É frequente, em diálogo com alunos, falar-se de algum tema ou facto e ter-se como resposta “Eu dei isso”. Porque apenas deu, não ficou com nada e alguns conhecimentos fundamentais voaram com o vento. Baseou a sua aprendizagem num “toca e foge” sobre vários conteúdos, numa tarefa que se terá esgotado em rotinas de memorização, “matéria” despejada no dia do teste e esquecida pouco tempo depois.
O Ministério da Educação entendeu ouvir os professores, peritos, famílias e alunos sobre o estado do currículo. A opinião é praticamente unânime: os programas são extensos.
A extensão dos programas tem várias consequências: os alunos não têm tempo para consolidar aprendizagens; não têm tempo para treinar, falhar e aplicar o conhecimento em novas situações; não há oportunidade de aprofundamento de temas; não há tempo para o desenvolvimento de competências essenciais como a leitura crítica, a pesquisa autónoma de informação ou a aprendizagem baseada em problemas; não sobra tempo para a relação dos temas e conteúdos disciplinares com outros temas. De forma particularmente grave, não sobra tempo para a inclusão dos alunos com mais dificuldades. Se não acompanham o ritmo a que os programas extensos obrigam, a única solução é encaminhá-los para outras ofertas ou para outros espaços.
Os professores reportam que vivem na angústia de ter de “dar o programa”, ainda que conscientes de que muitos alunos não estão a aprender. As aprendizagens tornam-se superficiais e facilmente descartáveis.
Foi neste contexto que se decidiu iniciar o trabalho conducente à identificação de Aprendizagens Essenciais a partir dos documentos curriculares em vigor. Este trabalho foi desenvolvido pelas associações de professores, em conjunto com a Direção-Geral da Educação e com peritos das áreas disciplinares e especialistas em educação. Estiveram também envolvidos psicólogos e especialistas em neurociências, porque não basta definir o que se aprende se não se conhecer como se aprende. Pretendeu-se elencar o conjunto de conhecimentos, capacidades e atitudes a desenvolver em cada disciplina e em cada ano, em articulação com as áreas de competência inscritas no Perfil dos Alunos, chegando-se, assim, a uma clara perceção de qual o contributo de cada área disciplinar para se atingirem competências como a resolução de problemas, o pensamento crítico ou o raciocínio científico. Liberta-se, assim, tempo para o que não tem sido possível fazer: aprofundar alguns temas, selecionar outros tópicos adequados aos contextos específicos, potenciar aprendizagens significativas e, sobretudo, incluir mais alunos.
Estas Aprendizagens Essenciais, em conjunto com o Perfil dos Alunos, servirão de base à elaboração de provas finais e exames nacionais. Numa análise recente aos resultados dos exames nacionais dos últimos anos, verifica-se que os maus resultados não estão associados a itens de memorização de conteúdos, mas sim aos que requerem aplicação de conhecimento em novas situações, raciocínio, análise, interpretação e escrita. Estas são competências identificadas como essenciais no Perfil dos Alunos e que a flexibilidade curricular permite desenvolver melhor.
Quisemos que este trabalho tivesse na sua origem professores que conhecem o terreno, as salas de aula reais e os alunos de carne e osso de todos os contextos. Estes profissionais são quem nos sabe dizer o que é exequível, o que nenhum aluno pode deixar de aprender para poder progredir com sucesso e o grau de autonomia de que precisam para garantir que todos acedem ao currículo. Desprezar o seu conhecimento tem sido um erro crasso nalguma tradição de construção de documentos curriculares.
Pela primeira vez, todas as disciplinas e anos foram trabalhados em paralelo, garantindo-se que a Filosofia comunica com a Matemática, que o Português sabe o que se aprende em Inglês ou História, assegurando-se coerência conceptual entre os diferentes documentos e identificando problemas de sequencialidade ou de repetição dos mesmos conteúdos em várias disciplinas.
Este foi um trabalho muito difícil. É fácil estar-se de acordo sobre a extensão dos programas, é difícil trabalhar e discutir com seriedade as opções a tomar, sobretudo quando se olha para o currículo como um todo e não a partir do conforto do olhar microscópico sobre o tema que se trabalhou na sua própria área de especialização.
Pela sua dificuldade, quisemos que este trabalho fosse monitorizado, avaliado por escolas, sujeito a consulta pública e validado por vários especialistas em currículo.
Tudo isto porque aprender melhor e com significado é crucial para termos jovens que exercem a sua cidadania de forma plena, alicerçada em conhecimento consolidado e não em vagas memórias de coisas que “se deram” e não permaneceram.
João Costa
Secretário de Estado da Educação
Nota: Destacado no texto da responsabilidade do autor e editor do blog.
Fonte: Público
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