Estão quase concluídos quatro anos de política educativa liderada por Nuno Crato (N.C.). Critico das ciências da educação, do currículo, da pedagogia, da didática e da investigação nesta área, responsabilizou todas pelo estado da educação em Portugal no seu livro Eduquês em Discurso Directo. Neste artigo procuro apresentar um registo factual dos acontecimentos dos últimos quatro anos de modo a contribuir para os próximos quatro. Um contributo para um debate que é essencial.
A 23 de dezembro de 2011 foi revogado o Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais de 2001. Os princípios orientadores do novo currículo são agora a transmissão dos conteúdos feita com base numa prescrição detalhada, em forma de lista, de objetivos e descritores para cada objetivo do conteúdo sem qualquer referência a métodos de ensino. A consulta das Metas Curriculares (MC) do 9.º ano de Ciências Naturais é um bom exemplo para perceber o novo currículo. O calendário de aplicação das MC informa que as primeiras entraram em vigor no ano letivo 2013/2014 e só terminam no ano letivo 2017/2018. Este facto aponta para um regime transitório, longo, onde coexistem o currículo revogado e o novo, onde é sugerido a aplicação supletiva das MC. Se é verdade que a nova revisão curricular teve como objetivo reduzir a dispersão curricular, é também verdade que não exigiu alteração de conteúdos nem a formação de professores, pelo que os princípios que subscreve nada mudam. E porquê? Porque sobre as grandes questões curriculares – “o que ensinar” e “como ensinar” – nada alterou e nada sugere como metodologia. Este aspeto vai ao encontro da desvalorização das ciências da educação, nomeadamente da didática que N.C. acusa de ser responsável pela política educativa identificada por “eduquês”. Por razões diferentes, já em 2001 não se apostou na formação de professores. Com esta revisão curricular, fica a ideia de que apenas mudou a terminologia e a forma como esta é apresentada, deixando a prática letiva ao critério do professor, o que significa como dantes. A literatura evidencia que as mudanças curriculares por decreto não mudam a forma de ensinar e de preparar as aulas dos professores. Perdeu-se assim uma oportunidade e voltou-se a cometer o erro de mudar sem primeiro identificar o que deve mudar.
A nova revisão curricular trouxe também consigo mais exames nos dois primeiros ciclos. Os resultados dos exames passaram a medir a eficácia educativa de uma escola e a ter consequência no número de horas, crédito horário, com o qual a escola gere o insucesso escolar, o apoio e a oferta complementar. Aumentar o número de exames com o pressuposto de que estes trazem rigor ao ensino necessita de explicação sobre: os resultados dos exames; as diferenças entre a avaliação interna e externa; o tipo de exame e critérios de correção; a definição exata do seu(s) propósito(s) no sistema educativo.
O esforço curricular da tutela no ensino vocacional é de saudar. Contudo, o ensino vocacional não pode ser apresentado nas escolas como resposta ao insucesso escolar como sugere o Decreto-lei n.º 176/2012 de 2 de agosto. Expor este percurso escolar ao insucesso escolar significa desvalorizá-lo junto da sociedade e dos encarregados de educação (EE).
Por fim, gostaria que nos próximos quatro anos voltasse à escola o ânimo, a motivação e a valorização do trabalho do professor. As medidas que se seguem podem ser um contributo e focam-se em aspetos práticos da vida quotidiana das escolas.
– Propor correções à atual revisão curricular caso não se verifique alinhamento das metas curriculares com os manuais, com a pedagogia e com a avaliação interna e externa (exames nacionais). É preciso construir coerência curricular. Para Tim Oates, a coerência curricular e o seu controlo justificam o bom desempenho dos sistemas educativos na avaliação internacional comparada.
– O currículo português do ensino básico tem uma enorme lacuna na educação artística. Um aluno acaba o 9.º ano de escolaridade sem nada saber sobre os diferentes movimentos – de arte e respetivos artistas. A educação artística deve ter mais peso no currículo do ensino básico. Este aspeto deve ser corrigido.
– Valorizar o trabalho didático do professor em geral e em especial no combate ao insucesso escolar cujas causas estão hoje bem identificadas. Nas escolas e junto dos professores há descrença nas medidas de combate ao insucesso expressas nos normativos. Estas, sendo boas e bem-intencionadas, mostram-se por vezes pouco eficazes. Urge saber o que falha no combate ao insucesso que seja da responsabilidade da escola.
– Criar na organização do trabalho escolar ao longo do ano letivo momentos formativos em trabalho colaborativo orientado para a coerência curricular.
– Acabar com os conselhos de turma intercalares. A informação surgida destes conselhos de turma pode ser registada nos conselhos de turma de avaliação e os órgãos de gestão atuarem em conformidade.
– O diretor de turma deve ter menos obrigações. As escolas devem concentrar e gerir os problemas disciplinares, administrativos e do insucesso escolar dos alunos na mesma figura e não em vários diretores de turma. O atual coordenador dos diretores de turma ou alguém da equipa da gestão sem componente letiva deverá ocupar-se da gestão administrativa e disciplinar dos alunos. É importante uma figura presente na escola que conheça e se relacione com os alunos e que seja simultaneamente o interlocutor dos EE e dos diretores de turma. Não é possível preparar e dar aulas e gerir ao mesmo tempo problemas administrativos e disciplinares, hoje, complexos e exigentes.
– Os EE devem concentrar-se menos nos problemas da avaliação e constituírem-se como parceiros na procura de soluções para os problemas escolares. Por exemplo organizarem as interrupções letivas, tempos livres, salas de estudo, etc. A escola não pode dar resposta a tudo.
– Rever o calendário escolar de modo a estabelecer três períodos de duração semelhante. O final de um período letivo não tem de coincidir com a interrupção letiva.
– Os exames nacionais devem ter coerência curricular com as aprendizagens realizadas e esta deve ser verificada anualmente.
– Seguir o exemplo Finlandês de consenso na política educativa, uma das causas do sucesso daquele sistema educativo, com propostas adaptadas à realidade do país. Um exemplo desta falta de consenso é a proposta de descentralização/municipalização da educação.
Maria Plantier Lobo Antunes
Mestre em Educação na área de especialização Didáctica da Ciência
Fonte: Público
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