Nuno Crato sentiu que ainda não tinha feito tudo pela escola pública. Que a sua marca distintiva carecia de um rasgo final de genialidade. Vai daí, decidiu resgatar os militares na reserva e transformá-los nos novos polícias do ensino. A tropa vai mudar-se para o recreio.
O que vão, afinal, fazer estes soldados desocupados? Várias coisas: impedir agressões entre elementos da comunidade escolar, sejam verbais ou físicas, "defender os direitos das crianças", protegendo-as "de qualquer forma de abuso", e ensinar aos petizes a importância de manter intacto o equipamento. Os militares na reserva vão ser privados de uma vida pacata para serem contínuos. Com a vantagem de saberem usar uma arma e terem aptidões para deixar inconsciente um aluno mais temperamental. Chamar a PSP? Só se for mesmo necessário.
Sabe-se muito pouco sobre as motivações desta medida. A Associação Nacional de Sargentos foi apanhada desprevenida. Aos militares não resta outra solução que não seja cumprir o estipulado. Assim o determina o novo Estatuto dos Militares das Forças Armadas. Vamos admitir que a estratégia militarista tem como móbil os números da criminalidade em contexto escolar. A estatística de 2014 ajuda: houve, de facto, mais 340 ocorrências do que no ano anterior, num total de 6693. Vamos admitir, até, que a presença de militares de calças de ganga pode ter um efeito dissuasor. Que os recreios passam a ser espaços pacatos que fazem corar de vergonha os templos budistas. Há, todavia, um senão: 72% das ocorrências em contexto escolar foram de natureza criminal. Ou seja: na esmagadora maioria dos casos, a resposta compete única e exclusivamente à PSP, que está há anos no terreno com o programa Escola Segura. Resultado: gera-se um conflito entre forças e duplicam-se os gastos públicos. Será que ninguém pensou nisto?
Mais: o Estado que quer dar uma vocação militar à disciplina nas escolas é o mesmo Estado que contrata desempregados, ao abrigo de contratos de inserção, e lhes paga meia dúzia de euros para fazerem de... auxiliares nas escolas. Isso mesmo.
O civismo e a educação dos alunos, ou a falta deles, são problemas bem mais dramáticos do que a violência ou delinquência juvenis. E isso não se corrige nos recreios, mas em casa e na sala de aula. Aí sim, precisamos de uma tropa de choque.
Imaginem o diálogo: "Então, Joãozinho, como foi o teu dia? Mãe, o Francisco disse que eu era maricas, mas fui logo fazer queixa ao sargento Antunes. E o que fez ele, filho? Deu-lhe um corretivo: 20 flexões e 15 voltas ao pavilhão da escola. E obrigou toda a gente a ver, como se faz na tropa. Ainda bem, filho. Vais ver que amanhã ninguém se mete contigo na guerra... quer dizer, no recreio".
Pedro Ivo Carvalho
Fonte: JN
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