Rita Cordovil, Frederico Lopes e Carlos Neto, da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) da Universidade de Lisboa, realizaram o primeiro estudo sobre mobilidade das crianças portuguesas. Concluem que o medo dos riscos serviu para tirar autonomia em vez de promover cidades mais seguras. E que há países que já pensam diferente.
Que receios impedem maior independência?
O trânsito parece ser a principal preocupação, assim como o medo do comportamento de adultos desconhecidos (assaltos ou raptos). Com estes receios, os pais optam por diminuir a autonomia em vez de exigir medidas e esforços que promovam um ambiente seguro e confiante para as crianças viverem de forma autónoma. A confiança dada à criança para ser mais autónoma baixou drasticamente nas últimas décadas. É preciso com urgência virar este ciclo a bem da sua saúde física e mental.
As famílias valorizam mais a segurança do que a saúde?
O problema é que os benefícios que advêm de maior independência são mais difíceis de quantificar que os riscos. É fácil saber quantos atropelamentos há no caminho para a escola mas é difícil quantificar os benefícios a nível de desenvolvimento. A mobilidade activa das crianças aumenta as suas possibilidades de consciência e representação mental do espaço em que vivem. É vital para um corpo culto, empreendedor e com sentido crítico.
Um das vossas ideias é que é preciso retirar o perigo da rua e não as crianças. Como?
A criação de caminhos seguros para a escola, com espaço para as crianças que não seja ocupado por carros, é muito importante. É fundamental repensar a cidade: da política de habitação ao trânsito rodoviário, planeamento urbano, espaços verdes, rede de equipamentos lúdicos, ruas fechadas ao trânsito e zonas pedonais adequadas. E as crianças têm direito a participar nesse processo.
Defendem que a independência de mobilidade devia ser um indicador de qualidade de vida das cidades. Porquê?
Cidades onde a autonomia das crianças é promovida terão no futuro jovens mais activos, empreendedores e resilientes. Todos os animais necessitam na infância de brincar. No ser humano a infância é mais prolongada e a confrontação em jogos de movimento e exploração do ambiente é vital.
A falta de independência está a deixar marcas nos jovens?
Estudos demonstram que a falta de confrontação com o risco e de brincar nos espaços exteriores apresentam efeitos nefastos nas capacidades motoras e aptidão física, na relação social, na construção da personalidade e até no sucesso escolar. Uma infância muito protegida cria adolescentes inseguros e vulneráveis. Debater este assunto é urgente sob pena de estarmos a criar situações graves de iliteracia ou analfabetismo motor e a promover um sedentarismo com enormes custos para a saúde pública. Há também implicações na qualidade da relação entre pais e crianças. Os pais hoje passam muito mais tempo que os das gerações anteriores a vigiar e transportar os filhos em vez de a viver a cidade.
O que explica a conclusão internacional de que as crianças nórdicas têm mais autonomia?
O valor lúdico, o nível de risco e a confrontação com a natureza são valorizados como oportunidades para os filhos crescerem com capacidade para resolver problemas. Além disso, há uma cultura de solidariedade na supervisão das crianças no espaço público. Os autores referem que o facto de ambos os pais trabalharem os forçou a criar uma cultura de autonomia das crianças. Em Portugal também é frequente os dois trabalharem, mas os pais parecem preferir superprotegê-las.
A partir de que idade é que uma criança deve ir sozinha para escola?
Depende da criança e do contexto. Se a criança for educada para a autonomia e se as condições envolventes assim o permitirem, será expectável que durante o primeiro ciclo adquira as condições motoras, perceptivas, psicológicas, emocionais e sociais para se deslocar de forma autónoma. É normal os pais acompanharem os primeiros trajectos mas, na maior parte dos casos, rapidamente podem começar a ir sozinhas ou com amigos.
In: I online
Sem comentários:
Enviar um comentário