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As crianças gostam de brincar e de fazer exercício e são eficazes nisso, tal como se espera que sejam por ser tão fundamental. Porém para algumas não é assim. Existem aquelas que por impossível que possa parecer não gostam de Educação Física, ou até gostam mas são mesmo muito pouco eficientes. Cada vez nos chegam mais pais com estas queixas, que há alguns anos atrás pareceriam absurdas: “Doutora ele é bom a tudo mas tem negativa a Educação Física e a EVT”, ou “Acredita que ele faz birra cada vez que vai para a Ginástica?”.
Quando falamos com os pais vemos que a estória é mais antiga do que parecia. Começou a andar tarde, sempre foi muito trapalhão e propício a acidentes, sempre teve pouco à vontade com as brincadeiras mais dependentes da destreza motora, os desenhos eram piores que os dos colegas e recortar não era com ele. Na entrada para a escola aprendeu com facilidade todas as matérias, mas a letra é difícil de ler, não é bom nas artes plásticas e está sempre a ter acidentes. Às vezes parece não haver um dia que chegue limpo a casa. As brincadeiras que envolvam fazer movimentos rápidos, brincar com bolas ou equilibrar-se são especialmente difíceis. Parece uma criança inteligente e curiosa mas tem uma dificuldade atroz na coordenação motora. Atenção pais, podemos estar perante uma Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação Motora.
Este diagnóstico só deve ser feito em idade escolar e a investigação sugere-nos com maior frequência uma prevalência de 5% a 6% na população, mas devemos estar atentos e encaminhar para avaliação em psicomotricidade caso estas dificuldades tenham impacto no quotidiano.
Repare que na infância a maioria das brincadeiras têm que ver com experiências motoras, se o seu filho à partida tem uma dificuldade acentuada em fazê-lo pode levar também a comprometimentos na relação com os colegas. Recordo um menino que há uns tempos me disse: “Eu não sei brincar”, com um ar muito desiludido. Se um menino não gosta de jogar futebol no recreio tem necessariamente dificuldades na coordenação motora? Não. Dificuldades em compreender o que o rodeia ou em estar atento ao meio podem ser igualmente impeditivos, bem como o próprio meio social, cultural e físico pode propiciar ou inibir o aparecimento destas características. Claro está que nós raramente gostamos de fazer coisas em que não somos bons, actualmente sabemos que existe uma probabilidade maior destas crianças se tornarem adultos sedentários, o que pode trazer problemas de saúde associados como por exemplo a obesidade.
Um estudo da Pick, Bradbury, Elsley & Tate (2008) refere inclusive que estas crianças começam a ter um baixo autoconceito ainda na pré-escola e que algumas demonstram dificuldades na gestão da ansiedade desde então.
No dia-a-dia surgem coisas simples que podemos fazer com os nossos filhos para os ajudar num desenvolvimento psicomotor saudável: incentive-o a praticar atividade física, principalmente pela diversão, não pela competição; vá com ele a parques ou sítios onde possa correr e brincar com outras crianças de forma espontânea; faça programas familiares que promovam o gosto pela atividade física, caso ele não goste tente entusiasmá-lo por outros motivos, por exemplo fazer uma caminhada para ver os animais ou as plantas do pinhal; incentive-o a construir, rasgar, moldar, cortar, montar coisas progressivamente mais complexas, por exemplo cada vez com mais pormenores ou mais pequenas; inclua-o em actividades quotidianas que envolvam tarefas de motricidade global ou fina, como por exemplo cozinhar.
Termino citando o Professor Carlos Neto (s.d.), no artigo “Jogo na criança e desenvolvimento psicomotor”: “actividades (motoras) apresentam um significado profundo em termos de necessidades biológicas e sociais, sendo realizadas habitualmente (dependendo da ambivalência do comportamento dos adultos) com grande prazer e entusiasmo. A atitude lúdica associada ao desenrolar destas atividades motoras, conferem a exercitação da função e sentido de intencionalidade, que, sendo imediatas, permitem ao ser humano uma relativa e confortável capacidade de adaptação ao longo da vida em relação aos desafios do seu envolvimento físico e social.” Lembrando o início deste texto recordo que se não houver experiência não há aprendizagem, por isso lanço-vos um desafio: “Vamos brincar?”.
Cátia Sacadura
Psicomotricista, CADIn
Fonte: Público por indicação de Livresco
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