Um sistema de classificação que foi criado para evitar a discriminação de alunos poderá, atualmente, estar a prejudicar os estudantes que têm mais dificuldades? Há quem acredite que sim e defenda alterações, como o presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Avaliação Educativa (Iave), Hélder de Sousa. Mas também quem considere que a desadequação de uma escala que serviu 40 anos foi provocada, precisamente, pelo atual Governo e pela introdução dos exames no 4.º e no 6.º anos de escolaridade.
No ensino secundário, os exames são cotados numa escala de 200 pontos, depois transposta para a de 0 a 20 valores. No ensino que hoje se designa como básico, até ao 9.º ano de escolaridade, o sistema é outro. “Em 1976, num contexto de democratização da escola, criou-se o chamado ensino unificado. E, precisamente para esbater as diferenças entre as crianças e reduzir aquilo que era considerado um estímulo à competitividade, instituiu-se a classificação por níveis, de 1 a 5”, explica José Pacheco, especialista em Educação, da Universidade do Minho.
Desde então, do 5.º ano ao 9.º os alunos são avaliados de acordo com uma escala de 0 a 100 que depois é transposta para níveis: quem tem entre 0 a 19% fica no nível 1; de 20 a 49% no nível 2; de 50 a 69% no nível 3; de 70 a 89% no nível 4 e acima dos 90% no nível 5.
Aquela escala torna-se penalizadora, considera o presidente do Iave, Hélder de Sousa, na medida em que um aluno do ensino básico que tenha a classificação interna de 2 precisa de ter 4, ou seja, mais de 70% no exame, para ter positiva. Isto enquanto no secundário um aluno que tenha a classificação 8 (que é o equivalente aos 40%, ou seja, ao nível 2 do básico), apenas precisa de ter 13 (ou 65%, que representaria o nível 3 no básico) para passar. Para os alunos que têm mais dificuldades, que vão com 2 ao exame (que tem um peso de 30 % na nota final”) isto é penalizador, considerou (...). E clarificou: "Não faz grande diferença para o perigo de aluno com média positiva reprovar, mas para permitir que um aluno que está em dificuldade possa passar é mais exigente".
A perspetiva do presidente do Iave é coincidente com a de Manuel Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional de Professores (ANP) que considera “objetivo” que a escala atual dificulta a recuperação de alunos que partem com negativa para os exames e diz que a questão está na ordem do dia. “A escala não mudou, mas passou a haver exames e também a noção, relativamente recente mas consensual, de que as retenções são prejudiciais para os alunos, para as famílias e para o sistema”, afirma.
Naquele contexto ( e também face aos incentivos do Governo ao sucesso) Manuel Oliveira diz ser favorável à alteração da escala, no básico, para 0 a 200. “Principalmente para o exterior – para os alunos e as famílias – é mais fácil explicar a subida de um 8 para 9,5 do que a subida de um 2 para um 3. Por outro lado, dar a um aluno que tem 40 e tal por cento o mesmo 3 que se dá a um estudante que tem 65% é criar uma cadeia de injustiças extremamente desmotivadora para as crianças”, comentou.
Fernando Nabais, presidente da recentemente criada Associação Nacional de Professores de Português (Anproport) frisa que as dificuldades em trabalhar com os níveis estão expressas no facto de os professores se referirem, quando falam com os alunos ou com os pais destes, em 4+ ou 3, por exemplo. E diz ser favorável à mudança de escala, não como medida de promoção do sucesso, "claro", mas de uma avaliação mais rigorosa.
É também semelhante o ponto de vista inicial de Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), que comenta o assunto dizendo que uma escala que “permite atribuir o mesmo nível ao aluno que não quer saber da escola e ao que se esforça mas não chega à positiva tem de estar errada”. A sua proposta, no entanto, “não é a mudança de escala, mas a promoção de uma avaliação qualitativa até ao 6.º ano, a par de uma reforma do atual modelo de ciclos”.
Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), nem sequer discute a questão. Diz-se “estupefacto com o ponto a que se chegou na tentativa de redução da escola a exames, números e percentagens”: “Querem resolver o problema do insucesso? Invistam em mais recursos, em mais apoios, em mais assistentes operacionais, em psicólogos, em turmas menores o que gastam com as retenções”, sugere.
É sensivelmente na mesma linha que Filomena Viegas, da direção da Associação de Professores de Português (APP), e Lurdes Figueiral, presidente da Associação de Professores de Matemática (APM), analisam o problema. Ambas consideram que “a perversão foi introduzida com os exames no 4.º e no 6.º anos e com a alteração da avaliação no fim do 1.º ciclo de qualitativa para quantitativa”.
Filomena Viegas diz que “atribuir um peso ainda mais forte à avaliação quantitativa no básico representaria um grave retrocesso”; Lurdes Figueiral faz notar que “o erro resulta do facto de se estar a tentar fazer médias com escalas que são essencialmente qualitativas” e acrescenta que o que está a mais “não são os níveis, mas os exames”.
Neste contexto, a presidente da APM diz esperar que na próxima legislatura se faça “uma reflexão profunda, com todos os parceiros educativos, sobre o que se espera da escola, com vista a uma reforma global”. Classifica como “assustador o que tem acontecido”: "Altera-se pontualmente aqui e isso faz com que deixe de servir ali, pelo que se altera, também pontualmente, ali, provocando noutro ponto um desequilíbrio que é tapado com mais um remendo”. “Assim seria se as escalas fossem alteradas”, avalia.
O Ministério da Educação e Ciência não parece interessado em entrar nesta discussão. Em resposta a várias questões colocadas (...) limitou-se a informar que não prevê alterar as escalas de classificação para o próximo ano letivo.
Fonte: Público
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