Esta semana tive a oportunidade de confirmar aquilo que diversos estudos atestam, o que apesar de não me surpreender, faz com que não consiga deixar de ficar incomodada e sentir que ainda há um longo caminho a percorrer para sensibilizar toda a comunidade sobre as necessidades educativas especiais, para melhor as compreenderem, aceitarem e apoiarem.
Enquanto estava na sala de espera com uma jovem que acompanho, aproveitei e lancei-lhe o desafio: Descobre quais destas afirmações são factos e quais são mitos. Isto porque para comemorar o mês de consciencialização da dislexia, fomos divulgando alguns mitos e factos sobre dislexia.
Ela foi identificando corretamente um a um, tendo acertado praticamente todos, exceto um – “dar apoio e fazer adaptações necessárias para o sucesso do aluno com dislexia é JUSTO, não é um facilitismo”. Ela disse confiante "é um mito", questionei-a e ela repetiu convicta "É um mito". Fiquei a pensar nisto… No fundo ela terá alguma razão ou toda a razão, se esta é a sua realidade. E infelizmente esta é a realidade de muitos alunos.
Receber apoio, usufruir de adaptações que estão previstas na legislação parece não ser um direito… parece não ser considerado justo para muitos… e ao não ser considerado justo para os adultos (pais e professores), mesmo que sem o expor diretamente, ou sem o assumir, transmitem este sentimento de que não é justo para os outros, de que é um facilitismo serem tratados de forma diferente. Os estudos sobre a aceitação dos professores e dos alunos face às adaptações nas avaliações revelam que existe uma correlação positiva entre a opinião do professor e os respetivos alunos, ou seja, se um professor considera injusto fazer adaptações e menciona que todos os alunos devem ser tratados de forma igual, os respetivos alunos têm exatamente o mesmo discurso. O que corresponde ao que eu observei com a jovem que acompanho.
Ser tratado de forma diferente é visto de forma negativa, anti-inclusão. Para haver inclusão todos devem ser tratados de igual forma. Será isto verdade? Não! Cada aluno, especialmente aqueles que de alguma forma têm dificuldades, devem receber um apoio individualizado, diferenciado e não igual, sendo que fazer igual não é sinónimo de justiça. Para se responder às necessidades individuais e proporcionar uma educação apropriada à otimização das potencialidades dos alunos, como pressupõe a inclusão, devem-se fazer as adequações necessárias.
Justo é cada um receber aquilo de que necessita, o que não tem necessariamente de ser igual.
Mas, na realidade, está demasiado enraizada na nossa cultura esta má interpretação do conceito. Eu própria, quando vou a uma livraria e encontro um livro que um dos meus filhos adoraria, quando estou a pagar sou invadida por um sentimento de culpa de não levar também um para os meus outros dois filhos, sentindo-me quase na obrigação de levar outros dois. Mas não devia, não tem de ser assim…
Resta ainda a outra questão – fazer estas adaptações é um facilitismo? Ao estarmos a adaptar o processo de avaliação, nomeadamente na preparação dos alunos, na construção, na administração e cotação dos testes, bem como na valorização de outras formas de avaliar os conhecimentos, além das situações de teste, vai facilitar o alcançar o sucesso e não vai preparar os alunos para as adversidades da vida (os exames). Este é um discurso frequente e que por um lado posso compreender os receios que estão por detrás dos mesmos, por outro lado, não o posso aceitar.
Fazer as adaptações ao longo de todo um percurso escolar não pode ser evitado com o receio do que pode vir a seguir, pois há sempre a dúvida que paira “este ano os alunos com dislexia vão ter que adaptações nos exames?” e depois há a outra dúvida “e na faculdade, quem os protege? Não está previsto na legislação da educação especial!”. Pois bem, isto é compreensível porque de facto todos os anos letivos sabemos que podem haver alterações nas adaptações sugeridas pelo Júri Nacional de Exames e também sabemos que o ensino superior não está previsto na legislação. Mas não é aceitável, pois não podemos deixar de implementar medidas que estão previstas na lei e que são justas, com medo do futuro e impedindo a estes alunos que cheguem a esse futuro, aos exames, à faculdade, às adversidades… Se não fizermos as adaptações o mais provável é não terem hipótese sequer de chegarem aos exames e muito menos à faculdade, o que é tremendamente injusto se nos lembrarmos de todo o seu potencial, um potencial que fica desperdiçado… Aquilo que sabem fica camuflado com as dificuldades e ao fazermos adaptações o que estamos a avaliar são os seus conhecimentos e não as suas dificuldades na leitura, ou na escrita.
Também não se deve utilizar os argumentos de que ao fazermos adaptações os alunos deixam de se esforçar, se vão sentir diferentes ou que vão ser gozados. Os alunos com dislexia têm sempre de se esforçar mais do que todos os outros, essa é a sua realidade, é o seu dia a dia. Se fizermos adaptações o seu esforço e conhecimento vão-se refletir nas classificações, se não o fizermos, o mais provável é não haver uma correspondência, ficarem aquém do esperado e sentirem-se frustrados. E aí sim, sentem-se diferentes, mal consigo próprios e não compreendem porque estudam tanto ou mais que os colegas e têm sempre piores resultados do que eles. Começam a duvidar das suas competências e a desinvestir… as adaptações que são feitas no processo de avaliação podem ser mais ou menos visíveis, mas qualquer adaptação deve ser conversada, explicada e aceite pelos pais e aluno, se for explicado que estas adaptações são justas e não um facilitismo, certamente que serão bem recebidas. Não é necessário alterar conteúdos, não se vai diminuir a exigência sobre conhecimentos, os alunos com dislexia podem aprender o mesmo, mas com estratégias diferenciadas, com mais tempo… podem ser avaliados sobre o mesmo conteúdo, mas de forma diferenciada.
Em suma, se um aluno com dislexia necessita de um apoio, de uma estratégia específica para aprender um conteúdo, de mais tempo para concluir uma tarefa, que lhe leiam um enunciado ou que não o penalizem pelos erros, para que possa atingir o seu potencial máximo, revelando todo o conhecimento que tem, é da responsabilidade dos pais e dos professores responderem a esta necessidade.
Leonor Ribeiro
Fonte: Público
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