Dói e faz rir, comove e deixa-nos com a plena consciência de que só quem teve um filho deficiente profundo sabe o que sente quem tem um filho deficiente profundo. O escritor e realizador de cinema Jean-Louis Fournier foi pai de dois, e um dia sentiu-se compelido a contar a sua história. «Onde vamos, Papá?», a única frase que Thomas dizia incessantemente, serviu de título ao livro. Os capítulos são curtos, de «um humor negro entre a ternura e a revolta», como o próprio os auto-retrata, e as lágrimas enchem-nos os olhos, em simultâneo com uma gargalhada que não resistimos a soltar. Jean-Louis livra-nos da culpa de rir. Quantas vezes ouviu «Não tens vergonha, tu, o pai deles, de fazer troça de dois miúdos que nem sequer podem defender-se?». A sua resposta diz tudo: «Não. O que não invalida que tenha sentimentos.»
Quem é capaz de fazer humor e poesia do sofrimento merece todos os prémios. Jean-Louis Fournier recebeu o importante Femina 2008. Li-o no original e, ontem, dei um salto de contente quando a tradução portuguesa surgiu em cima da minha mesa, com a chancela da editora Guerra e Paz. Feliz, porque pressinto que pode ser um grito do Ipiranga para os pais de deficientes, a que a sociedade exige que colem um meio sorriso à cara e escondam os sentimentos.
Espero que este livro os autorize a sentir raiva, a perguntar «Porquê a mim, porquê a ele?», sem que ninguém se atreva a pôr em questão o seu incondicional amor pelos filhos. Espero que se sintam livres de usar a ironia para vencer a hipocrisia. Quando Fournier conta como justificou a sua recusa a dar, na rua, um donativo para crianças diminuídas, com um «Para as crianças deficientes já dei!».
Espera-se que os pais de um bebé deficiente aceitem, com alegria insista-se, o que Deus ou a sorte lhes enviou. Que suportem que os outros lhes condenem os genes. E poucos se sentiriam capazes de, como Fournier, dizer: «Não fui um bom pai. Frequentemente não os suportava. Com eles, era preciso uma paciência de santo, e eu não sou nenhum santo», para acrescentar: «Fiquei a ganhar em relação aos pais de crianças normais. Não tivemos que nos preocupar com o que fariam quando fossem grandes, porque soubemos rapidamente o que seria: nada.». De leitura obrigatória para todos.
ISABEL STILWELL
Destak, 12/05/2009, página 4.
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