Os exames nacionais vão penalizar os alunos com dislexia. Num país em que tanto se fala da igualdade, choca-nos saber que o ministro da Educação permitiu que se voltasse atrás no que respeita à avaliação das crianças com perturbações de aprendizagem da escrita e da leitura, entre as quais, a dislexia.
As dislexias são de vária ordem e grau, mas nem por isso deixam de ser uma dificuldade concreta de aprendizagem da escrita e da leitura que se prolonga no tempo. Quem a vive sabe bem! Não se trata nem de uma doença nem de uma deficiência e não tem qualquer relação com a inteligência. Trata-se de uma perturbação motivada pelo uso excessivo do hemisfério direito do cérebro na função da escrita e de leitura, em vez do uso do hemisfério esquerdo vocacionado para a aprendizagem e desenvolvimento dessas competências pessoais. Por isso, um disléxico faz cinco vezes mais esforço nas actividades de escrita e leitura (Dr.ª Bárbara Pinto da Rocha in A Criança Disléxica). Quando descoberta atempadamente pode ser superada, mas não totalmente corrigida, pois, consoante os tipos, é normal persistirem dificuldades. E quando não é descoberta a tempo? E quando não é possível o apoio adequado por falta de meios, incluindo o ensino oficial e o ensino particular, atendendo a que num caso não há resposta suficiente para todos e no outro por falta de meios financeiros para fazer face a essa concreta necessidade?
O ministério arroga-se saber que são todos iguais, que todos foram diagnosticados atempadamente, todos tiveram a mesma evolução, todos estão aptos para fazer a prova nas mesmas condições dos que não têm dislexia. Escondendo-se na estatística: só 3% têm dislexia. E a família que lida com esta situação? E se fosse só um estudante? Por que razão não se haveria de respeitar a sua diferença tratando-se de um direito fundamental? Em Portugal, não há uma verdadeira política de família, pois a mesma exige ser transversal e as famílias têm de viver seguras de que há respeito pela pessoa, nomeadamente pelos direitos das crianças e jovens na sua educação. Não é legítimo colocar, anualmente, as famílias na insegurança de acordo com a sentença ditada a cada ano.
É desconcertante ver regredir uma política educativa, porque no Portugal dos Pequeninos custa respeitar quem é diferente e tem capacidade para ser muito bom naquilo que faz. Custa, porque a “inveja” corta! Todos os anos as famílias tremem à espera de saber o que o omnisciente ministério ditará sobre a “sorte” dos seus filhos. Há muito que o Canadá, o Brasil, os EUA e a Inglaterra, entre outros, superaram esta mesquinhez. A ciência avançou e estão a anos-luz deste “poucochinho” onde vivemos. A crise não é só económico-financeira, é uma crise profunda de valores e sociocultural. Por exemplo, nos EUA e no Canadá, as universidades prevêem que os alunos disléxicos tenham, entre outras condições, um computador para fazerem trabalhos e provas! Nas provas, há entre, outras condições, “mais tempo para a sua realização”, num verdadeiro respeito pela igualdade de oportunidades.
Na busca do bem comum temos de respeitar o que é diferente e tratar diferente o que não é igual, caso contrário, é desonesto o que se faz! Valentes jovens, mesmo mal caracterizados e nada respeitados! Três por cento é um número que não diz nada? A evolução desejada de um aluno com dislexia, na superação das suas dificuldades, exige que se concretize a aplicação da ficha A das normas do júri nacional de exames (nomeadamente a correcção ortográfica). A atribuição de um tempo suplementar, na prova de exame, igual para todos os alunos vem claramente ignorar as circunstâncias totalmente distintas dos alunos com dislexia diagnosticada, além de desconsiderar que a superação das dificuldades de um disléxico, agravadas na situação de stress de um exame, exige esforço e tempo acrescido relativamente a um aluno não disléxico. A desigualdade na Educação está espelhada no regulamento do júri nacional de exames!
Maria Burity e outros encarregados de educação
In: Público
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