Fala-se muito da escola, sobretudo na época dos exames e na época da divulgação dos rankings. Fala-se da escola nos jornais, fala-se da escola na Assembleia da República, fala-se da escola em todos os ambientes profanos em que não há escolas nem alunos nem professores, mas onde muitos sonham ser mestres, tiranos do espírito. A escola é um objeto privilegiado da opinião arrogante e confortada na sua presunção de suficiência. Quem conhece um pouco da escola atual, quem tem alguma experiência dela (e seja-me permitido, aqui, reivindicar essa condição), sabe que ela é determinada por forças que permanecem insondáveis para os que simplesmente “acham” e emitem opinião baseada no respetivo “achamento”, e que são sempre insuficientemente ou mal descritas pelos media. Este discurso generalizado sobre a escola quase ignora a questão dos saberes transmissíveis que são — ou devem ser — transmitidos (em suma, aquilo que justifica a existência da escola) e adora deter-se nas reformas e nas modificações da instituição escolar, nessa nova mística que é a avaliação, assim como na máquina gestionária que a administra. Deste modo, formou-se a imagem de uma escola desligada da referência aos saberes. Os exames e os rankings fazem parte dessa lógica gestionária. Não estou a dizer que se devia acabar com eles, mas prioritário mesmo seria perceber que o suposto “facilitismo” que eles pretendem contrariar começa exatamente nas provas e na lógica examinadora que foi montada. Em junho, tive oportunidade de escrever aqui um artigo onde denunciava um erro clamoroso, escandaloso, do exame da prova escrita de Português do 12.º ano. Ninguém contestou os meus argumentos e a prova seguiu o seu curso sem que alguém tenha colocado a questão que verdadeiramente importa: quem avalia os avaliadores, quem examina os examinadores? Obviamente, ninguém. O que é preciso é que tudo aceda sem entraves ao estado estatístico. Experimente-se consultar a parafernália de materiais didáticos que as editoras de livros escolares traficam como adjuvantes da famigerada “preparação para os exames”. São um verdadeiro sismógrafo de uma mística da medição e da avaliação de competências mensuráveis. Permitem perceber com toda a evidência (sobretudo nas disciplinas das Humanidades) aquilo em que se transformou a dita preparação para os exames, a idiotice que ela cauciona, a negação que ela representa de tudo o que uma escola deve ser e dos modos exigentes de transmissão do saber. Se é preciso que haja exames, comece-se então por criticar esta tecnologia da preparação para os exames e o falso saber que ela trafica. As ideias do “facilitismo” e do seu oposto, a exigência, tal como são colocada no espaço público (e nas instituições de discussão e decisão políticas) desde há muito tempo, são altamente falaciosas porque se ficam pela superfície, pela “opinião”. Ora, o princípio básico, essencial, do qual é preciso partir é este: o primeiro dever da escola é resistir ao poder da opinião. É para isso que servem os saberes: para destruir a opinião. E por isso é que há um velho contencioso, uma antiga inimizade, entre os media e a escola. Toda a “opinião” que se debita sobre ela obriga-nos a pensar como é pernicioso o triunfo de uma opinião mediatizada. Onde ela reina, não temos a liberdade de expressão e de pensamento, mas exatamente o seu contrário, na medida em que passamos a não poder dizer ou pensar senão aquilo que é passível de ser recebido e entendido pela comunidade ou pelas técnicas de comunicação.
Por António Guerreiro
Fonte: Público
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