Porquê toda esta reflexão? Por muitos motivos, mas um em especial: a aproximação do final do ano lectivo.
"A expressão dificuldades de aprendizagem é actualmente usada para descrever uma perturbação que interfere com a capacidade para guardar, reter, processar ou produzir informação. O IDEA define dificuldades de aprendizagem como "uma perturbação num ou mais dos processos psicológicos básicos envolvidos na compreensão ou no uso da linguagem falada ou escrita, a qual se pode manifestar através de uma capacidade imperfeita para escutar, pensar, falar, ler, escrever, soletrar ou realizar cálculos matemáticos" (Centro Nacional de Informação para Crianças e Jovens com Deficiências, 1992). De acordo com a lei citada, as dificuldades de aprendizagem não incluem problemas de aprendizagem resultantes, principalmente, de deficiências visuais, auditivas ou motoras, de deficiência mental ou de desvantagens ambientais, culturais ou económicas."
Nielsen, L. (1999). Necessidades Educativas Especiais na Sala de Aula. Um Guia para Professores. Porto: Porto Editora.
Deles se diz habitualmente: "Não estuda nada, não quer saber", "Ele tem capacidades mas não as aproveita", "Se ele quisesse poderia melhorar o aproveitamento", "Até participa bem oralmente, mas quando chega aos testes é uma desgraça!". São muitos os alunos que me chegam, encaminhados por professores ou por pais, com este tipo de caracterização: têm capacidades, mas não as aproveitam... O que acontece em muitos casos, não todos, é que apesar de existirem as ditas capacidades, não existem as restantes ferramentas indispensáveis para aceder ao saber. Concretizando, apesar de cognitivamente o aluno apresentar capacidades que se enquadram no que, atendendo à faixa etária, seria previsível, não adquiriu competências básicas de acesso ao saber - por exemplo, tem dificuldades de leitura ou escrita.
Num estudo realizado no âmbito da minha tese de mestrado, pude concluir algo que apesar de ser óbvio nem sempre é tido em consideração: existe uma relação fortíssima entre a compreensão leitora e o sucesso escolar. O que constato é que, frequentemente, os alunos, apesar de terem capacidades, não conseguem extrair o significado daquilo que estão a ler. Em muitos casos até descodificam textos muito facilmente, mas na verdade não sabem ler porque apesar de dominarem a técnica da descodificação não dominam a da compreensão.
Pensemos num aluno que chegou ao 7.º ano de escolaridade e que não domina a leitura, ou seja, lê mas não consegue extrair o significado do que lê. O que é previsível é que o insucesso se venha a instalar. O aluno até gostaria de ultrapassar as suas dificuldades, mas não saber ler é uma barreira de tal forma limitativa que a tendência para a desmotivação e para o desinvestimento é quase sempre fatal! Apesar de, numa fase inicial, até se ter esforçado, rapidamente concluiu que para ter sucesso precisava mais do que um esforço: são precisas outras ferramentas que não domina. Geralmente, o aluno acaba mesmo por deixar de estudar pois é mais fácil, em termos de auto-estima, admitir que o insucesso resulta de desinteresse e de não estudar do que de falta de capacidades. Em muitos casos, a sensação progressiva de que o esforço não se traduz em resultados positivos leva à adopção de comportamentos disruptivos na sala de aula por parte destes jovens, pois as aulas tornam-se mais divertidas para eles e para os colegas e é sempre melhor o estatuto de malcomportado do que de "burrinho". Este último estatuto é de tal forma doloroso que ninguém o quer.
Porquê toda esta reflexão? Por muitos motivos, mas um em especial: a aproximação do final do ano lectivo. Aos conselhos de turma cabe a missão de analisar com mais cuidado a situação dos alunos que se encontrem numa situação de retenção repetida, no sentido de decidir se mais uma retenção será uma medida ajustada àquele estudante. Pois bem... acho que esta análise pode ser tomada em consideração no momento na decisão. Será que o aluno quer e não pode ou pode e não quer?
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