segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A humanidade em regressão?

CADERNETA DA ALUNA 

De Professora
Para Encarregado de Educação
Hoje, a sua educanda não trouxe para a aula o material necessário, o que impediu a realização da sua avaliação.

De Encarregado de Educação
Para Professora
A minha filha não levou o material devido a um esquecimento, compreensível para a sua idade. Também nós, adultos, nos esquecemos de vez em quando de uma ou outra coisa. Além disso, gostaria de saber porque é que a minha filha tem de mostrar o recado aos pais apenas porque se esqueceu do material e não fez a avaliação. Numa turma, como aquela em que está inserida a minha filha, deve haver assuntos bem mais graves e importantes a serem discutidos que o esquecimento do material da minha filha. Aguardo resposta.

Nota: Esta era já a terceira vez que a aluna não levava o material para a aula.


Esforço-me todos os anos por encontrar um tema adequado à época natalícia. Penso e repenso, digo a mim própria vezes sem conta que tenho de encontrar algum assunto que se enquadre neste mês festivo. Mas nada me ocorre, apenas um vazio de ideias. Face ao exposto, decidi pegar num assunto que, nada tendo a ver com o Natal, mais enquadrável seria numa “mixórdia de temáticas” do Ricardo Araújo Pereira, porque ele consegue, de uma forma absolutamente mágica, fazer-nos rir de coisas absolutamente inacreditáveis. Aliás, se o humorista atrás mencionado, do qual sou fã incondicional, decidisse recolher material para as suas crónicas usando como contexto a escola, encontraria certamente muita inspiração e matéria-prima. O inédito e inacreditável está sempre a acontecer neste espaço e com diferentes intervenientes que o envolvem.

As mensagens com que inicio o artigo, trocadas entre um professor e um encarregado de educação, servem para ilustrar um pouco as ideias expressas anteriormente. Os professores tornaram-se seres incómodos que chateiam as crianças (imaginem só!) pedindo-lhes que tragam material para as aulas e, até, que cheguem pontualmente. 

Relativamente à pontualidade, como é possível que se exija às crianças e aos pais que os filhos cheguem a horas, se há tanto trânsito todos os dias e se, ainda por cima, à entrada das escolas o trânsito é caótico porque os pais estacionam em segunda e terceira fila?!

Ao Serviço de Psicologia e Orientação chegam frequentemente pedidos que se prendem com o mau comportamento nas salas de aula. Na tentativa de perceber de que forma os pais encaram o problema, dado que o dito mau comportamento tem implicações nas aprendizagens do seu educando e dos outros colegas, não é raro os pais deixarem escapar o desabafo de que “os professores têm seus problemas”. Este tipo de argumento, dada a sua frequência, gera em mim instintos negativos, que só com um elevado autocontrolo consigo mitigar. O mau comportamento tem assim uma explicação lógica e muito acertada, com um alvo fácil e desculpabilizador de outras causas, “os problemas dos professores”, considerados, desta forma, como os culpados pela má educação e falta de respeito com que diariamente se confrontam na sala de aula!

Atualmente, os pais olham para os filhos como gente pequenina até muito mais tarde que no passado. Tudo é permitido porque, coitadinhas das crianças, ainda são pequeninas, mesmo estando já a frequentar o segundo ou o terceiro ciclo. A regressão é de tal ordem que suspeito, em breve, as crianças iniciarão o primeiro ano de escolaridade ainda de fraldas e os professores serão responsabilizados se, porventura, elas chegarem a casa com o rabinho assado por os docentes não as terem mudado logo que ficaram sujas. Estou a exagerar? Estarei? Também num passado bem recente seria difícil imaginar turmas do primeiro ano ingovernáveis ou alunos do ensino superior a serem convidados a sair da sala de aula por comportamento disruptivo e agora estas situações já fazem parte do dia a dia das escolas. 

Espero que este ano novo e os próximos devolvam aos professores e à escola mecanismos de ação imediata, que torne claro o que definitivamente não é tolerável no espaço escolar.

Por Adriana Campos

Fonte: Educare

1 comentário:

Anónimo disse...

Não será melhor debater este assunto com os interessados?