A maioria das crianças sente-se entusiasmada para ir para a escola. Para elas, a escola é mais um desafio no seu desenvolvimento, pelo que se sentem instintivamente otimistas e procuram estar motivadas, dominar os conteúdos e participar ativamente. Contudo, cedo descobrem que são avaliadas num ambiente competitivo e que há sempre espaço para melhorias.
O nosso sistema de ensino é ainda, muitas vezes, impulsionado pela promessa de uma recompensa, a ameaça de um castigo ou o desafio da concorrência. Estas fontes de motivação externa podem ser eficazes e bem-intencionadas, no entanto trabalham claramente contra o desenvolvimento contínuo da motivação intrínseca de uma criança. A motivação intrínseca, que leva a criança a participar e a empenhar-se pelo simples prazer de aprender, é logo eclipsada pela promessa de recompensas externas, e o entusiasmo natural da criança para a aprendizagem pode ficar desvigorado.
Quando as crianças apresentam problemas emocionais, comportamentais, sociais, académicos, de desenvolvimento, comprometendo a forma como aprendem, muitas vezes há uma luta interna. No entanto, mesmo estas, que enfrentam estes desafios, nascem com um instinto otimista e com motivação intrínseca. Infelizmente, o nosso sistema de ensino determinou que os estudantes que lutam precisam de um maior grau de motivação externa para se manterem envolvidos em tarefas académicas. No entanto, são exatamente esses alunos cuja motivação intrínseca deve ser nutrida e reforçada. Não sugiro com isto que as notas, recompensas, punições, ou concorrência devam ser banidas do sistema educacional, mas sim que temos de encontrar um equilíbrio entre o uso de recompensas externas e o reforço da motivação intrínseca. A motivação intrínseca impulsiona o autorreforço, o que acreditamos ser a base do sucesso académico, ainda mais importante do que o intelecto, a capacidade e a oportunidade.
Quando uma criança se esforça com este tal instinto otimista e motivação intrínseca, devemos portanto, orientá-la e proporcionar-lhe experiências que irão desenvolver ainda mais essas qualidades. É compreensível que essa criança seja propensa a ver os seus erros como falhas, a fim de evitar desafios académicos. Em última análise, o desenvolvimento de uma abordagem impotente e sem esperança para a escola. É razoável pensar que oferecendo-lhe uma recompensa externa esta fique motivada a envolver-se numa tarefa mais difícil, mas fazê-lo desta forma pode diminuir a sua motivação natural.
O que dizem os estudos na área e que estratégias ajudam as crianças?
Existem muitas maneiras de fortalecer a motivação e o otimismo "inato" das crianças e estas técnicas baseiam-se sobretudo num trabalho na área da resiliência e da motivação. Edward Deci, um psicólogo particularmente conhecido no campo da motivação, numa das suas pesquisas, em vez de se perguntar "Como é que as pessoas podem motivar os outros?", pergunta "Como é que as pessoas podem criar as condições para que os outros se motivem?". Esta é uma distinção importante, pois muda o foco, longe da motivação baseada em recompensas externas e punições, para a motivação intrínseca (ou seja, a motivação com base no que Deci etiqueta como "autenticidade e responsabilidade" e uma sensação de ter escolha). Deci propõe que a motivação intrínseca das pessoas vive em ambientes que atendam às suas necessidades mais importantes, destacando três principais:
- Necessidade de pertença e conexão
- Necessidade de autonomia e autodeterminação
- Necessidade de competência
É importante que os pais, educadores e outros profissionais mantenham estas necessidades em mente e estabeleçam condições que alimentam a motivação e esperança nas suas crianças. Explorando estes núcleos um pouco mais…
Necessidade de pertença e conexão
As crianças e adolescentes vão sentir-se cada vez mais automotivados em ambientes nos quais se sentem bem-vindos e sentem que os adultos se preocupam com eles. Esta necessidade é muito importante nas escolas.
Em casa, é recomendável que os pais definam e reservem, regularmente, um tempo especial a sós com cada um dos seus filhos. Pretende-se que este tempo seja dedicado exclusivamente para o filho e sintonize quaisquer distracções ou interrupções. Quando a criança sente que tem a sua atenção e amor incondicional, é mais provável que seja cooperativa e se sinta motivada.
Necessidade de autonomia e autodeterminação
No cerne da teoria da motivação de Deci estão os conceitos de propriedade e autodeterminação. Se o nosso objetivo for o de criar ambientes em que as crianças sejam automotivadas, então precisamos de ter a certeza de que elas sabem que são ouvidas e respeitadas, e que têm algum controlo sobre o que transparece nas suas vidas. Se as crianças estão constantemente a receber indicações e ordens do que devem fazer e sentir, ficam menos propensas ao entusiasmo e à motivação para se envolverem em tarefas específicas.
A motivação intrínseca é alimentada quando os adultos procuram e respeitam a entrada das próprias crianças e adolescentes. Devemos também dar oportunidades às crianças para fortalecerem a sua resolução de problemas e tomada de decisão. Mesmo que embora, aparentemente, sejam pequenas escolhas, estas fazem a diferença na melhoria da sua automotivação.
Neste processo, devemos proporcionar, às crianças, estratégias de aprendizagem que as permitam desempenhar as suas forças e enfrentar as suas fraquezas. Também se deve explicar que, se uma estratégia não é eficaz, existem outras estratégias alternativas.
Os pais e professores podem promover a autodeterminação e motivação da criança incentivando-a a usar as suas habilidades de resolução de problemas. Tente abster-se de lhe dizer constantemente o que fazer, e opte por incentivá-la a considerar possíveis soluções.
Uma pergunta que muitos pais colocam sobre a motivação é o facto de a criança não conseguir completar os trabalhos de casa e estar ou não motivada para os fazer. Para algumas crianças, isto não tem nada a ver com motivação. Reflete sim, uma desorganização e falta de atenção (problemas que podem ser resolvidos). No entanto, qualquer criança que se esforça na escola, muito provavelmente aborrece-se ao ter que fazer trabalhos escolares adicionais em casa. Para estas crianças, o objetivo de fazer o trabalho de casa é o de ganhar a sua liberdade, ou seja, os seus pais permitirão um conjunto de privilégios (brincar, ver televisão) somente após ter realizado os trabalhos de casa.
Necessidade de competência
Por vezes utilizo a metáfora das "ilhas de competência", na medida em que muitos pais e professores tendem a fixar-se nos problemas a serem corrigidos nas crianças em vez de tenderem a fixar-se nos seus pontos fortes. De facto, todas as crianças têm áreas de força que podem ser uma fonte de orgulho e realização. Enquanto psicóloga, incentivo os pais, professores e outros adultos a identificar e construir os pontos fortes exclusivos de cada criança. Esta tarefa é ainda mais crítica para as crianças que lutam com a aprendizagem e muitas vezes acreditam que falham constantemente e que têm poucos ou nenhuns pontos fortes. Assim sendo, enfatizo perante os leitores, a importância de reforçar "ilhas de competência" como catalisadoras para a automotivação.
Quando na generalidade, as pessoas estão em ambientes em que há pouco ou nenhum reconhecimento dos seus pontos fortes e um foco exagerado nas suas fraquezas, estas são mais propensas a sentirem-se derrotadas. Quando essas emoções negativas dominam, a motivação intrínseca, o optimismo instintivo e o desejo de enfrentar novos desafios acabam por desvanecer.
Como ajudar as crianças a serem bem-sucedidas na escola
Há muitas maneiras de ajudar as crianças a sentirem-se mais competentes. Na escola, os educadores e professores devem assegurar que ensinam os alunos de maneiras em que se pode aprender e ter sucesso, reconhecendo que todos os jovens têm diferentes estilos de aprendizagem.
Foco nas suas áreas de interesse
Como pai, educador ou professor, pode ajudar a criança a sentir-se competente nos seus pontos fortes certificando-se que esta tem oportunidades de se envolver nos seus interesses, seja nas Artes, no Desporto, etc.
Dar oportunidade de ajudar os outros
Outra estratégia para fortalecer as tais “ilhas de competência” e motivação intrínseca é proporcionar às crianças a oportunidade de ajudar os outros. As crianças que se dedicam a contribuir para o bem-estar dos outros experimentam satisfação, sentimentos de competência e um aumento da motivação para prosseguir várias actividades, mesmo aquelas que anteriormente lhes eram difíceis de realizar. Alguns exemplos no ambiente escolar incluem:
- Alunos mais velhos com problemas de aprendizagem ajudarem crianças mais jovens na área leitura
- Crianças mais agitadas a nível psicomotor desempenharem a função de "monitor de atendimento", ou "assistente do professor" ajudando em pequenas tarefas, o que lhes permite queimar o excesso de energia ao mesmo tempo
- Aprendizagem cooperativa em que alunos de diferentes níveis de habilidades trabalham juntos como uma equipa, cada um trazendo vantagens únicas para um projeto.
Uma das abordagens mais abrangentes para ajudar crianças e adolescentes a sentirem-se competentes é diminuir o medo do fracasso. Nas escolas, esse medo pode ser endereçado directamente se os professores iniciarem um diálogo sobre como o medo de errar gera sentimentos de humilhação e impactos negativos na aprendizagem. Um professor pode partilhar as suas próprias experiências de cometer erros como estudante. Pode posteriormente envolver a turma inteira numa atividade de resolução de problemas, perguntando aos seus alunos o que podem fazer enquanto turma para minimizarem o medo do fracasso.
Como pai, pode ajudar o seu filho a tornar-se mais confortável com os erros por não reagir aos mesmos através de observações de julgamento ou comentários depreciativos. Em vez disso, pode usar os erros como, momentos de resolução de problemas que podem ser ensinados, através de um comentário construtivo como "As coisas não funcionaram da forma como gostarias desta vez, mas vamos pensar sobre o que poderás fazer de forma diferente para a próxima”. Quando as crianças sabem que não serão condenadas ou criticadas pelos seus erros, ficam mais optimistas e motivadas assim como mais dispostas a assumir riscos realistas.
Nutrir motivação e otimismo ao longo do tempo
O otimismo instintivo e a motivação intrínseca parecem ser características integrais que impulsionam cada criança para a acção e que podem ser cultivadas (ou prejudicadas) durante toda a infância. Cultivar essas qualidades em algumas crianças necessita de cuidados extra, mas o tempo e a energia gasta pelos adultos desta forma, ajudará a fortalecer o optimismo e a motivação das crianças ao longo do tempo.
Joana Vilar
(Psicóloga)
Fonte: Setúbal na Rede por indicação de Livresco
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