Psicóloga, ex-jornalista e apresentadora de televisão, Cristina Valente é formadora e oradora em palestras sobre desenvolvimento e comportamento infantil. Intervém junto de pais realizando consultas ao domicílio (in home visits), conceito inédito em Portugal. Apologista de que a intuição não chega para educar uma criança, decidiu escrever para pais e educadores um manual com estratégias e um plano de ação eficaz: corrigir os mais velhos, para que saibam orientar os mais novos. Coaching para Pais (ed. Esfera dos Livros) é o seu primeiro livro e ensina a educação democrática e positiva.
O que é o coaching parental?
No coaching parental, desenho em conjunto com os pais um plano de ação completo, com ferramentas parentais e técnicas, de forma a ajudá-los a alcançar objetivos individuais e familiares. É mais simples do que parece! A mudança pode ser desafiante, mas têm todo o apoio na integração de novas soluções. Como resultado, os pais terão uma vida familiar mais alegre e pacífica, tornam-se mais confiantes e calmos. E, como efeito, as crianças serão mais felizes.
Diz-se que o instinto de um pai ou de uma mãe é determinante para a relação que desenvolve com os filhos. A intuição não chega para os educar?
O instinto é um movimento inato, de sobrevivência e conservação da espécie. Vejamos o caso da amamentação: usamos o instinto, a intuição e até um certo conhecimento inconsciente coletivo. Na educação, no desenvolvimento de competências, o caso muda de figura. Sobretudo nos dias de hoje, educar é uma tarefa verdadeiramente dura! Não existe educação boa ou má, certa ou errada. Existe educação eficaz ou ineficaz. E não é possível educarmos de forma eficaz contando apenas com intuição e com instinto. É necessário conhecermos as várias fases do desenvolvimento infantil e o que esperar da criança em cada idade, ter ao nosso dispor soluções práticas: ferramentas, estratégias, planos de ação. E se hoje temos formação para tudo, como não ter para o maior desafio das nossas vidas, o de moldar um ser humano que ainda por cima amamos como a mais ninguém?
Quais são as grandes estratégias da educação positiva?
A educação mais eficaz é a democrática. Garante-nos que as crianças crescem num ambiente de respeito e de carinho, mas também de regras e limites. Um dos conceitos principais de uma educação positiva é «carinho e firmeza ao mesmo tempo» e isto é o mais difícil. Sermos simultaneamente carinhosos e firmes quando uma criança tenta exasperar-nos é um exercício duro, mas é uma questão de treino. Resulta? Sempre. Ok, quase sempre. O carinho demonstra respeito pela criança, a firmeza mostra respeito pelo adulto e pelas necessidades da situação. Outro conceito é o «desenvolvimento de competências». Se quero ter um filho que cresça com valores e ferramentas para sobreviver e ter sucesso na sua vida emocional, relacional ou profissional de adulto, tenho de desenvolver-lhe desde pequeno as competências de que ele irá precisar pela vida fora: a gestão de conflitos, o trabalho em equipa, a gestão do tempo, a criatividade, lidar com a frustração, etc.
A educação que recebem o pai ou a mãe, enquanto crianças, determina a forma como educam os filhos?
O exercício da maternidade e da paternidade faz-nos sempre resgatar memórias e voltar a «lugares» dentro de nós aonde não íamos desde pequeninos, mesmo de forma inconsciente. Acabamos, muitas vezes, por fazer com os nossos filhos aquilo que menos gostávamos de que os nossos pais nos fizessem ou exatamente o oposto; por imitação ou por reação, a influência é enorme. Contudo, o mais importante não é termos tido uma infância mais ou menos boa, com educação parental mais ou menos eficaz, mais permissiva ou mais autoritária. É compreendermos por que fazemos o que fazemos. A compreensão é a chave para a mudança e estamos sempre a tempo de mudar de rota para uma educação mais democrática.
Pelos casos que apresenta no seu livro, percebe-se que os gestos irrefletidos do quotidiano contam muito na educação da criança, que aprende pelo exemplo. Esquecemo-nos de que é na convivência diária, mais do que nos momentos deliberados para dar uma lição, que se educa?
Tal e qual. Por isso é tão importante tornarmo-nos cada vez melhores seres humanos, pois eles seguem-nos o exemplo. É muito importante o tempo de qualidade com as nossas crianças. Quando percebi que isso faltava na minha própria família – e se tornou a principal causa do meu divórcio – disse um «basta». Tomei a decisão de despedir-me do mundo corporativo para poder resgatar esse tempo de qualidade. Não foi uma decisão fácil, mas são os desafios que nos fazem crescer. E esse desafio permitiu-me tornar-me uma daquelas mães que mais tarde levam os filhos à escola e que mais cedo vão buscá-los.
A raiz de muitos problemas de comportamento dos mais pequenos pode estar nesta falta de estratégia dos pais em relação à educação?
Nem mais. Sobretudo nas áreas da alimentação, do sono, dos trabalhos de casa e dos «maus comportamentos» em geral (as áreas que fazem os pais pedir-me ajuda com mais frequência) existe uma grande ignorância sobre o que deve ser feito ou não. Continuo a defender que alguns conceitos básicos do desenvolvimento e comportamento infantil deveriam ser incluídos nos programas curriculares dos segundo e terceiro ciclos! Não é verdade que todos os alunos serão pais um dia?
Quais são os maiores erros dos educadores?
Primeiro, consumirem-se pela culpa – sobretudo as mães. É o sentimento mais inútil que conheço, porque paralisa: se não tenho tempo para estar com o meu filho, culpo-me a mim, ao patrão, ao Governo, ao estado do país, até a Deus! A responsabilidade é muito mais interessante, pensar que tudo o que sou hoje e tudo o que tenho é resultado das minhas escolhas, porque assim posso agir para mudar de rumo. Segundo, sobrevalorizarem os filhos. Divinizamos os bebés ainda antes de nascerem. O facto de ser cada vez mais difícil ter filhos, seja por uma falsa infertilidade, porque os casais não têm tempo para fazer amor, seja por problemas reais de fertilidade, seja pelas dificuldades financeiras de criar um filho, hoje sentimos que ter um filho não é só uma raridade, é um luxo! E quando nascem, aterram em quartos onde mal se conseguem encontrar, pela quantidade insana de brinquedos inteligentes. A divinização continua vida fora: as atividades extracurriculares para se tornarem adultos de sucesso, as roupas de marca iguais às dos pais… crescem a achar que o mundo lhes deve tudo. Infelizes, inseguros e amargos.
Quais são as competências para educar melhor, para se tornarem pais positivos?
As mais importantes são a humildade, a «coragem para ser imperfeitos», como Dreikurs dizia, terem vontade para aprender a crescer como pais e saberem amar incondicionalmente, o que significa amar o filho mesmo que nasça imperfeito, mesmo que tenha más notas, que chegue a casa bêbedo, mesmo que não se torne um profissional de excelência ou uma apresentadora de televisão bonita. Amar incondicionalmente não é fácil, mas podemos melhorar. Os filhos oferecem-nos oportunidades todos os dias para o fazermos.
Recentemente, assistimos à polémica entre visões opostas de dois pediatras espanhóis: Eduard Estivill, para quem as regras são essenciais, e Carlos González, que incentiva os pais a quebrar regras «absurdas e falsas» e considera os castigos inúteis. De que lado fica a educação positiva?
Todos concordamos que as regras fazem parte da vida. A que é que Estivill chama regras? Não sei, não posso opinar. Quanto a González, ele mesmo afirmou, «regras absurdas e falsas», ou seja, tudo o que é absurdo e falso não é bom. Neste ponto concordo com González: os pais criam demasiadas regras e muitas delas absurdas. Por exemplo, uma criança que não sai da mesa enquanto não acaba de comer… que competência específica estamos a tentar desenvolver com esta regra? Alguém faria isto a um amigo que convidasse para jantar em sua casa? Não me parece que González defenda que a educação é um exercício sem regras. Quanto às que os pais devem respeitar, no meu entender, são o respeito mútuo, o autocontrolo e, muito importante, as rotinas.
In: Notícias Magazine por indicação de Livresco
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