quarta-feira, 9 de julho de 2014

O jogo do rapa na aprendizagem

Não vou discutir a pertinência de exames em idades tão precoces (6.º ano e, principalmente 4.º ano). Vou, tão-só, manifestar-me sobre as (des)vantagens do seu calendário.

Conhecem o jogo do rapa*, em que o “rapa” ou “piorra” determina se o jogador rapa (i.e. “fica com” tudo), tira (um objeto para si), deixa (tudo) ou põe (um objeto seu)? O que rapa, tira, deixa ou põe o MEC aos alunos com as provas finais de ciclo (vulgo exames) a meio do 3.º período (já com promessa de assim continuar em 2014-15)?

Argumento do MEC:
Põe a possibilidade de recuperação dos alunos reprovados na 1ª fase, através de aulas de acompanhamento extraordinário após o tempo letivo normal.

Reflexões a propósito:
- Era prática corrente em muitas escolas oferecer aulas facultativas para revisões, a todos os alunos do 6.º ano, nas cerca de duas semanas entre o fim das aulas e os exames. Todos tiravam para si a possibilidade de um tempo de reflexão sobre a matéria dada, com orientação do estudo e esclarecimento de dúvidas pelos professores.

- Presentemente, o exame surge quando a matéria está ainda a ser dada, e continuará a sê-lo após essa prova, sendo tirado pelo MEC o tempo necessário para os alunos organizarem revisões e refletirem sobre os conteúdos lecionados.

- O MEC tira tempo destinado à lecionação das matérias, ao tirar dias de aula, cujo número pode variar um pouco entre o 1.º ciclo e o 2.º:

- Fecho de escolas três dias para realização das provas Key for Schools (9.º ano), Português e Matemática (4.º e 6.º anos), com perda de aulas de todas as disciplinas para todos os anos de escolaridade.
- Faltas dos professores supervisores e classificadores de Português e Matemática (do 6.º ano, a todas as suas turmas, mesmo de outros anos de escolaridade) para três dias de reuniões obrigatórias** em datas determinadas pelo Júri Nacional de Exames.
- Faltas dos mesmos professores classificadores, com dispensa de dois dias das atividades letivas*** (acrescida da suspensão da componente não letiva, incluindo as aulas de apoio), para classificação das provas (de resto, tempo insuficiente para essa exigente tarefa).

- Se contabilizarmos as aulas tiradas a todos os alunos e as postas aos que reprovam, não seremos levados a concluir que todos ganhariam com os exames no fim do ano letivo? Será que o MEC põe, de facto, uma oportunidade/possibilidade de recuperação para alguém? Será credível que um aluno com insucesso numa disciplina durante todo o ano letivo (e, eventualmente, durante os anteriores) e também na 1.ª fase do exame, milagrosamente recupere as aprendizagens em três semanas?

- A questão anterior leva a outra: o MEC tira a uniformidade de critérios entre as duas fases do exame. Na 1.ª fase, o aluno tem como classificação final uma média ponderada da classificação interna, correspondente a todo o ano letivo (70%), e da classificação do exame (30%). Na 2.ª fase, a classificação final é somente a nota do exame (ou seja, os 70% do ano letivo deixam de contar). 

Desta forma, o aluno é avaliado em função de uma suposta recuperação feita em três semanas!

- O MEC tira, ainda, tranquilidade às escolas, com tantos dias de paragens de aulas e tantas aulas não recebidas pelos alunos por entre outras que são dadas pelos professores não envolvidos nas classificações, criando uma desestabilização que dificulta gravemente a lecionação das matérias e a concentração e aplicação dos estudantes.

- O MEC põe uma pressão enorme sobre os professores supervisores e classificadores que, paralelamente à correção das provas finais, se mantêm a dar as suas aulas, a aplicar e corrigir testes de avaliação às turmas que tiveram exame e às dos outros anos de escolaridade. Estes, no jogo do rapa, deixam (i.e. perdem) energia e tempo para a realização do seu trabalho com o rigor que gostariam de nele pôr. 

- O MEC tira ainda o tempo para a realização da avaliação interna dos alunos do 6.º ano, por ser necessário divulgar a classificação interna antes da externa (provas finais), cuja afixação de pautas foi marcada para 12 de junho, apenas dois dias úteis após o fim das aulas, a 6 de junho. Assim, foi preciso haver reuniões de avaliação quando ainda decorriam aulas, obrigando a antecipar testes de avaliação das várias disciplinas de 6.º ano, num calendário já muito apertado pelas diversas interrupções acima referidas, e a lecionar diversas matérias a contrarrelógio.

- Os alunos dos vários anos de escolaridade do ensino básico e os seus professores viveram um 3.º período cheio de interrupções e sobressaltos, ao qual foi tirada a tranquilidade necessária ao ensino e à avaliação, e foram postas descontinuidade, instabilidade e pressão, em nome de uma eventual recuperação de aprendizagens de Português e Matemática do 4.º e do 6.ºanos.

Afinal, quem ganha o jogo? Confesso que não consigo encontrar vencedores. Acho que perdem os alunos (e, certamente, as famílias), os professores e as escolas. Porque insiste o MEC em manter este calendário de exames? Porque não faz uma avaliação rigorosa e isenta das suas implicações?

Notas:
* Consultar regras em http://cerco8c.blogs.sapo.pt/
** Primeira reunião: para leitura e interpretação dos critérios de classificação e levantamento de provas; segunda: para aferição de critérios e esclarecimento de dúvidas; terceira: para a entrega das provas já corrigidas.
*** É certo que o MEC deu indicações às escolas para procederem a substituições desses professores. No entanto, elas não dispõem de recursos suficientes para o fazerem na totalidade e as substituições não correspondem a aulas de Português ou de Matemática.

Armanda Zenhas
In: Educare por indicação de Livresco

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