Se há algo que Portugal deve aprender com as reformas na Polónia é a descentralização de competências e a autonomia das escolas, defende Mikolaj Herbst, investigador no Centro de Estudos Regionais Europeus da Universidade de Varsóvia. Mas é preciso não ir longe de mais como a Suécia e a Rep. Checa.
O que pode Portugal aprender com a experiência das reformas no sistema educativo polaco?
A questão mais importante da nossa reforma foi a descentralização. No início dos anos 1990, todas as escolas estavam subordinadas ao Ministério da Educação. A partir de 1991, começámos a transferir, gradualmente, as responsabilidades de gestão escolar para o nível local. Isso foi uma grande mudança para as comunidades locais. Nós conseguimos um bom equilíbrio na distribuição de responsabilidade, o que requer o envolvimento na oferta educativa de actores fortes e autónomos e não apenas de um Governo forte.
Como se consegue esse envolvimento?
A reforma do ensino na Polónia foi implementada com constante debate entre o Governo, sindicatos de professores e autoridades locais. Cada um destes contributos foi suficientemente forte para defender o que considerava crucial para o bom funcionamento das escolas. Mesmo quando os seus pontos de vista particulares não eram suficientemente abrangentes e incidiam sobre interesses mais particulares, o resultado final provou ser bom.
Este modelo pode ser adaptado noutro país?
Eu não acredito na transferência de soluções completas entre os países, mas vale sempre a pena ter um olhar especial para os mecanismos e as políticas. Penso que as políticas mais interessantes da Polónia que podem ser investigadas por outros países são as competências do governo municipal na gestão do ensino primário e secundário inferior, o mecanismo de financiamento conjunto de escolas pelos governos centrais e locais, os testes padronizados combinados com a avaliação externa do sistema.
Que impacto teve a descentralização de competências?
Há muitas coisas muito boas que aconteceram, especialmente ao nível dos municípios, que gerem o ensino primário e a pré-escola. Essas autoridades investiram muitos dos seus recursos nas questões materiais da Educação. As escolas na Polónia eram algo pobres. Em alguns lugares tínhamos apenas edifícios de madeira que eram do século XIX. A partir de 1999 foram construídas centenas de novos edifícios, com todas as condições. Também fomos capazes de absorver e usar de forma certa muitos fundos europeus.
Os resultados dos PISA mostram que a Polónia tem uma das mais baixas variações de resultados entre escolas. A que atribui a responsabilidade por esta realidade?
Volto a dizer que se quisermos destacar o principal motivo do sucesso da Polónia nesta reforma é o facto de termos mantido um bom balanço entre as competências e responsabilidades dos diferentes actores do sistema. É verdade que descentralizámos a gestão escolar, incluindo a contratação de professores e directores, mas, por outro lado, certas competências cruciais mantiveram-se no nível central. Não desistimos do currículo central, não desistimos da regulação central da carreira dos docentes e da forma como são pagos os professores.
O que justificou essa manutenção de algum poder central do Ministério da Educação?
O “teacher’s chart” [Estatuto da Carreira Docente, aprovado em 1982, ainda durante o regime comunista], que é a lei que define as responsabilidades, requisitos e o pagamento mínimo e o tempo lectivo dos professores. Esta lei é muito contestada e detestada pelos governos locais, que defendem que impede uma gestão mais eficiente das escolas. Quando dizem eficiente, apenas estão a dizer pagar menos dinheiro aos professores. Na minha opinião, o “teacher’s chart” desempenhou um papel muito importante na preservação de uma qualidade relativamente uniforme dentro do sistema de ensino entre as diferentes localidades.
Houve outras experiências de autonomia na gestão escolar que foram mais longe.
Sim, temos exemplos de países que descentralizaram ainda mais a Educação, como a República Checa, que foi ao ponto de transferir para os municípios competências até ao nível da definição do currículo. Também foi feito algo de semelhante na Suécia e o que aconteceu nesses dois países foi que a qualidade do ensino piorou dramaticamente e a dispersão dos resultados subiu dramaticamente. Isto aconteceu porque eles deixaram de controlar o que estava a acontecer na Educação desde o nível central. Na Polónia temos autonomia, mas conseguiu-se preservar o equilíbrio entre as competências dos diferentes níveis de administração.
Quais foram os problemas que levaram à reforma do sistema educativo de 1999?
Nos primeiros dez anos depois do fim do comunismo, o nosso sistema educativo mudou totalmente. Como em qualquer país comunista, nós tínhamos um sistema educativo predominantemente vocacional, que estava desenhado para corresponder às necessidades da indústria. As empresas colapsaram e as pessoas acreditavam que deviam investir na educação geral para serem mais competitivos no novo mercado laboral. Por isso, mais e mais pessoas decidiram ir para as escolas secundárias e depois tentar estudar na universidade. Mas estas pessoas estavam a queixar-se da qualidade da educação geral na Polónia.
Foi, portanto, uma exigência de mais qualidade?
Antes de 1989 tínhamos, em todo o sistema educativo, 10% a 20% da população com expectativas de seguir para o ensino secundário e depois ir para a universidade. Era a elite do país. Passamos a ter 50% a 60% a ir para a universidade. Era absolutamente impossível manter a qualidade que havia antes. Era impossível educar as pessoas com o mesmo nível.
Quais são os principais problemas que a Polónia ainda tem que resolver?
O número de estudantes no ensino superior aumentou de 400 mil para dois milhões por ano. E o Governo não fez, literalmente, nada para acompanhar isto. O ensino superior foi completamente deixado à mercê da auto-regulação do mercado e por isso apareceram tantas universidades privadas, cuja qualidade não é suficientemente controlada. Também a qualidade da educação pública decresceu. Temos cinco vezes mais estudantes, mas o número de professores só aumentou 60%. E os seus salários mantiveram-se muito baixos , por isso, pode imaginar como as condições de ensino e de aprendizagem mudaram. O sector universitário é algo com que temos que lidar muito rapidamente, de outro modo vamos perder todos os bons alunos, que vão preferir ir para fora do país e nós só vamos treinar um grande número de alunos com pouca qualidade.
Fonte: Público
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