Costumo dizer aos meus alunos da Faculdade de Medicina de Lisboa: “Podem não gostar de Psiquiatria, mas têm de saber que as perturbações psiquiátricas são importantes, pelo simples facto de serem muito frequentes.”
Lembrei-me desta minha frase habitual quando comentava em público a apresentação do Relatório “A Saúde Mental em números”, que em boa hora a Direção-Geral da Saúde e o coordenador do Programa de Saúde Mental (Álvaro de Carvalho) decidiram debater.
Em primeiro lugar, fica demonstrado que as perturbações mentais e do comportamento afetam mais de um quinto da população portuguesa. Em comparação com outros países ocidentais, Portugal apresenta um dos valores mais altos de prevalência de perturbações psiquiátricas: 22,9%, sendo de notar que as perturbações de ansiedade e as de controlo dos impulsos atingem a pontuação mais elevada entre os nove países da Região Europa da OMS que integraram o estudo.
Depois, nunca poderemos esquecer que as doenças mentais têm forte impacto na vida dos doentes, que se traduz por um número significativo de anos perdidos de vida saudável. Segundo os dados de 2010, representaram 11, 75% da carga global da doença, logo atrás das doenças cérebro-vasculares e com mais peso do que as doenças oncológicas (10,38%).
O relatório também demonstrou o atraso na criação e dinamização de equipas comunitárias de Saúde Mental, o que determina que a resposta terapêutica continue a ser predominantemente medicamentosa, apesar de, em muitos casos, diferentes alternativas poderem ser mais adequadas. Continua a verificar-se um maior consumo de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos, em comparação com outros países europeus, sendo sobretudo preocupante o uso de ansiolíticos nas perturbações de humor, o que, à partida, poderá significar terapêuticas menos indicadas. Estimulantes do sistema nervoso central são utilizados com frequência em crianças e adolescentes, havendo entre os especialistas sérias dúvidas se o diagnóstico e intervenção terapêutica foram os mais adequados, sobretudo na perturbação de ansiedade com défice de atenção, diagnosticada agora em escolas e centros de saúde sem o necessário rigor.
Muitas dos doentes com perturbação mental tentam recorrer aos médicos de família, que continuam a escassear em muitos locais e nem sempre têm a formação adequada para poderem ter uma intervenção eficaz. Persistem dificuldades de acesso aos serviços de Psiquiatria, com os especialistas muito concentrados nas principais cidades, deixando o interior com escassez de recursos.
No meu comentário a estes dados (...), classifiquei como “dramática” a assistência psiquiátrica a crianças e adolescentes. Em muitos locais, não existe possibilidade de marcar uma consulta de Pedopsiquiatria e as situações ficam em lista de espera ou são atendidas por técnicos sem formação adequada. Quando é necessário internar um adolescente entre os 16 e os 18 anos, o jovem tem de ficar em enfermarias de adultos, onde o contexto não é favorável a uma boa evolução. Nos adolescentes mais novos e nas crianças, existem apenas dez camas de internamento para a zona Norte e dez para a zona Sul, sem que a zona Centro possua qualquer local de internamento para esta faixa etária.
É essencial que os decisores políticos estejam atentos a esta situação. No que diz respeito aos mais novos, está mesmo em questão a possibilidade de prevenirmos uma doença mental grave na idade adulta.
Daniel Sampaio
Fonte: Público
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