A formação pode fazer a diferença na aprendizagem dos futuros professores e na melhoria do ensino e aprendizagem dos alunos. É um dos fatores decisivos para a melhoria da Educação, mas é preciso analisar diversos aspetos. “Se se pretende que a formação de professores faça a diferença, é necessário elaborar programas de formação de qualidade, desenvolver uma visão clara e explícita sobre o processo de aprendizagem do professor e perspetivas pedagógicas específicas e investir na qualidade dos formadores de professores”, sublinha Maria Assunção Flores, investigadora do Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho, no artigo “Formação de Professores: Questões Críticas e Desafios a Considerar”, publicado no relatório Estado da Educação 2014 do Conselho Nacional de Educação. “Mas é também fundamental desenvolver competências de investigação, coordenar e articular, de forma explícita, as várias componentes do currículo, refletir e partilhar práticas pedagógicas, integrar o ensino e a investigação na prática e incluir a dimensão ética, cultural e política para que a formação de professores possa, de facto, ser encarada como um espaço de (trans)formação”, acrescenta.
Como aprender a ensinar? Aprender a ensinar implica aquisição de destrezas e de conhecimentos técnicos e desencadeia um processo pessoal, reflexivo e crítico sobre o que significa ser professor e sobre os valores e propósitos implícitos nas próprias ações e nas instituições em que se trabalha. “O sentido de identidade profissional constitui um elemento central no processo de tornar-se e de ser professor”, escreve a investigadora, que se tem debruçado intensamente sobre o assunto. Há então perguntas que têm de ser feitas. Que tipo de professor se pretende formar? Que professor se está a formar? Quais os conhecimentos e competências a valorizar? Como discutir o papel do professor numa sociedade em permanente mudança? Os professores devem ser executores ou agentes do currículo?
“Aprender a ensinar constitui um processo complexo e multifacetado que começa antes da entrada num curso de formação inicial de professores e é influenciado por um conjunto de variáveis, de perspetivas, de crenças e de práticas, por vezes conflituais, que marcam a transição de aluno a professor”, refere Maria Assunção Flores. Aprende-se observando, não basta apenas a aquisição de saberes sobre o ensino, e as oportunidades e experiências são importantes para se ser bom professor. “A formação de professores deve centrar-se não apenas no que os professores devem saber e ser capazes de fazer, mas também no modo como os professores, enquanto agentes de mudança, pensam e no modo como são capazes de transformar a sociedade”, refere.
Em Portugal, segundo dados recolhidos no âmbito da formação inicial de professores pós-Bolonha, detetaram-se alguns problemas neste processo como a falta de tempo e de condições para o desenho e desenvolvimento de um projeto de intervenção; uma insuficiente coordenação; alguns seminários ou módulos foram considerados irrelevantes na análise de contextos e desenvolvimento de competências profissionais; e notou-se ainda a inadequação de modalidades de avaliação nalguns seminários e módulos.
Criatividade e liderança
Analisar o tema implica também refletir sobre políticas de formação, programas e currículos, pedagogia da formação e ainda sobre o papel dos formadores de professores. “De um modo geral, no contexto europeu, a formação dos professores tem sido identificada como uma prioridade na medida em que aqueles são vistos como ‘atores decisivos no modo como os sistemas educativos evoluem’”. Há vários princípios que têm sido indicados para orientar a formação de professores porque aprender a ensinar envolve continuamente exigências conflituais e concorrentes, aprender a ensinar exige uma visão do conhecimento como disciplina em vez de uma disciplina criada, aprender a ensinar implica a existência de conexões significativas entre escolas, universidades e os futuros professores.
Há várias questões a considerar nesta equação: a qualidade do conhecimento dos professores, a reflexão crítica sobre situação da sala de aula e da escola, a capacidade para integrar o conhecimento e para lidar com a complexidade, a capacidade para se adaptar às necessidades individuais e coletivas dos alunos. Apesar de muitas variações nesta matéria, há competências consideradas centrais na formação de professores: conhecimento da disciplina a ensinar, conhecimento da pedagogia, integração da teoria e da prática, cooperação e colaboração, um sistema de autoavaliação, mobilidade, dinamismo, criatividade e liderança.
“Têm sido identificadas discrepâncias entre o que os alunos futuros professores aprendem nos seus cursos e a sua experiência prática nas escolas e a falta de articulação entre as várias componentes de formação, muitas vezes associada à separação histórica e curricular entre as disciplinas mais teóricas e as mais práticas e à desconexão entre o conhecimento teórico/propositivo e prático/procedimental, bem como às tensões entre a lógica profissional e académica na formação dos professores”, revela a investigadora.
A preocupação com a qualidade e a eficácia da formação de quem ensina aparece recorrentemente nos estudos sobre a matéria. Nos Estados Unidos, a tendência é para a prestação de contas numa lógica de evidência e a qualidade da formação “é avaliada através de indicadores de eficácia do trabalho dos novos professores, obtidos nos resultados de testes estandardizados dos seus alunos”. Na Finlândia, caso de sucesso nos resultados dos alunos em programas internacionais de avaliação, é diferente, sobressai a elevada qualidade da formação de quem ensina. O modelo finlandês é então lembrado. Neste país, os programas baseiam-se na evidência empírica e no desenvolvimento das competências metacognitivas dos futuros professores através da reflexão e raciocínio pedagógico.
Analisar e discutir a pedagogia
A articulação entre teoria e prática também surge quando se aborda a formação dos futuros professores e a investigação aparece como um elemento importante porque pode potenciar essa articulação, “não no sentido de uma conceção de professor como executor de teorias produzidas pela investigação académica, que desvaloriza as suas teorias pessoais e o papel da experiência na construção do profissionalismo docente, mas através de uma nova pedagogia da formação baseada em problemas e preocupações emergentes dos contextos reais, na reflexão sistemática dos professores sobre o seu pensamento e a sua ação, e na interação entre os professores e os formadores e supervisores no sentido da consciencialização e reconstrução da prática”.
Investigar a própria prática é fundamental. “Um modelo de formação orientado pela e para a investigação é essencial para o desenvolvimento do ensino e do conhecimento sobre o ensino através da pesquisa, incluindo a análise dos contextos de trabalho dos professores.” Dessa forma, os alunos futuros professores assumem-se como alunos mas também como investigadores, o que, refere a autora do artigo, “implica o desenvolvimento de competências investigativas e de uma postura crítica face ao ensino e aos contextos da sua realização”.
O estágio, a aprendizagem no local de trabalho, é visto como um elemento chave para “potenciar a coerência, relevância e eficácia da formação, embora não haja consenso quanto à sua duração, localização no currículo da formação, nem quanto à sua forma e conteúdo”. O estágio é, no entanto, reconhecido como a experiência mais relevante para quem quer ensinar. E os formadores têm de ter um papel interventivo enquanto formadores e investigadores da formação, investigar a sua própria prática, na linha do autoestudo. Ou seja, ensinar sobre o ensino através da criação de “espaços onde os alunos futuros professores e os formadores de professores possam analisar e discutir a pedagogia”.
Fonte: Educare
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