A 12 de março, chegou o anúncio já esperado por muitos: o Governo decidiu encerrar as escolas como medida preventiva contra o novo coronavírus. Com a decisão, chegaram também as dúvidas de pais, alunos e professores. Com o 2.º período a duas semanas do fim e algumas avaliações por concretizar, do que iria depender agora as notas finais dos estudantes? Os representantes sindicais de professores garantem que apenas "um nicho" recorreu aos tradicionais testes durante esta fase de ensino à distância. Mas há quem o tenha feito, o que suscitou críticas de pais e outros docentes, depois de reconhecerem que esta avaliação estava a ser feita com o apoio (invisível aos olhos de qualquer professor) do conhecimento dos pais ou de manuais. "É a mesma lógica dos TPC's. Não é justo se servir para a avaliação principal", diz Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
A situação é familiar a 'António' (nome fictício), de 43 anos. Com um teste marcado para "data posterior ao encerramento das escolas", a professora de História da sua filha de 10 anos, no 5.º ano da margem sul do Tejo, "entrou em contacto com os pais a agendar uma prova online", na ferramenta Google Classroom. Entre as 10:00 e 10:50 daquele dia, toda a turma deveria estar em frente ao ecrã para responder a perguntas de escolha múltipla. Ainda que os dias anteriores tenham sido de "estudo e preparação", "houve ali uma ou outra questão que lhe suscitou dúvidas e ela consultou o livro", admite o pai. No final, a aluna terminou com 100%, resultado comum a outros colegas de turma, "o que não de todo habitual acontecer". "No fundo, isto permite não só que eles consultem os livros, como, no limite, também abre a porta a que sejam os próprios país a responder às perguntas, sem que os alunos estejam sequer em frente ao computador", diz 'António', frisando ainda que o teste era "bastante simples, sem grande grau de dificuldade".
Esta família não sabe ao certo se o teste contabilizou oficialmente para a avaliação final da disciplina, mas a acontecer garante ser "injusto". Em grande parte, admite, por não haver certezas de que o teste chegou a mesmo a todos os alunos. O que prova que a avaliação, nos moldes tradicionais, torna a educação mais desigual, diz o secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE), João Dias da Silva.
"Há famílias e há famílias", quem tenha mais condições para poder acompanhar e "quem não tenha de todo". Nesta altura, "a falta de controlo que os professores têm face à falta de recursos dos alunos faz acentuar ainda mais as desigualdade entre alunos" e "chegar a todos tem de ser o objetivo principal do Ministério [da Educação]".
Testes serão solução para 3.º período?
Nunca um final de 2.º período terminou desta forma, à distância. E "ninguém acreditava" que a comunidade escolar seria capaz de se adaptar, admite Filinto Lima, da ANDAEP. E a nova forma de ensino parece ter vindo para ficar mais uns meses. A cada semana que passa, ganha mais forma a possibilidade de prorrogar a suspensão das atividades letivas presenciais em todos os estabelecimentos de ensino do país - medida anunciada há cerca de três semanas, como forma de combate ao novo coronavírus. Depois de o primeiro-ministro António Costa ter apontado este como o cenário mais provável, esta segunda-feira o ministro da Educação replicou a intenção: "tudo indica que as aulas de 3.º período serão à distância", disse, em declarações à Rádio Renascença.
Certezas só as haverá no dia 9 de abril, data para a qual Tiago Brandão Rodrigues apontou o anúncio oficial da sua decisão. Antes disso, a 7 de abril, "haverá uma reunião" na qual peritos irão dar o seu parece, pondo em cima da mesa "dados no presente e previsões para o futuro", disse o Presidente da República, esta terça-feira, em declarações aos jornalistas. E, para já, o novo decreto presidencial do Estado de Emergência, divulgado esta quarta-feira, abre portas para mudanças no calendário escolar e até académico. "O adiamento ou prolongamento de períodos letivos, o ajustamento de métodos de avaliação e a suspensão ou recalendarização de provas de exame ou da abertura do ano letivo, bem como eventuais ajustes ao modelo de acesso ao ensino superior", pode ler-se.
Na opinião do secretário-geral da FNE, uma coisa é certa: "não podemos dizer que não há mais nada, que vamos arrumar os livros e que o 3.º período acabou". Contudo, caso o cenário de prorrogação se venha a confirmar, ainda é preciso garantir que a aprendizagem e a avaliação chega a todos e da forma mais homogénea possível. Caso não aconteça, a transição letiva para o ano seguinte de cada aluno é posta em causa. Os testes, tal como os conhecemos, devem continuar a existir? A classe docente considera que é preciso olhar para outras formas de avaliação, que já existem mas são regularmente subvalorizadas.
Neste sentido, só a avaliação contínua, adaptada às condições de cada um, permitiria equilibrar o ponto de partida e de chegada de todos os alunos, diz João Dias da Silva. "Temos de nos despir do atual conceito de avaliação", até porque, "no final, aquilo que é mais determinante é se um aluno transita ou não de ano".
A "pressão da avaliação" ainda é "um fator mobilizador para o trabalho", diz o dirigente. Não só na escola, como na restante sociedade: "as pessoas fazem o seu trabalho e esperam que haja uma avaliação, envolvem-se tanto mais quanto mais souberem que há uma avaliação ou um prémio".
Uma opinião partilhada por Filinto Lima, que considera que "o sistema educativo ainda está muito agarrado à avaliação feita com base em testes escritos". "Para professores, pais e alunos. Parece que tem de haver sempre um papel para avaliar. Aliás, num período em que não exista dois testes, os pais reclamam logo pelo segundo", conta. Mas os novos tempos obrigam a novas rotinas de trabalho e, no que toca à educação, essa "certamente" já não será a mesma, pelo menos no decorrer do 3.º período.
"Há muitos instrumentos para avaliar, além dos testes", reforça o dirigente da ANDAEP. Fala da avaliação contínua e qualitativa, "um fator essencial nestes tempos" e a única forma de combater não só facto de o ensino à distância ainda não chegar a todas as casas, mas também aqueles alunos que se fazem acompanhar da ajuda dos pais para responder a exercícios - facilitando os bons resultados.
O Ministério da Educação garantiu, num comunicado enviado às redações, que está a fazer um levantamento dos alunos com falta de recursos para aceder ao ensino à distância. Mas a FNE acusa a tutela de "ignorar o contributo das organizações sindicais", ao fim de alguns pedidos de reunião, "para a construção de soluções de resposta para a difícil situação que o país vive".
Exames nacionais "para setembro"
Não é só a avaliação no decorrer dos períodos que mais tem inquietado a comunidade escolar. Também os exames e provas nacionais continuam a ser uma das maiores incertezas.
A ministra da Saúde, Marta Temido, aponta que o número de casos continue em sentido ascendente, pelo menos, até ao final de abril, apenas a dias do arranque do período de avaliação nacional. O calendário as provas de aferição do ensino básico (2.º, 5.º, 8.º e 9.º anos) e dos exames nacionais dos 11.º e 12.º anos podem estar em risco. Até agora, a tutela não se pronunciou sobre o que será feito neste sentido. Mas a Federação Nacional de Educação (FNE) considera que não há outra forma de proceder senão anular todos os exames e provas nacionais, à exceção dos do ensino secundário, que "devem ser adiados para setembro".
"Entende-se que no presente ano letivo não devem realizar-se nem as provas de aferição, nem os exames de 9º ano, e que os exames de 11º e 12º anos devem ser adiados para setembro, pese embora com consequências para um deslizamento da data de início do próximo ano letivo ou do acesso ao ensino superior", escreve a FNE, num comunicado enviado às redações, esta segunda-feira.
Até então, a única medida anunciada pelo Governo a propósito destas avaliações foi o alargamento do prazo para as inscrições nos exames, até 3 de abril (inicialmente, até 24 de março). Para reduzir as movimentações para o recinto escolar e estando o serviço administrativo das escolas a trabalhar maioritariamente à distância, o Ministério da Educação decidiu alargar o prazo e anunciou um conjunto de ferramentas digitais para o efeito.
Fonte: DN por indicação de Livresco
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