segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O despotismo da translucidez

A Educação, área que continua ainda a ser menosprezada em termos de importância – embora os sucessivos governos a façam resplandecer nos programas eleitorais que depois transformam em programas de governo –, tem sido alvo de um policiamento controlador e fiscalizador que, não sendo seu exclusivo, é totalmente desproporcional pois tolhe o desígnio verdadeiro da docência: ensinar e educar.

Prestação de contas, rankings, metas, objetivos são alguns dos vocábulos que invadiram as escolas e com os quais os professores têm de trabalhar, em nome da transparência que oprime, esmaga e deteriora a prática ou desempenho docente.

Na verdade, se no passado o tempo do professor era aplicado essencialmente em contexto de sala, a dar aulas, atualmente caminhamos a passos largos para que essa realidade se transforme radicalmente, dada a preocupação imensa, quase obsessiva, com as evidências (provas palpáveis), através da documentação de tudo o que ocorre na sala de aula e na escola, em nome da translucidez.

Os professores dos dias de hoje vivem afundados numa gigantesca teia burocrática, rodeados de papelada (agora também de plataformas…), que desvirtua o seu verdadeiro trabalho, em nome da translucidez.

A classe docente é desconsiderada pelos nossos políticos que, enquanto oposição, até parece que a defendem, contudo quando estão no governo procedem de modo diferente. Alguns sindicatos, com declarações irresponsáveis, também em nada abonam a imagem pública que todos almejamos conferir aos professores, a de excelentes profissionais. Os maus professores representam um número residual e, esses, o sistema encarregar-se-á de os colocar de fora, como sucede nas demais profissões.

Concordo que é importante ter evidências do que se faz nas escolas, mas garanto que diariamente os professores trabalham mais do que são obrigados e do que qualquer relatório ou fotografia possa documentar: tiram dúvidas aos alunos e atendem encarregados de educação fora do horário, trabalham em casa e na escola muito para além das 40h semanais, ouvem os alunos e aconselham-nos em relação a problemas pessoais, participam em múltiplas reuniões, resolvem problemas que não lhes competem… Alguma avaliação externa ou inspeção valoriza o trabalho oculto dos professores? Algum governo enaltece aquilo que fazem, muito para além da sua obrigação, e ninguém vê?

E, nem por isso, o seu estatuto foi melhorado, o seu vencimento aumentado (pelo contrário!), a sua imagem profissional favorecida/valorizada, o seu reconhecimento é efetivado… por que será? Vale tudo em nome desta preocupação obsessiva, quase doentia?

Se é óbvio que os professores escolheram uma bela profissão - a de formar pessoas -, consubstanciada numa educação integral que sirva de alicerce aos alunos para a vida, também é evidente que estes excelentes profissionais merecem ser vistos por todos com outros olhos, a começar pela classe política que, sabe, ter nos docentes, a garantia de pessoas que contribuem decisivamente para o futuro, ou não estivessem a preparar as mulheres e os homens do porvir.

Por Filinto Lima
Professor/diretor

Fonte: Público

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