No seu artigo A Educação deu à Costa, Luís Marinho simula um contributo para o debate sobre a educação em Portugal, defendendo o recente investimento que foi feito de 53 milhões nas escolas privadas com contrato de associação e criticando a denúncia que tem sido feita sobre o aumento do investimento no ensino particular em tempos de crise. Num momento em que foi, alegadamente, necessário fazer cortes em todos os setores, é inacreditável que se mantenham apoios à rede particular não acompanhados por investimento na rede pública.
Luís Marinho retoma a cartilha da liberdade de escolha, apregoada no programa da coligação como anúncio de mais uma bofetada num serviço público, como se fosse a maravilha das maravilhas para os contribuintes, para as famílias e para o sistema educativo.
Muito se tem escrito sobre este assunto, mas vale a pena repetir os argumentos, para que os que acusam de demagogia não se esqueçam do seu próprio discurso falacioso e demagógico. Para que não haja equívocos e não se caia no discurso tão fácil, que se torna quase ridículo, de se dizer que este ou aquele até puderam escolher ter os filhos em escolas privadas, faço já a minha declaração de interesses: por opção e por acreditar na escola pública, os meus filhos frequentaram sempre o ensino público e não me arrependo minimamente de ter querido isto.
A liberdade de escolha tem várias implicações que os seus defensores nunca querem discutir. Em primeiro lugar, igualdade de condições. Deve ser possível a quem escolhe ter a mesma capacidade de escolher. Os pais e encarregados de educação que fazem escolhas devem ter capacidade económica, formativa e informação idênticas para que a escolha seja feita de forma consciente e capaz. Sabemos que esta não é a realidade em Portugal, o que apenas acentuará diferenças socioeconómicas já existentes. Em segundo lugar, é preciso que sejam dadas condições semelhantes às diferentes instituições para que possam concorrer em circunstâncias iguais. A escola pública não pode ser alvo de desinvestimento, em detrimento da escola privada. Quando se interrompeu o programa de qualificação das infraestruturas das escolas públicas (que Luís Marinho chama de faraónico para impressionar os seus leitores), houve uma opção clara por desinvestir nas condições físicas do serviço público. Curiosamente, em tempo de eleições anunciam-se obras que estavam previstas desde o tempo da Parque Escolar, como no caso do Conservatório. A mesma escolha não foi feita quando não houve desinvestimento nas escolas com contrato de associação. Assim, agrava-se a diferença. Desinveste-se nas condições do serviço público para ele se tornar desinteressante, retira-se-lhe condições até ao ponto em que se diz que o privado pelo qual se pode optar oferece um serviço muito melhor. Onde está a demagogia?
Antes de se apregoar a liberdade de escolha é importante olhar para os países que se arrependem de ter implementado este sistema. Em vários países, em particular em alguns países nórdicos, a liberdade de escolha gerou mais guetização e segregação social. Uma das funções essenciais da escola é garantir mobilidade social e isso consegue-se garantindo a todos o contacto com todos. Sabemos que ainda estamos longe de conseguir atingir esse objetivo através do nosso sistema educativo. O sistema proposto por Luís Marinho é promotor de elitismo e garante de afastamento dessa meta, como demonstram essas experiências.
A liberdade de escolha tem de estar presente nos projetos educativos, na gestão flexível do currículo, na flexibilização da organização das escolas para uma resposta mais adequada no combate ao abandono e para uma escola cada vez mais inclusiva. Esse é o desafio que a escola pública tem de enfrentar e não o desafio de segregar e afastar cada vez mais, isolando e encapsulando os que já são a priori beneficiados.
João Costa
Diretor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
Fonte: Público
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