Foi aqui que muitos dos mais velhos aprenderam o bê-á-bá das letras e dos números, agora vai mostrar o mundo aos mais pequeninos. ?O edifício centenário até ganhou outra cor para acolher os mais novos da freguesia. Estamos em Gondifelos, concelho de Vila Nova de Famalicão, e agora que o verão está no fim, esta terça-feira, dia 1, é o primeiro dia na escola para aqueles alunos do pré-escolar. "Começam as atividades", precisa Jones Maciel, o diretor do agrupamento que inclui aquele jardim de infância, benzido e aplaudido pela comunidade, numa cerimónia de inauguração que teve ainda direito a largada de pombas e cheirinho a pipocas, com bolo de parabéns e tudo.
"Precisávamos de mais espaço para os nossos 50 meninos e este edifício estava aqui perto a pedir para fazermos algo dele...", recorda o dirigente escolar, a preparar-se para dar as boas-vindas a quem chega a este mundo do 'ser/saber/fazer', antes de 'voar mais alto'. "Sabemos que esta é a base de lançamento para todo o trabalho educativo futuro."
É um cenário que se repete por todo o País, e que se espera revisto e alargado no próximo ano letivo, já que a partir de 2016/2017, o pré-escolar será universal - um direito, portanto - para todos os meninos de 4 anos, com intenção de o alargar aos 3 anos. Um diploma que resultou da discussão de novas medidas de apoio à natalidade, de forma a aproximar Portugal das metas da União Europeia (até 2020, 95% das crianças com menos de 6 anos devem frequentar o pré-escolar). Segundo o Ministério da Educação, a maioria das crianças de 5 anos já está inscrita e os mais novos seguem-lhes os passos: as de 4 já batem nos 90%, as de 3 estão nos 75 por cento. A tutela tem agora um ano para garantir lugar no ensino público a todos os meninos que completarem 4 anos - podendo ter de recorrer a contratos de associação com os privados caso seja preciso.
Vale a pena ir à pré
A educação pré-escolar ganhou uma particular atenção - e força! - na última meia dúzia de anos. Estudos internacionais sucederam-se, aqui ou do outro lado do globo, para concluírem que a educação pré-escolar conta e muito para o futuro, deitando ainda por terra a ideia de que só os que têm menores recursos ganham com a educação pré-escolar. Afinal, os benefícios incluem as crianças da classe média, que demonstram melhores resultados a nível intelectual, melhor coordenação da linguagem, melhores notas a matemática. No final do ano passado, no Washington Post, W. Steven Barnett, diretor do National Institute for Early Education Research na Rutgers University, voltava a sublinhar as imensas mais-valias para quem frequenta o pré-escolar: "Chumbam menos e são mais bem sucedidos." Num outro estudo da Sociedade para o Estudo do Desenvolvimento infantil, coordenado por um investigador da Universidade de Nova Iorque - Hirokazu Yoshikawa -, a conclusão vai de encontro à mesma ideia: é um investimento de futuro.
É por isso que estender o direito à educação pré-escolar apenas aos 4 anos pode não parecer a medida mais desejável. "É pouco", insurge-se, num tom provocador, o psicólogo clínico Eduardo Sá. "Não entendo um ensino obrigatório que não inclui o pré-escolar", continua, insistindo que devia ser tendencialmente gratuito ("Há jardins de infância mais caros do que a universidade") e nunca um mero acolhimento de crianças ou, no extremo oposto, uma escolinha. "É nesta altura que devem dar-se às crianças um conjunto de alicerces para que aprendam a pensar", continua o especialista, no mesmo tom provocatório com que iniciou, em 2013, uma conferência sobre a educação na infância. Sob a pergunta "Vale a pena ir à pré?", Eduardo Sá ali defendeu que devia ser proibido ensinar a ler e a escrever antes do tempo. "Há muito para fazer: há a educação física (uma boa relação com o corpo faz-nos mais saudáveis) e a musical (que tem uma ligação direta com a fluência da língua materna e com a organização do pensamento, e nos dá mais capacidade para aprender outras línguas)", e acrescenta ainda que desenhar ensina a representar e que brincar ("nunca menos de duas horas por dia"), também ajuda a pensar.
E não está sozinho nesta ideia de que "brincar devia ser Património Mundial da Humanidade". Oiça-se Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica, autora do projeto Psicóloga dos Miúdos, na mesma sintonia. "É tempo de os mais novos aprenderem a distinguir-se dos outros e a saber gostar, deles e dos outros", sempre a lembrar que "uma criança feliz, tranquila, competente pessoal, social e emocionalmente, terá maior probabilidade de ter sucesso académico."
De geração em geração
Em Portugal é um caminho que se está a fazer devagarinho, e com muitas interrupções, desde há 180 anos. As primeiras instituições portuguesas para crianças até aos 6 anos datam de 1834, e resumiam-se a iniciativas privadas com preocupações sociais. Até 1926, surgiam apenas 11 jardins de infância, 7 oficiais e 4 privados - mas os primeiros acabaram por ser extintos no Estado Novo: as políticas procuravam estimular a função educativa da família. Em 1971, com Veiga Simão no Ministério da Educação, o pré-escolar é reintegrado no sistema educativo oficial, numa remodelação apenas interrompida com a revolução de Abril. Após 1974, multiplicam-se os jardins de infância e as creches - mas só duas décadas depois aparece o Programa de Expansão da Rede de Educação Pré-Escolar e uma lei-quadro que se constitui como a primeira etapa da educação básica. E agora a legislação consagrou o alargamento, universal, do pré-escolar aos 4 anos como um direito de todos.
Os desafios de hoje são muito diferentes? Talvez não. Conte-se aqui a história do número 79 da Avenida Almirante Reis, em Lisboa, um infantário que atravessou todo este último período, desde que, em 1972, ganhou o alvará número 8 para abrir uma instituição dedicada à educação na infância. Beatriz Rodrigues, hoje com 88 anos, era conhecida no bairro por tomar conta de crianças quando a dona, senhora bem-posta na vida, cansada do espaço em menos de seis meses, lho passou para seu nome. Mami, como é carinhosamente conhecida pelas crianças e pelos seus pais, recorda que de dia e de noite pintou paredes com todas as cores para dar o seu toque ao "Arco-Íris", como lhe chamou.
Infantário de bairro por vocação, enfrentou grandes mudanças nestes últimos quatro anos. Atualizaram-se os tons das paredes, renovaram-se os equipamentos dentro das salas, e as refeições passaram a ter em conta preocupações de ordem ecológica. A crise financeira e das famílias obrigou ainda a reagir em outras frentes e um psicólogo clínico passou também a fazer parte da equipa para intervir junto dos meninos sinalizados. "As crianças levam a escola para casa mas também trazem a casa para a escola", sublinha Isabel Duarte, 61 anos, filha de Beatriz Rodrigues, também na gestão do espaço. Ainda assim, há sinais de melhoras: depois de vários anos sem chegar aos 65 miúdos que podem receber, este ano cinco famílias inscreveram ali o segundo filho. Um sorriso ilumina o rosto da D. Beatriz: "E temos mães e pais que andaram cá em pequenos e aparecem agora para inscrever os seus filhos".
Pré-escolar em números
A quase totalidade das crianças até aos 5 anos está inscrita no pré-escolar, avança o Ministério da Educação. Confira o seu perfil
265 414 crianças inscritas
Por tipo de estabelecimento
141 999 - Ensino Público
123 415 - Ensino Privado
Por idades
76 482 - 3 Anos
86 906 - 4 Anos
96 123 - 5 Anos
5 903 - >=6 Anos
*valores referentes a 2013/2014
Fonte: Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência
Fonte: Visão por indicação de Livresco
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