarizada. Os alunos preparam-se para o exame de português e matemática (o que não significa que estudem, de facto, estas disciplinas) e deixam de estudar ciências ou história, porque o que importa para a escola e para eles é a nota do exame.

É preciso conhecer a realidade escolar para se comentar o que se passa. Quando António Costa diz que os exames não melhoram as aprendizagens, tem toda a razão. Os maiores progressos na aprendizagem dos alunos foram trazidos por programas que implicaram formação dos professores e a sua atualização científica, reflexão sobre práticas e trabalho conjunto para aferição das metodologias de ensino com mais eficácia. Refiro-me, por exemplo, ao trabalho desenvolvido pela Rede de Bibliotecas Escolares ou pelo Plano Nacional para o Ensino do Português. Estes programas melhoraram aprendizagens. Os exames, por si só, não o fazem. Os maus resultados nos exames, que se repetem ano após ano, são a evidência mais clara disto mesmo.

Que haja, pois, coragem política para se fazer o que tem de ser feito, contrariando a ideia de que é preciso um exame de 4.º ano apenas em nome do saudosismo.

João Costa

FCSH/Universidade Nova de Lisboa

Fonte: Público

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