Nos divórcios litigiosos, a decisão dos tribunais sobre a regulação das responsabilidades parentais costuma ser bem difícil.
Costumo dizer que todas as crianças deveriam ter sempre um pai e uma mãe, disponíveis para o amor firme, essencial ao seu desenvolvimento. Não se pode educar bem sem afeto, sedimentado numa relação íntima e prolongada que caracteriza as famílias saudáveis. E só se educa com êxito se conseguirmos, através de um relacionamento permanente ao longo do desenvolvimento, traçar limites ao que os filhos nos pedem, tendo sempre em atenção que concordar com tudo acabará, no futuro, por se tornar uma espécie de maus tratos (pelo poder excessivo que uma criança terá na família, ao tornar-se um ser omnipotente).
Infelizmente, o divórcio é uma dura realidade dos dias de hoje. A partir da segunda metade do século XX, a instabilidade é uma das características da relação conjugal, por isso muitas crianças e adolescentes dos nossos tempos se veem perante a rutura do casamento dos seus pais. Para além da perda que significa o fim de uma família unida, muitas vezes serão confrontados com decisões cruciais para o seu futuro, sobretudo quando estiver em causa com quem irão viver e como será repartido o tempo com os dois progenitores.
Quem contacta com esta realidade conhece histórias terríveis. Durante anos, um dos progenitores (com mais frequência o pai) pode ser privado de conviver com os seus filhos, sem que as acusações de que foi alvo, por parte do ex-cônjuge, tenham sido provadas. Noutras situações, uma decisão pouco fundamentada (ou não cumprida) de guarda partilhada envolve as crianças num conflito sem fim, que se arrasta nos tribunais durante muito tempo. A decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais deveria ser conseguida pelo diálogo entre os pais, com recurso à mediação familiar quando necessário, de modo a preservar os filhos da contenda, que muitas vezes não é mais do que um jogo relacional sem fim entre duas pessoas que outrora se amaram.
No meu livro O Tribunal É o Réu, chamo a atenção para um facto, tornado indesmentível pela investigação de muitos anos: o conflito mantido entre os pais é o principal fator responsável pelas perturbações físicas e psicológicas que ocorrem nas crianças, nas situações de divórcio litigioso. Infelizmente, os tribunais de família contribuem, por demora na decisão ou por sentenças mal fundamentadas, para a manutenção ou mesmo agravamento desse conflito, com as consequências negativas para os filhos.
Foi por certo baseado nesta realidade que se introduziram recentes alterações na legislação destas matérias. As mudanças na organização familiar, a grande percentagem de incumprimentos, os sucessivos recursos para tribunais superiores e, sobretudo, a noção de que as crianças são as principais lesadas, determinaram mudanças na lei. Destaco, como positivas, o reconhecimento dado aos padrastos e madrastas, embora essa avaliação seja por vezes bem difícil. Não quero deixar de assinalar, contudo, a minha discordância com o facto de os avós terem sido relegados para uma espécie de segundo plano. A verdade é que os avós são, na maioria dos casos, a garantia da estabilidade emocional das crianças na situação de divórcio, ao assegurarem a continuidade de um espaço emocional, na família ameaçada de ruptura.
Sem dúvida que os avós foram um pouco esquecidos, o que é de lamentar.
Daniel Sampaio
Fonte: Público
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