quarta-feira, 17 de junho de 2015

As duas troikas e a comunicação social

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2. A informação produzida pela comunicação social deve visar o esclarecimento dos cidadãos. A diversidade e a pertinência das opiniões publicadas devem favorecer a reflexão dos leitores. Não sendo difícil, num plano ético, concordarmos com as premissas anteriores, assalta-nos a pergunta óbvia, ao passar para o plano prático: a comunicação social contribui sempre para reforçar o juízo crítico dos cidadãos ou, outrossim, confunde-os amiúde? Que responda cada leitor, cuja verdadeira liberdade cívica depende, cada vez mais, da sua própria capacidade para manter ativa uma certa memória mediática e ler para além do que é escrito.

O impacto dos exames na vida de todos nós e a duração das atividades letivas voltaram à atualidade. Contribuíram para a retoma destes temas uma entrevista concedida ao Público por Hélder de Sousa, presidente do Iave, uma proposta do Conselho de Escolas e a posição assumida pelo presidente de uma das confederações de associações de pais (Confap). Hélder de Sousa disse que os exames não estão a gerar melhorias nas aprendizagens e que o treino intensivo para os exames “é o maior erro que se comete em matéria de prática de sala de aula”, atribuindo, subliminarmente, a responsabilidade aos mesmos do costume: escolas e professores. O Conselho de Escolas propôs uma pausa de dois dias a meio do primeiro período escolar. O presidente da Confap defendeu onze meses de aulas e um mês de férias.

Em editorial de 14 passado, o Público emitiu opinião. Depois de apoiar o diagnóstico de Hélder de Sousa, clamou por tempo para ensinar o que não se aprende, escrevendo: “… E é por isso que não se entende a proposta agora feita pelo Conselho das Escolas ao Ministério da Educação, de fazer uma pausa no meio do primeiro período de aulas. Quando toda a gente se queixa, inclusivamente os professores, de falta de tempo para dar as matérias e quando já existem tantas férias escolares, esta é uma ideia ao arrepio de todas as exigências. E que não abona nada a favor da imagem das escolas.”

Estes diferentes contributos, coincidentes no apoio a uma forma de ver as coisas, justificam outro, o meu, claramente diferente. Hélder de Sousa é bem-vindo ao clube dos que sempre pensaram e disseram que os exames não melhoram, por si só, o desempenho das escolas, dos alunos e dos professores. Falta-lhe assumir agora que, tal como fazer uma análise ao sangue em jejum e outra ao deitar não combate o excesso de colesterol, também a paranóia classificativa que gere, com exames a mais, quantas vezes inadequados e mal feitos, tem que ser corrigida. E, sobretudo, não venha iludir a opinião pública (acompanhado pelo editorialista do Público) dizendo que a pressão e o treino intensivo podem ser rejeitados pelos professores e pelas escolas. Não podem. Não são eles que definem as políticas. É o ministro. Não foram eles que indexaram prémios e castigos, de escolas e professores, ao resultado dos exames. Foi o ministro. Não foram eles que alienaram os pais com a paranóia dos rankings. Foram ministros, este e outros, com a ajuda da comunicação social (e papel relevante para o Público, pioneiro na construção dos rankings).

Ao presidente da Confap permito-me sugerir que, em vez de ajudar a enterrar ainda mais a infância dos filhos, sequestrados na escola 11 horas por dia, 11 meses no ano, questione antes um modelo de sociedade que substitui pais naturais por pai adotivos: os professores. Ao editorialista do Público peço que considere a hipótese de encontrar o tempo que reputa necessário para ensinar o que está mal aprendido na diminuição da bárbara extensão dos programas. E recordo-lhe que as crianças portuguesas do primeiro ano da escolaridade obrigatória têm uma carga letiva anual de 936 horas, enquanto as finlandesas, universalmente celebradas pelos resultados que obtêm, se ficam por… 569.

Santana Castilho

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

Nota: Parte da crónica publicada no Público.

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