Aulas sem problemas disciplinares. Alunos a aprenderem através de conexões entre conteúdos. Educação envolvendo a comunidade. Pais cooperantes. É assim que Pedro Lobo, presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Guimarães, imagina a escola do futuro. O desafio era simples: pensar a escola de amanhã. O que seria preciso mudar? As respostas foram surgindo ao longo do dia com os contributos dos oradores, presentes no debate “A Escola do Futuro, Quando o Futuro é já Hoje”, realizado no passado dia 29 de maio, na cidade vimaranense.
O encontro promovido pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Guimarães ajudou para sinalizar alguns riscos do sistema educativo. A começar logo na primeira infância, do zero aos 6 anos. Teresa Sarmento, docente da Universidade do Minho, deixou claro que “brincar continua a ser a forma mais própria de as crianças viverem”. Por isso, pensar o seu futuro passa por perceber o erro de se lhes tirar a brincadeira “na tentativa de escolarizar a infância”. “É preciso viver com as crianças e deixá-las ser elas mesmas, na idade em que estão.”
Coordenadora de estágios em creches e jardins de infância, Teresa Sarmento não perdeu a oportunidade para criticar a organização do dia nestes espaços. “Assisto a uma constante parcialização do tempo, que se quebra para partir para outras atividades.” Sobre como deve ser a boa prática nestas instituições, a docente aconselha esta reflexão: “A criança faz escolhas ou obedece ao que já está estipulado pelos adultos?”
Partilhando o mesmo painel onde se abordava a primeira infância como pilar de um desenvolvimento sustentável, Margarida Silva Rodrigues, diretora de uma escola particular em Lisboa que recebe crianças de risco, lamentou as semelhanças ainda existentes entre a sala de aula do passado e do presente. E admitiu não ter grandes expectativas quanto a mudanças no futuro. “Os professores têm vontade de mudar, mas o ensino continua igual ao que sempre foi. As palestras ainda dominam o tempo de ensino.” A quem possa pensar o contrário, a diretora lembrou “a pressão imposta aos alunos e às escolas pelos exames nacionais, o aumento das horas curriculares e dos milhões gastos em quadros interativos que ninguém usa”.
Num cenário pouco animador, a também presidente da Associação High Scope Portugal ressalva a primeira infância como “a área onde se pode ter mais esperança”. Pois nela se encontram “os profissionais mais preparados para aderir à mudança”. O exemplo pode estar na escola que dirige, onde o futuro parece já ter chegado. Dos 4 meses aos 12 anos, a escola implementa o currículo High Scope, que parte da ideia de que a criança aprende a fazer.
Num sistema educativo onde a pressão é muita, a saúde mental dos mais novos é outra das preocupações de Margarida Silva Rodrigues: “É fundamental que haja tempo nas instituições para criar vinculações sustentadas entre a criança e os educadores e as outras crianças.” Porquê? “Para que a criança possa ir construindo alicerces, independentemente do ambiente que tenha quando sai da porta da instituição.” Quanto à sinalização de situações de risco, a diretora advoga: “é preciso observar e compreender os sinais”.
Sobre a adolescência, vista como um desafio à escola e um período de construção da identidade, Carlos Jorge Sousa, coordenador do Observatório das Comunidades Ciganas, constata que, apesar da formatação a que todos somos sujeitos, “nas escolas cada vez mais as diferenças emergem”.
Por isso, “a questão não é o choque que nos causa, mas o modo como lidamos com as diferenças que nos abalam”, argumenta. Remetendo para o modo como os ciganos são ou não aceites na escola e na comunidade, Carlos Jorge Sousa criticou ainda o uso da expressão “de etnia cigana”. “A palavra etnia substituiu a palavra raça. Por isso, é bom que se tratem por pessoas ciganas ou ciganos.”
Luísa Moreira, coordenadora nacional do Projeto Fénix, cuja missão é auxiliar a aumentar o sucesso educativo, fez duras críticas à “cultura de retenção” praticada nas escolas portuguesas. Aos professores, pediu reflexão sobre o modo como trabalham: “Se os alunos não aprendem, muitas vezes o mal está no processo de ensino.” Ao Ministério da Educação e da Ciência (MEC), que “conheça a realidade das escolas com crianças mais desfavorecidas e entenda que precisam de reforços”. À assistência de técnicos da CPCJ, docentes e educadores, Luísa Moreira lembrou: “Os meninos com famílias desestruturadas não têm menos capacidade para aprender, apenas menos possibilidades.”
Ouvir alunos e pais
A escola do futuro terá de ouvir o que alunos e pais têm a dizer. Ponto assente no painel de Educação e Cidadania que trouxe à assistência as opiniões de nove jovens entre os 17 e os 22 anos, com percursos educativos muito diferentes. Do ensino científico-humanístico ao profissional, do público ao privado. Das ciências às artes. Jorge Correia, membro da CPCJ de Guimarães, foi colocando as questões. Algumas respostas surpreenderam. Outras já eram esperadas.
O que se aprende na escola? Há um sentimento geral de que só no ensino secundário começaram a aprender o que lhes faria falta. Quem frequenta cursos científicos-humanistas acredita que esse sentimento será adiado até à entrada na Universidade. A passagem do ensino básico para o secundário continua a requerer adaptações difíceis. Sobrecarga de horários. Muitas disciplinas. E pouco tempo para participar em projetos e concursos. Mas pelo meio, ainda há quem, como o Rafael, admita: “Por estranho que pareça, eu sempre gostei da escola”.
Mudar o quê? Para Miguel são necessárias grandes mudanças, à semelhança do “bom velho exemplo” da Finlândia. “Há 30 anos que não mudavam nada e agora vão mudar tudo, mas em Portugal andamos sempre a mudar coisinhas.” Mudanças curriculares é também a sugestão de Bruno. Tem um gosto particular pela aviação. Por isso, gostava de poder aplicar esse interesse aos conteúdos das aulas. Entenda-se: “Há uma determinada matéria que todos aprendem da mesma forma, mas depois cada um devia poder aplicar esse conhecimento às áreas da sua preferência.”
As notas e as avaliações são o que mais irritam Nadir: “Decorar, chegar ao teste e tirar um 18 não significa ter mais conhecimento do que quem tire um 15.” Rafael diminuía o tempo de aulas para 30 minutos, “mais do que isso é saturante para os alunos e os professores”. Inês concorda: “A média de atenção de um adulto é de 20 minutos, nós temos aulas de 90 minutos, façam as contas!”
Reduzir programas é outra ideia que reúne consenso no painel, assim como uma organização diferente do calendário letivo. Por exemplo, que encurtasse os três longos meses de férias, para espalhar mais dias de folga pelos três períodos. Ou mesmo o fim da segmentação de conteúdos em disciplinas. “Na Finlândia vão passar a ter tópicos e neles trabalham as diferentes matérias”, explica Miguel.
Não é preciso ir para os países nórdicos para encontrar um estabelecimento de ensino a funcionar assim. Como ficou claro pela apresentação de Ana Moreira, coordenadora geral do projeto da Escola da Ponte, que durante 37 anos esteve sediada na Vila das Aves. A escola recebe alunos do pré-escolar ao 9.º ano e o currículo está organizado em núcleos de projetos. Não há disciplinas. Também não existem turmas. Os alunos trabalham em grupos de três e os professores são antes facilitadores de conhecimentos.
A organização curricular da Ponte é bastante popular e tem merecido muitas dissertações e teses de mestrado. Inserida no painel “A Dinâmica Escola-Família”, Ana Moreira fala, por isso, de um outro aspeto talvez mais desconhecido: o papel dos encarregados de educação. “O envolvimento dos pais não é dizerem-nos o que está bem ou mal, implica uma corresponsabilização.”
Para explicar à audiência o que nas palavras de Isabel Moreira, representante dos encarregados de educação da Escola da Ponte, “é normal na escola mas não é normal no país”, Ana Moreira acrescenta: “Os pais da Ponte não ficam no portão da escola, têm um cartão de acesso, andam pelos corredores e entram nos espaços de trabalho.”
O movimento associativo de pais representa 20% do universo dos alunos, reunindo cerca de duas mil associações, segundo as contas do presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP). Jorge Ascenção aproveitou a ocasião para lembrar que a participação é um direito constitucional. “Portugal tem uma das melhores leis da Europa no que toca às associações de pais. Muitos países nem a têm. Mas se calhar contam com pais mais envolvidos.” Mesmo assim, para o presidente da CONFAP, a importância da participação parental continua a ser óbvia: “Somos os principais clientes do que a escola tem para oferecer.”
Fonte: Educare por indicação de LIvresco
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