terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Opus Tutti: um projeto artístico para a infância

“O objetivo da educação é dotar as pessoas com instrumentos de construção de felicidade para a vida.” A frase do escritor António Lobo Antunes, dita numa conferência na Gulbenkian, foi o ponto de partida. O motivo de inspiração que conduziria à criação do Opus Tutti, um projecto artístico e educativo construído a pensar na infância. A Companhia de Música Teatral e o Laboratório de Música e Comunicação na Infância do CESEM – Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa decidiram propor algo novo ao Serviço de Educação da Fundação Calouste Gulbenkian. Ouviu-se um sim e assim surgiu um projeto com raízes artísticas para espicaçar os mais pequenos em várias vertentes: emocionais, afetivas, intelectuais, cognitivas, espirituais, sensoriais, motores. Opus Tutti nasceu para intervir na comunidade através da arte. 

“Construir raízes para melhorar os cuidados na infância”, descreve Helena Rodrigues, responsável pelo projeto. E muito foi feito. Formação de profissionais, de educadores de infância. Workshops para famílias, mais experiências musicais participativas, um conjunto de peças músico-teatrais, atividades em que se juntaram crianças mais velhas com bebés. E assim surgiu “uma série de boas práticas para a infância”. Helena Rodrigues salienta a importância da formação imersiva, de caráter vivencial, em que educadores e artistas se juntam para fazer música e assimilam os benefícios desse encontro, dessas músicas que são feitas em conjunto. “Nutrir artisticamente é fundamental. Estes focos de beleza, de luz, são fundamentais para crescer em sociedade”, sublinha. Opus Tutti terminou um ciclo de quatro anos, mas continua ativo para mostrar os frutos que foi recolhendo pelo caminho a mais crianças, a mais pais, a mais família, a mais educadores, a mais artistas. 

O projeto viu a luz do dia em 2011 com objetivos definidos e ansiosos por se tornarem realidade – e com o apoio financeiro da Gulbenkian, através do seu Programa de Qualificação para as Novas Gerações. Na lista de intenções estavam vários desejos. Vontade de “criar modelos e materiais de trabalho direcionados à primeira infância, numa intervenção transversal a vários agentes educativos e sociais”, vontade de “oferecer oportunidades de fruição artística e interação social de elevada qualidade”, vontade de “desenvolver modelos de formação 'imersiva' e 'implosiva' na área artística”. Assim foi, mas os primeiros passos tinham de ser consistentes. Implementou-se um estudo-piloto numa creche, trabalhando práticas culturais e educativas das famílias dos pequeninos e dos profissionais para que o Opus Tutti ganhasse consistência. 

Quatro anos, quatro fases. Germinar, enraizar, crescer e frutificar. 2011 foi o ano de germinar, ou seja, de experimentar modelos de interação, de formar equipas para implementar ações originais. Foram feitos workshops para testar qual seria o melhor caminho, surgiram os espetáculos AliBaBach e Bebé PlimPlim para bebés acompanhados dos pais. Fizeram-se experiências e recolheram-se dados para refletir sobre as abordagens artísticas na primeira infância e a maneira de usar meios musicais como mediadores comunicacionais. Criaram-se materiais e estratégias e uma performance chamada Um Plácido Domingo. 

Em 2012 foi o ano de enraizar. Avançou-se com uma intervenção na creche do Centro Infantil do Roseiral, em Lisboa, para testar ideias, compreender o nível de envolvimento dos pais, sensibilizá-los e lembrar-lhes que também há um colo de cultura para dar aos filhos. Fizeram-se sessões regulares de música para os meninos e meninas da creche, ao final da tarde. Realizaram-se vários workshops de afinação do ouvir, do olhar e do brincar. No ano seguinte, em 2013, foi ano de crescer. Ideias e estratégias definidas, o trabalho com os mais pequenos, pais e profissionais continuou para que as práticas artísticas fizessem parte do quotidiano das famílias. 

2014 foi eleito o ano frutificar. Fruição, confiança e autoestima foram conceitos importantes nesta caminhada. As famílias abriram-se à cultura, envolveram-se neste processo educativo proporcionado pelo Opus Tutti e as experiências do projeto podem ser repetidas para reforçar laços comunitários e para atingir a sua própria autossustentabilidade. 

Opus Tutti teve ideias, criou materiais, promoveu encontros, realizou workshops, residências e experiências musicais em creches, jardins de infância e várias salas de espetáculos do país. Músicos, educadores, bebés, crianças, pais envolveram-se neste projeto que, neste momento, encerra um ciclo de trabalho de quatro anos com a bagagem cheia de boas práticas de intervenção na comunidade para a infância. 

É hora de mostrar os “frutos”: as intervenções feitas em espaços que acolhem bebés e crianças, as criações artísticas, o trabalho de formação. Opus Tutti teve quatro fases e está preparado para que os seus “frutos” encontrem outros territórios. “A ideia é que possam agora frutificar ou germinar noutros locais, contribuindo para o bem-estar social e a melhoria dos cuidados e da educação na infância”, referem Helena Rodrigues e Paulo Rodrigues, responsáveis pelo projeto. 

Opus Tutti encerrou o seu ciclo com o IV Encontro Internacional Arte para a Infância e Desenvolvimento Social e Humano no fim de semana que passou e que teve lugar na Gulbenkian. Na exposição “Inventário dos Frutos” contaram-se as histórias do projeto ao longo do tempo, ano a ano, do germinar ao frutificar. No encontro estiveram vários profissionais de áreas artísticas, educativas e científicas. Como Colwyn Trevarthen, um dos maiores especialistas mundiais no estudo da comunicação da infância, professor da Universidade de Edimburgo, com trabalhos desenvolvidos na área da musicalidade comunicativa dos bebés. E de Lyl Tiempo, reconhecida pedagoga, pianista, mãe de dois virtuosos pianistas, que falou sobre iniciação musical nos mais pequeninos e das alegrias de fazer música em família.

Sara R. Oliveira

Fonte: Educare

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