sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Unidades de autismo do Porto com "falhas graves"

Um grupo de pais da Área Metropolitana do Porto queixa-se da escassez de recursos das unidades de autismo. No início do ano lectivo, a associação que dava apoio a estas estruturas renunciou ao contrato, alegadamente por cortes de verbas. A DREN encontra-se a monitorizar o projecto no terreno e rejeita as limitações financeiras.
Em Dezembro de 2008, um grupo de pais de unidades de autismo da Área Metropolitana do Porto enviou uma carta aberta à Direcção-Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), queixando-se da escassez de recursos humanos e apoios educativos destas unidades. A Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) garante que "as situações são corrigidas à medida que se vão identificando".
Fernando Azevedo, pai de um menino de 7 anos com autismo, começa por avançar o que se tornou um lugar comum entre os pais contactados pelo EDUCARE.PT: "Em papel, a legislação para a educação especial está quase perfeita". No terreno, a Unidade de Ensino Estruturado (UEE) da Triana Santegãos - em Gondomar, onde se integra a EB1 da Boucinha -, na opinião de Fernando, funciona de uma forma deficiente. "Temos apenas 45 minutos quinzenais de terapia da fala e apoio psicológico", adianta.
Os encarregados de educação denunciam "diversas falhas, consideradas graves". Por exemplo: "A EB1 da Maia tem 10 alunos para três professores, numa sala estruturada para apenas seis alunos." Além disso, assinalam, na terapia da fala, "o apoio quinzenal ou semanal de 30 minutos", na psicologia, "terapias durante o período de aulas das crianças", na psicomotricidade "ausência de apoios individuais ou 30 minutos semanais".
As UEE para alunos com Perturbações do Autismo (PEA) são uma novidade da actual legislação, embora, na prática, muitas destas estruturas já existissem antes do Decreto-Lei n.º 3/2008, que entrou em vigor em Janeiro do ano passado. Segundo declarou ao EDUCARE.PT Conceição Menino, coordenadora do Gabinete de Acompanhamento à Educação Especial da DREN, "na região Norte existem mais 10 a 12 unidades", o que corresponde a um reforço de 260 mil euros. Ao todo, para 2008/2009, a DREN dispõe de um milhão de euros. À Direcção Regional cabe gerir os recursos, sendo que às escolas cumpre sinalizar as Necessidades Educativas Especiais (NEE).
"O sistema pode funcionar"
Entre umas e outras competências, na perspectiva de Sofia (nome fictício), algo se perde pelo caminho. "O que eu sinto é que, mesmo que haja boa vontade a nível superior, há pouco envolvimento e esforço da parte dos agrupamentos", confessou esta mãe de uma criança autista, que pede o anonimato para revelar a opinião.
Quando Irene Barreira temia que o filho recebesse mal a novidade de mudar de escola, tudo se conjugou para a solução perfeita. Em vez de deixar a EB1 da Praia, em Leça da Palmeira, esta mãe encontrou abertura suficiente para ter António na mesma unidade do ensino regular, enquanto faz o apoio individualizado na unidade de Santa Cruz do Bispo, também no concelho de Matosinhos. É certo que Irene continua a pedir "mais verbas e mais supervisão da DREN nas unidades". Como argumenta, "se uma terapeuta tem 80 crianças numa semana, é impossível fazer reuniões de avaliação e cruzar resultados entre colegas". No entanto, a sua experiência diz-lhe que, "afinal, o sistema pode funcionar, as boas vontades das pessoas é que nem sempre funcionam".
A mudança de ano lectivo traduziu-se em preocupação para Maria (nome fictício). Até aqui, o filho, que frequenta o estabelecimento de ensino do 1.º ciclo do Bom Sucesso, no Porto, beneficiava de uma hora por semana de terapia da fala, quando no início do ano lectivo esta emagreceu 30 minutos. "O que é meia hora de terapia da fala?", questiona. Também no Agrupamento de Escolas de Valadares, em Vila Nova de Gaia, o filho de Luís Ramos (que frequenta a EB1 de Lagos) recomeçou a escola com 30 minutos semanais de terapia da fala. "Em meia hora, o meu filho mal consegue chegar, sentar e estabilizar", afirma.
"Número de técnicos é igual"
"Se compararmos este ano com o anterior, vemos que o número de técnicos é igual", defende Conceição Menino. Para a coordenadora, tudo se baseia nas necessidades específicas de cada criança. "Temos unidades com sete alunos e três professores, como outras com sete alunos e dois professores, dependendo das necessidades em questão", explica. "Para a DREN, trata-se de um processo administrativo", comenta Luís Ramos, que, em Dezembro, ainda não tinha o Programa Educativo Individual do seu filho aprovado.
Embora a Direcção Regional rejeite a existência de restrições orçamentais, este é um factor que os pais referem sistematicamente. Em Setembro, a AICI (Associação para a Integração de Crianças Inadaptadas) rompeu o protocolo com o Estado, alegadamente, "porque esta associação estava a sofrer muitos cortes", afirma Sofia. No mesmo sentido, Luís Ramos cita exemplos: "Estrangularam [financeiramente] a balneoterapia, que com a mudança da associação foi extinta". Segundo revela este pai, "no ano lectivo de 2008/2009 houve um corte de 25% na verba atribuída pela DREN à AICI". Conceição Menino diz desconhecer os motivos que levaram ao rompimento do protocolo, mas afasta a questão monetária. "Suponho que não [se deve a cortes nas verbas], porque os financiamentos foram muito superiores e os agrupamentos tiveram reforço financeiro".
Os pais reclamam, ainda, da "instabilidade do pessoal e falta de auxiliares". Fernando Azevedo declara que, na Boucinha, "as auxiliares não têm formação em autismo". Luís Ramos aponta a mesma falha em Lagos. "Todo o trabalho com o meu filho está a ir por água abaixo, porque não há uma passagem de testemunho", conclui. "Tentámos, sempre que possível, manter os técnicos e arranjar outros com formação na área", responde Conceição Menino, manifestando confiança no trabalho do Instituto São Manuel, que "dá garantias de sucesso do projecto".
Unidade de multideficiência no caminho "ideal"
Há 10 anos (tantos quantos tem a sua filha) que Rui Silva, presidente da Direcção da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola do 1.º ciclo e Jardim de Infância de Lagos (APELA) decifra o vocabulário da educação especial. Inserida numa unidade de apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência, a menina de Rui "só pode andar apoiada e tem que ter acompanhamento personalizado". Para este pai, a nova legislação foi uma bênção: "Nós gostamos deste modelo, queremos as nossas crianças junto de outras, no ensino regular e com apoio individualizado."
A unidade de Lagos para a multideficiência tem sido apoiada pela Cercigaia e, na opinião de Rui, "este ano está a caminhar para o ideal". O que não o impede de desejar um maior patamar de qualidade. "Necessitamos de equipamentos técnicos especializados na área das tecnologias, que estão para chegar", enuncia.
Sendo a actual legislação muito específica nas necessidades a atender (autismo, multideficiência, educação bilingue de alunos surdos, cegos e com baixa visão), é omissa relativamente às NEE que não encaixam nestes parâmetros, como a dislexia ou a hiperactividade. "Há muitas crianças que, possivelmente, não estão abrangidas pelos apoios e ninguém tem a noção do número dos que padecem de outras necessidades", comenta Rui Silva. "Eu já quase que dou graças a deus por o meu filho ser autista", ironiza Irene Barreira.
Comentário:
Bem... cada qual tire as suas conclusões!! Pelo que conheço, de agrupamentos vizinhos, as unidades não estão a funcionar correctamente, nem sequer possuem os técnicos necessários, identificados no processo da sua criação! Mas enfim, aguardemos pela avaliação relativa à implementação da CIF!

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