Pelas 12h50 de 12 de março, uma quinta-feira, o governo anunciou o encerramento de todas as escolas em Portugal. Sexta-feira, 13, foi o último dia de aulas presenciais. Nessa altura, o País tinha 78 casos confirmados de Covid-19. Desde então, o número ultrapassou os sete mil. Nesse período, os estabelecimentos de ensino têm tentado adaptar-se à nova realidade, mas as dificuldades — e desigualdades — são muitas.
“Quando percebemos que as férias da Páscoa iam ser antecipadas, sentimos mais preocupação. Na altura, pensávamos que estávamos a tirar os miúdos da escola para os colocar na rua. Ou seja, que eles não iam cumprir o objetivo destas férias antecipadas, o de ficar em casa. Por isso, naquela altura, a minha opinião era que os alunos deviam ir para casa o mais tarde possível”, conta (...)uma professora, que também é coordenadora de diretores de turma, de uma escola básica e secundária de Lisboa e Vale do Tejo.
A docente, que tem quase 30 anos de profissão, recorda que naquela sexta-feira 13 pouco lhes foi dito. A indicação foi apenas uma: iam para casa e aguardavam orientações.
Em entrevista (...), em anonimato, revela que ninguém fazia ideia para aquilo que ia. No entanto, nesse mesmo dia, já à noite, chegou um comunicado da escola onde trabalha com algumas instruções. Entre elas, que os professores deviam ficar em casa, trabalhar a partir de lá, tentar entrar em contacto com os alunos, atribuir tarefas para ocupá-los e preparar os elementos de avaliação.
“Nessa altura, a minha opinião e dos professores com quem falava era geral: a partir do momento em que viéssemos para casa não tínhamos data de regresso marcada.”
Embora, inicialmente, estivesse reticente no que diz respeito a antecipação das férias — o governo anunciou na altura que o encerramento seria apenas até ao final do mês, sem que se pensasse sequer em viver um estado de emergência —, mudou de opinião quando percebeu que seria um processo coordenado.
“Os pais acabaram por ficar em casa e, por isso, os miúdos também. Acabou por ser uma medida positiva, que fez com que não houvesse um aumento de casos tão exponencial como em outros países. Ainda bem que estava enganada”, reconhece.
A necessidade de manter os alunos ocupados e a falta de informação
De acordo com esta professora, fala-se de ensino à distância, mas não estão a ser lecionados novos conteúdos, pelo menos para já, até ordens em contrário. Neste momento, o objetivo é manter os alunos ocupados, consolidar conhecimentos e estar em contacto com eles. Ao mesmo tempo, esta docente tem procurado plataformas que funcionem com todos e que sejam intuitivas.
“O lema tem sido viver um dia de cada vez. Há alunos interessados, outros que pensam que estão de férias. Pais preocupados, outros que nem por isso. E tudo isso vai influenciar o processo de ensino em cada escola”, diz (...).
Ao contrário do que seria de esperar, até ali, nunca receberam nada de muito específico da parte do Ministério da Educação. Entretanto, surgiu um documento com algumas orientações mas que, assegura, estão mais focadas naquilo se vai fazer no terceiro período, caso aconteça. O governo ainda não deu certezas relativamente a este tema.
“A escola também não sabe exatamente o que fazer. O ministério tem pedido muita informação como, por exemplo, a quantificação de alunos que têm computador e ligação à Internet. Acaba por ser um processo lento, e é uma situação nova e muito complicada.”
Sobre aquilo que considera estar a ser o mais difícil até agora, destaca a tarefa de coordenar os professores: “A classe docente está envelhecida, pelo que muitos não têm grandes aptidões informáticas, e isso complica o processo à distância não só com os outros colegas, mas também com os alunos.”
As desigualdades que se começam a notar entre os alunos
A professora e coordenadora de diretores de turma ficou surpreendida com a reação dos alunos, que aceitaram a mudança positivamente. “Eles procuram-nos, falam, até mandam mensagem pelo WhatsApp, e isso demonstra interesse. Também podem estar sozinhos e precisar de orientação”, diz (...). Por outro lado, há alunos que, por mais que a docente os contacte, não dão qualquer sinal, como “se estivessem de férias”.
Embora a maioria dos alunos esteja a colaborar, a docente relembra que alguns não têm equipamentos e outros têm de partilhá-lo com os restantes elementos da família. O computador é um desses exemplos. Também há alunos que têm sinal de Internet fraco e nada conseguem fazer quanto a isso.
“Os pais compreendem esta mudança e até estão a procurar ajuda, mas também não conseguem fazer muito mais. Nem todos podem ir comprar computadores por questões económicas. Outros têm computadores avariados e, neste momento, não têm onde arranjar. É uma situação muito difícil de gerir”, garante.
Sobre a atitude que os pais devem manter neste período de isolamento, a professora fala sobre a importância de manter os filhos ocupados com atividades estimulantes. E mais: que devem ter cuidado para não serem massacrantes.
“O querer que eles façam coisas da escola excessivamente também não é saudável. Os miúdos precisam de ter algumas rotinas, mas não se deve exagerar nesse sentido. É importante conseguir o equilíbrio entre o lazer e o estudo, para não desincentivar os alunos e eles não entrarem em depressão — são jovens e não estão habituados a estar fechados em casa.”
A vida escolar durante (e depois) da pandemia
Nesta altura, fica no ar uma das dúvidas que todos os docentes querem ver esclarecida: se vai haver ou não um terceiro período escolar. Contudo, esta professora julga que não irá acontecer.
“Será sempre um grande risco. Colocar os alunos na escola é pôr a população toda na rua e isso vai fazer-nos regredir. A medida que deve ser tomada é manter a contenção e o estado de emergência o mais possível”, conta.
Se o objetivo for realizar aulas à distância, alerta que terá de ser feito de outra forma, com diretrizes muito bem definidas.
“Não se pode passar de um ensino presencial para um ensino à distância num abrir e fechar de olhos. É muito diferente tanto para os alunos como para os professores — e ninguém está preparado para isso. Talvez, a partir daqui, os professores comecem a pensar em métodos e também em como ensinar os alunos para o uso destas técnicas. Mas nunca poderá ser feito de um dia para o outro. Quanto às avaliações do segundo período, podem haver ainda alguns ajustes, já que as avaliações não foram pensadas como as finais. É um mistério ainda.”
Em 29 anos de profissão, e desde a sua infância, garante que nunca passou por nada idêntico. Porém, não tem dúvidas de que, após esta pandemia, toda a gente vai aprender a valorizar o que se tinha como garantido.
“Depois disto, acho que até os próprios alunos vão valorizar mais a escola. Que sirva para haver também um plano para situações adversas e estarmos preparados para lidar com elas.”
Fonte: NiT por indicação de Livresco
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