O ano de 2014 termina, em matéria de Educação, da mesma forma que terminou 2013, ou seja, com a realização da segunda edição da prova de avaliação de conhecimentos dos candidatos à docência com menos de cinco anos de serviço. Desta vez, com escassa contestação com visibilidade pública, será um dos trunfos eleitorais do Governo que a apresentará como uma “reforma” realizada, mesmo que apenas se destine a encobrir a falta de coragem de intervir a sério na formação de professores.
Mas a PACC já faz parte de águas passadas e é apenas mais uma batalha perdida por parte dos docentes, a par da manutenção de uma avaliação do desempenho que não passa de um simulacro de péssima qualidade e permeável a todo o tipo de distorções e abusos.
Mais graves para a Educação, de um ponto de vista global ou “sistémico” (como agora se diz), são outras medidas que se procuram apresentar comum “estruturais” e destinadas a mudar o “paradigma” dominante, com base numa narrativa que se baseia na falsa evidência de que o “paradigma existente” fracassou e que a Educação, em particular a do sistema público, está em profunda crise.
Analisar os percursos e interesses específicos dos produtores de tal narrativa seria um exercício interessante, mas implicaria o estabelecimento de uma arqueologia de certas carreiras e a cartografia do seu posicionamento atual em relação à distribuição dos recursos do orçamento do MEC, algo que excede o âmbito de um artigo com alguns milhares de carateres. Embora com exceções, há demasiada gente interessada num redirecionamento das verbas que são geridas pelas escolas e agrupamentos para outro tipo de organizações, quer públicas, quer privadas – assim como têm interesse em que boa parte deixe de ser gasta com os salários de professores e pessoal não docente para ser aplicada em outro tipo de funções de apoio, assessoria e consultadoria.
Considero, contudo, mais útil analisar os fundamentos das posições daqueles que defendem que o atual “paradigma” faliu e que é preciso substituí-lo por outro, por forma a servir melhor “as populações” e “os alunos”, sem demonstrarem a bondade das mudanças preconizadas, como é o caso da municipalização da gestão escolar ou da alteração da avaliação dos alunos, com o cíclico retorno do discurso sobre os efeitos das retenções no percurso dos alunos e nos seus custos em termos de “eficácia” financeira de todo o sistema, sendo esta uma área em que se considera ser possível fazer “poupanças” para além dos cortes draconianos já realizados desde 2010.
Só que as evidências empíricas, baseadas em estudos muito bem documentados e detalhados, resultado do acesso aos dados em bruto recolhidos todos os anos pelo MEC ou dos PISA estão longe de comprovar esta narrativa oportunista.
Foram apresentados no CNE e disponibilizados para acesso público alguns estudos que demonstram a falsidade de muito do que os especialistas ocasionais e publicistas de vocação têm tentado passar como verdadeiro, assim como comprovam que, num passado recente, foram feitos demasiados truques para apresentar resultados rápidos de “sucesso” para enganar os eleitores.
Um desses estudos, produzido por uma equipa da Nova School of Business and Economics, tem o título de Decomposição da melhoria de resultados evidenciada no PISA: características dos estudantes versus sistema educativo e procede ao recálculo dos resultados com base nos microdados (leia-se, ao nível do aluno) dos PISA 2006, 2009 e 2012, assim como nos microdados existentes nas bases de dados do MEC. A conclusão, mesmo que suavizada no documento publicado, é clara: a amostra de 2009 foi construída com base em critérios diferentes dos de 2006 e 2012 e se os dados forem corrigidos é possível concluir que “a melhoria nos resultados dos alunos portugueses:
• é ainda mais significativa do que nos resultados oficiais entre 2006 e 2012;
• verificou-se entre 2006 e 2009 e entre 2009 e 2012 (…)”.
Isto significa, mesmo para leigos, duas coisas muito importantes: os progressos dos alunos portugueses têm sido constantes e a aparente mudança de ritmo entre 2006 e 2012 resultou de uma mexida nos critérios da amostra dos alunos que fizeram os exames em 2009. Acrescenta-se ainda que “a decomposição da variação nos resultados mostra que [a] evolução nos resultados se deve fundamentalmente à melhoria dos resultados dos alunos em cada ano e tipo de curso”, o que significa que o progresso dos resultados dos alunos foi constante e transversal ao sistema educativo.
Outro estudo, neste caso de Manuel Coutinho Pereira e Hugo Reis, do Banco de Portugal, com o título Retenção escolar: evidência dos dados PISA,apresenta conclusões muito mais matizadas acerca dos efeitos da retenção no trajecto dos alunos, a saber: “Os efeitos de ‘longo prazo’ da repetência no ISCED 1 no desempenho dos estudantes em Portugal são negativos, o que sugere que haverá vantagem em substituir, pelo menos parcialmente, esta prática por métodos alternativos de apoio aos alunos que revelem dificuldades na aprendizagem nas etapas iniciais da vida escolar. Os efeitos de curto prazo da repetência no ISCED 2 para Portugal são positivos, embora de pequena dimensão. Assim, apesar da incerteza quanto aos efeitos de longo prazo deste efeito, os nossos resultados não põem em causa a prática da repetência em níveis mais avançados do percurso escolar.”
Estas conclusões, como as do estudo anterior, deverão ser ignoradas pelos nossos decisores e, muito em particular, pelos publicistas que multiplicam as mensagens úteis na comunicação social sobre a necessidade de “um novo paradigma” na Educação.
Assim como em 2015 assistiremos, quase com toda a certeza, a uma nova habilidade pré-eleitoral como a de 2009, só que esta feita de forma ainda mais evidente: a generalização dos chamados “cursos vocacionais”, em que os alunos não são obrigados a fazer exames de final de ciclo de escolaridade, afastará desses exames muitos dos “indesejáveis” que teriam uma elevada probabilidade de produzirem um “insucesso” complicado para quem tem todo o interesse em demonstrar que fez mais (sucesso) com menos (recursos, professores).
O dramático é que só teremos essa demonstração daqui por uns anos, quando os atuais responsáveis por esta área de governação já estiverem longe dos lugares e imunes a qualquer verdadeira responsabilização. E já será tarde para muita gente perceber que foi enganada.
Paulo Guinote
Fonte: Público
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