“Corrupção e branqueamento de capitais! Foi por isso que ele foi preso.” Esta podia muito bem ser uma conversa de gente grande, mas não é. São miúdos, têm entre 10 e 11 anos e uma clarividência no discurso que espanta graúdos. Falavam de Sócrates e, claro, do homem que foi entregar uma pizza ao ex-primeiro-ministro. E riam-se do episódio.
As aulas no Colégio Oriente, em Lisboa, ainda não começaram mas pela azáfama até parece que sim. Era dia de reuniões com os pais e de afinar o regresso às aulas que é já na segunda-feira. “Mas no primeiro dia vai ser só atividades”, contam com entusiasmo de quem está desejoso de voltar a ver os amigos depois do longo período de férias.
Aliás, a brincadeira é um aspeto que qualquer escola jamais poderia descurar. “É fundamental para extravasar energia e para fomentar laços entre as crianças”, explica a diretora Sónia Lopes que nos encaminha para uma sala de aulas, ainda sem alunos, mas com professoras prontas para receber os pais nas carteiras, já organizadas alfabeticamente com o nome de cada criança. Para as duas professoras do 1.º ciclo, o recreio serve para preencher uma grande lacuna que advém do facto de hoje em dia as crianças passarem cada vez mais tempo fechadas em casa, menos acompanhadas e mais isoladas. O convívio na escola é por isso indispensável e a grande oportunidade, por vezes a única, para estarem com os amigos.
Na escola pública EBI de São Bruno, em Caxias, a brincadeira também é para ser levada a sério, até porque em casa o “descer as escadas e brincar com os amigos acontece cada vez menos”, considera a diretora Isabel Lourenço. “Organizamos os nossos horários de recreio com tempo suficiente (meia hora de manhã e uma hora de almoço) para socializar e brincar. Sentimos que para haver sucesso escolar, são precisas pausas com qualidade – tempos livres e tempos de socialização entre grupos”, acrescenta.
Os benefícios dos intervalos são mais que muitos. São necessários para reabastecer os níveis de concentração, porque ao fim de 1h30 existe uma quebra no rendimento escolar das crianças. Ajuda na construção da personalidade, na socialização, no saber gerir os conflitos e as emoções. E isso depois nota-se nas aulas e na união de todos enquanto turma, sublinham as professoras do Colégio Oriente, que veem nas brincadeiras de hoje semelhanças com as da sua própria infância. “As ladainhas são as mesmas, com uma ou outra inovação pelo meio.”
Energia não lhes falta e desengane-se quem pensa que a maioria destas crianças brinca com telemóveis e tablets. “Isso é irritante”, justificam quase em uníssono o grupo de cinco amigos com quem conversámos no pátio. “Depois perdemos, e é chato.” É certo que há colegas que o fazem, mas para os cinco, as pausas são mesmo para brincar uns com os outros ao “pisca”, ao “polícia e ladrão”, ao “tubarão”, ao “crocodilo”, ou jogar às cartas. “Também gostamos de dar voltas ao colégio a conversar. Conversamos muito”, reforça a mais baixinha, a menina que já foi cara de publicidades várias (até para um anúncio de um banco do qual não se lembra o nome) mas que não gosta de aparecer. Impõe-nos uma condição: “Posso não dar o meu nome? É que sou muito anti-social.” Os amigos tentam demovê-la mas a colega é de ideias fixas.
Tecnologia vs. actividade física
No Colégio Oriente, os aparelhos tecnológicos são proibidos a alunos do 1.º ciclo. Os restantes, dos 2.º e 3.º ciclos, podem usar mas com moderação. Se as auxiliares repararem que estão demasiado tempo “agarrados” aos telemóveis e tablets, têm instruções para lhes recomendarem ir fazer qualquer coisa diferente. Alguns seguem regras impostas pelos pais: “Eu só posso jogar [Playstation Vita] durante uma hora e três quartos”, atira um miúdo sentado numa mesa redonda. Ao lado, outros dois rapazes fazem um “braço de ferro” – coisa de homens. Tão intemporal quanto o jogar à apanhada ou às escondidas. Nada disso passou de moda, mas não podemos negar que a tecnologia veio para ficar e conquista cada vez mais os mais novos.
No Colégio Oriente, os aparelhos tecnológicos são proibidos a alunos do 1.º ciclo. Os restantes, dos 2.º e 3.º ciclos, podem usar mas com moderação. Se as auxiliares repararem que estão demasiado tempo “agarrados” aos telemóveis e tablets, têm instruções para lhes recomendarem ir fazer qualquer coisa diferente. Alguns seguem regras impostas pelos pais: “Eu só posso jogar [Playstation Vita] durante uma hora e três quartos”, atira um miúdo sentado numa mesa redonda. Ao lado, outros dois rapazes fazem um “braço de ferro” – coisa de homens. Tão intemporal quanto o jogar à apanhada ou às escondidas. Nada disso passou de moda, mas não podemos negar que a tecnologia veio para ficar e conquista cada vez mais os mais novos.
No agrupamento de escolas de Caxias ninguém está proibido de usar tecnologia no recreio. Isabel Lourenço diz que embora se aconselhe as crianças a não trazerem jogos e telemóveis, nos intervalos não podem impedir que estejam a usá-los ou para ouvir música ou até para mandar mensagens aos outros quando estão no mesmo espaço.
Há uma preocupação, de ambas as escolas, em manter as crianças ativas. Na EBI de São Bruno, por exemplo, há dias marcados no calendário em que as crianças são motivadas a darem 10 mil passos à volta da escola – é o dia da escola ativa. “Há uma noção de que é importante estimular a parte motora, a caminhada e a corrida”, justifica a diretora.
Ainda sabem brincar? Não faltam teorias e estudos alarmistas que apontam no sentido de as crianças já não saberem brincar. Não foi o que vimos nas duas escolas que visitámos e as responsáveis confirmam que sim, as crianças sabem brincar, caso contrário não seriam crianças. Isabel Lourenço, da escola de Caxias, continua a acreditar que ser criança é desfrutar de tudo aquilo que a noção de brincar envolve. “Não é viver só no mundo dos adultos ou rodeados de tecnologias.”
A hora do recreio funciona da mesma maneira em ambas as escolas. Há espaços para jogar à bola, muitos locais para brincar ao ar livre e o que cada um decide fazer durante esse período é totalmente espontâneo. No entanto, há sempre supervisão de auxiliares para garantir que as crianças não arriscam demasiado nas brincadeiras e para apaziguar situações de conflito.
O nível de liberdade que os pais conferem a cada criança é variável. Isabel Lourenço constata que há pais que deveriam ser mais ativos e presentes na vida escolar e na ligação da escola à família. E outros, em maior número, que são exatamente o oposto: demasiado protetores. Estes, refere a diretora, revelam tanta ansiedade e exigem tanto do desempenho dos filhos, que os sobrecarregam com outras atividade e acabam por não lhes dar “asas para voar”.
Para prevenir que os pais mais protetores peçam satisfações sobre qualquer incidente ou arranhão provocado na escola, a EBI de São Bruno tem como política informar os pais para que fiquem mais tranquilos. Muitos estão a ser criados numa redoma, critica ainda a responsável, que é da opinião que “faz bem esfolar um joelho de vez em quando”. “Mas temos de entender que a sociedade mudou de tal forma que mudaram as mentalidades e não podemos lutar contra isso”, remata.
Fonte: Jornal I por indicação de Livresco
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