Luana tem 14 anos e as últimas semanas obrigaram-na a alterar toda a rotina de aprendizagem. No 8.º ano de escolaridade, a jovem estudante de Famalicão, à semelhança de milhares de outros alunos em todo o país, viu substituída a sala de aula pela sala de casa. Os professores da E.B. Conde de Arnoso falam agora pelas redes sociais, os exercícios chegam por e-mail e as dúvidas são tiradas todas através da Internet.
O coronavírus chegou sem avisar, mas mais não fez do que acelerar os processos de digitalização dos mais jovens. “Há já algum tempo que uso as redes sociais para tirar dúvidas depois das aulas com os meus amigos. Agora, como estamos em casa, é a única forma de mantermos o contacto também com os professores. Recebemos os exercícios por e-mail e há mesmo aulas online", explica. Para a mãe, também em casa, é um processo natural e positivo: “É a melhor forma de continuarem a aprendizagem nestes tempos de incerteza. No fundo, são ferramentas de trabalho que complementam o que já existia”, sublinha a progenitora.
“Nesta situação, elas [as novas tecnologias de informação] tornam-se quase exclusivas. Numa altura em que estamos confinados às nossas casas, essa é a solução”, aponta (...) Maria José Brites, professora na Universidade Lusófona e investigadora do CICANT - Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologia. “Através destas ferramentas podemos ir às fontes originais, visitar museus, quando não podemos ir lá ao sítio, enfim, as vantagens são diversificadas”, reforça a especialista em literacia mediática.
Também Cristina Rebordão, pedopsiquiatra no departamento de pediatria do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, encara o surto de coronavírus e as consequentes alterações nas rotinas de aprendizagem como “uma oportunidade para estimular o desenvolvimento de novas abordagens no ensino”. “Permite uma redescoberta por toda a comunidade de uma escola mais actual, mais próxima e rica”, defende a médica, que vai mais longe: “Mais do que dar a matéria, é promover o desenvolvimento de competências transversais de pesquisa, de análise, de expressão de emoções, que até vai ao encontro do desenho do perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória.”
Potenciar a criatividade através da Internet com o acompanhamento dos pais
Mas não é de agora que as redes sociais são usadas por alunos e professores no apoio ao ensino. “Hoje em dia, muitos alunos têm canais no YouTube e usam, sobretudo, o Instagram, o WhatsApp ou o TikTok”, lembra Teresa Pombo, professora no Agrupamento de Escolas Carlos Gargaté, na Charneca da Caparica, Almada.
Também da parte dos docentes, as novas ferramentas de tecnologia, utilizadas fora da sala de aula, têm ganho popularidade. Há tecnologias educativas que, “adoptando um formato rede social, permitem a colaboração fora das quatro paredes”, como o Edmodo ou a Google Classroom, ou outras, como o ClassTools.net, que, “mais criativas, deixam criar um perfil “tipo Facebook” para uma personagem literária ou histórica, por exemplo”. “Outras ferramentas digitais permitem ainda a criação de Roteiros Digitais de Leitura que orientam o aluno numa leitura da obra, a partir dos momentos da narrativa que referem determinados espaços”, acrescenta a professora que integrou a equipa do Plano Nacional de Leitura 2027.
Trata-se de uma aprendizagem que, segundo Maria José Brites, também ajuda os professores a desenvolverem novas competências. “Muitas vezes os lugares invertem-se e os professores passam a aprendizes e os aprendizes a professores. Há uma maior partilha. Os alunos também podem usar, e usam, as redes sociais como espaço de partilha relacionado com aulas”, explica a especialista.
Neste cada vez menos novo contexto, o esforço não pode apenas ser exigido aos alunos e professores. “Os pais devem estar tão presentes no digital, como no presencial. Devem saber exactamente o que vai ser pedido pelo docente e como. Devem saber que os equipamentos tecnológicos vão ser usados para aprender e não apenas para entretenimento”, sublinha Teresa Pombo. “Os pais devem tentar criar espaços físicos e de tempo claros e definidos, distintos dos tempos de lazer. Tentar diminuir o excesso de estímulos – secretárias limpas, reduzidas ao essencial – e ajudar a gerir a motivação”, aconselha também a pedopsiquiatra Cristina Rebordão.
Da sala de aula para a rede. As contas que ensinam matemática e português
De acordo com a Forbes, Wuant, Windoh e Angie Costa são os três youtubers mais influentes em Portugal. Mas, a plataforma é também lugar de conteúdos destinados à aprendizagem. E é neste universo que surgem outros nomes. Entre os canais populares com conteúdos didácticos está o Help2Learn. Com mais de 400 seguidores, a conta, da responsabilidade de Tiago Dominguez, de 22 anos, tem vídeos com explicações animadas de conteúdos literários ou dos programas de Filosofia, muitos deles com mais de três mil visualizações.
O resumo da obra Os Maias, com a duração de 13 minutos, é a prova da adesão que este tipo de conteúdos tem junto da comunidade estudantil. “Enquanto os meus amigos estavam na praia, no Verão de 2019, eu dediquei-me a ler Os Maias de novo com minuciosa atenção e a elaborar o melhor e mais divertido resumo possível. Foi o primeiro projecto que fiz para este canal”, explica Tiago, também ele estudante de licenciatura em Management no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). “O vídeo tem neste momento quase 10.000 visualizações no total e conta com mais de 400 likes e comentários positivos, o que significa que facilitou a vida a vários alunos. Por isso, valeu 100% a pena. Tenciono fazer o mesmo com o Memorial do Convento ainda este ano”, projecta.
Ainda assim, e apesar da popularidade dos vídeos que realiza, Tiago não considera que o material que disponibiliza no YouTube, e também noutras plataformas como o Patreon – onde pode receber uma mensalidade de 6 euros paga por quem quiser ser um patrono –, possa substituir os métodos de ensino tradicionais. O objectivo, depois de perceber que os “tópicos mais complexos podem ser apresentados através de vídeos animados, curtos, simples e divertidos”, passa por complementar o material já usado. “O que alimentou essa característica em mim foi a sorte que tive em ter encontrado alguns bons professores ao longo do meu percurso escolar. Professores que tornaram o aprender divertido, como aprender deve ser sempre”, recorda.
Para Inês Guimarães, nome por detrás do canal MathGurl, a paixão pela matemática foi o principal mote do canal que, até Agosto de 2019, juntou mais de 80 mil subscritores. “Decidi fazer matemática de uma forma diferente, direccionada para as pessoas, com o objectivo de lhes passar algumas ideias e conhecimentos que tinha adquirido ao longo do tempo”, explica a agora estudante do 1.º ano do mestrado em Matemática na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, com 21 anos. “O meu objectivo era conseguir chegar à maior parte das pessoas e, acima de tudo, queria que elas se divertissem. Se aprendessem alguma coisa pelo meio, ainda melhor. Senão, pelo menos ajudava a derrubar a ideia de que a matemática é uma seca ou um bicho-papão”, revela.
Entre as vantagens deste tipo de conteúdos, a jovem salienta a oportunidade que dá para os utilizadores “aprenderem os conteúdos que quiserem, quando quiserem e como quiserem”. Além disso, quem “não entender alguma parte do vídeo, pode voltar atrás e ver de novo”. “Há muito mais liberdade do que numa sala de aula convencional, em que o ritmo tem de ser imposto pelo professor”, defende.
E quando são os alunos as estrelas da rede?
No emaranhado na rede há também projectos que colocam os mais novos do outro lado do ecrã. A Ícaro TV é um canal no YouTube dinamizado pelos alunos do 1.º ciclo do Agrupamento de Escolas de Gondifelos, em Famalicão. No ar há dez anos, o canal pretende “aumentar a visibilidade dos trabalhos dos alunos junto da comunidade educativa e desenvolver a [sua] capacidade de comunicação”, explica (...) Pedro Dias, professor na escola e um dos dinamizadores do canal que também tem presença no MEO Kanal.
Visitas de estudo, músicas ou actividades de leitura são os vídeos mais populares. Muitos deles com mais de mil visualizações são narrados pelas próprias crianças. “Sempre que há uma saída, uma actividade diferente ou algo que as crianças queiram mostrar, elas são as primeiras a propor a criação de vídeos para partilhar na comunidade”, descreve o docente, que recorda “a grande desconfiança por parte dos pais” no início do projecto. “Actualmente os pais sentem-se orgulhosos pelo trabalho dos seus filhos, sendo aqueles que mais partilham nas redes sociais os trabalhos dos alunos”, explica.
Fonte: Público por indicação de Livresco
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