A conversa era para ser apenas sobre flexibilidade curricular, que no próximo ano letivo chega a todas as escolas, mas acabou por ser muito mais do que isso. O objetivo era perceber como vai o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), que a cada ano planeia, concebe e valida provas de aferição e exames nacionais, preparar-se para o desafio de cada escola poder gerir livremente o seu currículo até ao máximo de 25%.
A resposta de Helder Sousa é surpreendente: não vai haver provas para a flexibilidade. No fundo, o que espera o diretor do IAVE é que com a flexibilidade os alunos estejam mais preparados para fazer exames, embora para isso seja preciso deixarem de se preparar para os testes. Paradoxal? Nem por isso, se seguirmos com atenção o seu raciocínio.
“Um aluno que tenha feito aprendizagens significativas não tem de estar preocupado ou a preparar-se para os exames. Vai sempre fazê-los de forma tranquila. O aluno que está focado no treino para o teste, na formatação da forma de aprender, centrado na memorização, vai sempre ter dificuldades. Sempre. Aqui ou em qualquer outro sítio.”
O discurso de Helder Sousa é também muito crítico do sistema educativo atual. Defende que se faz um ensino de superficialidade em Portugal, que os professores continuam agarrados à tarefa hercúlea de ter de dar todo o programa, e que continuámos, ano após ano, a trabalhar para a mediania. “Eu confronto-me sempre com esta dúvida existencial: como é que a sociedade de um país convive relativamente bem com estes resultados?”
De uma coisa parece ter a certeza: ninguém acredita que o sistema possa melhorar e se as notas dos alunos começassem a subir, mais depressa os dedos acusadores se viravam para o IAVE a gritar “facilitismo” do que acreditavam que o ensino tinha mais qualidade.
Sobre as notas, tem uma posição definida. Servem para muito pouco e aquilo para que os pais e as escolas devem olhar é para a desagregação dos resultados que mostram exatamente onde é que até os bons alunos falham: quando lhes é pedido para raciocinar. “Tenho quase a certeza de que se todos estes alunos fossem convocados de surpresa para fazer em outubro exatamente os mesmos exames que fizeram agora, as notas caíam significativamente”, diz, porque se limitaram a memorizar e não a aprender.
Gostava de ter provas não públicas, onde as correções e os enunciados não são divulgados, mas já desistiu desse sonho. Acredita que a sociedade não está pronta para as aceitar. Não é um dos defensores do fim dos exames nacionais, mas argumenta que não podem continuar a servir uma finalidade para a qual não foram criados: servir de prova de ingresso ao Ensino Superior.
E pede estabilidade na Educação: “Devíamos incluir na Constituição da República a estabilidade educativa, que é uma coisa que não mudamos todos os dias. Atrevia-me a dizer que só se devia mudar aspetos estruturais na Educação quando fôssemos mudar a Constituição. E teríamos alguma paz para tratar com seriedade e serenidade as questões da educação.”
Na próxima época de exames nacionais todas as escolas estarão em flexibilidade curricular, com uma margem de gestão de currículos que vai de 0% a 25%. E há diretores de escolas preocupados com a forma como os exames se vão casar com flexibilidade. Como é que o IAVE vai resolver este problema?
Temos falado com muitas escolas e a grande preocupação é com o Ensino Secundário. Os professores não têm problemas em fazê-lo no básico, mas temos sempre aquela espécie de espada em cima dos alunos do secundário: os exames nacionais e o acesso ao Ensino Superior. A grande dúvida que têm é como fazê-lo aí.
Exato. A crítica recorrente de que o secundário está ao serviço das universidades. E como vão fazê-lo?
Há um conjunto de ideias muito distorcidas sobre o que deve ser a aprendizagem e como é que ela deve ser avaliada. Aquilo que temos mostrado às escolas é quais são as fragilidades dos alunos e aquilo que os faz perder pontos num teste. Se não perdessem pontos, todos tinham uma nota próxima do 20.
Tem a ver com a prova ser mais ou menos difícil ou é outro fator?
Quando olhamos para uma prova de exame há aquilo que os leigos chamam de questões fáceis, mais difíceis, ou complexas. A complexidade tem a ver com a natureza dos processos que os alunos têm de desenvolver. A dificuldade está associada às operações mentais que os alunos têm de pôr ao serviço da resposta. E isso não é novo. Hoje falamos das chamadas competências do século XXI, onde já estamos há quase 20 anos, mas não é de agora que precisamos delas. Já antes precisávamos.
As provas sempre tiveram questões às quais o aluno responde mobilizando aquilo que memorizou e há outras a que só consegue responder se conseguir pensar e elaborar sobre aquilo que estudou.
Ou seja, raciocinar?
Raciocinar, interpretar, justificar, explicar, elaborar, desenvolver o seu próprio pensamento crítico sobre aquilo que lhe é perguntado. Esse tipo de operações correspondem, na maior parte das provas, a cerca de 50%, ou até mais, da pontuação. Os próprios alunos não têm consciência disso. Há sempre aquele discurso, de quase pânico, de que a prova foi muito difícil. Não tem a ver com ser difícil. Tem a ver com este processo e sermos capazes, ou não, de o fazer.
Isso, aliás, tem surgido nos vossos relatórios. É nas perguntas em que é preciso raciocinar que os alunos mais falham.
Temos mostrado às escolas algumas análises que fazemos. Para nós, interessa-nos muito, muito pouco as médias. As médias são indicadores muito pobres da qualidade do sistema educativo. Interessa-nos mais decompor os resultados para encontrar as pistas que nos dizem onde podemos melhorar. Uma das decomposições que fizemos foi ver qual é o desempenho dos alunos nas perguntas em que têm de reproduzir o conhecimento que adquiriam, que são as consideradas mais simples.
Está a falar das respostas que o aluno pode decorar?
Isso mesmo, a informação que dá para decorar. O problema é que nem sempre o que os alunos decoram é exatamente o que é pedido nos exames. E há logo perda de pontuação. Nos testes, usamos três grandes categorias para avaliar os alunos: a reprodução do saber, o da aplicação dos conhecimentos e o nível mais complexo que é extrapolar, ter algum pensamento próprio sobre as questões.
Encontramos essa estrutura em todos os níveis de ensino?
Sim, começa no primeiro ciclo com provas onde há mais peso para a transmissão do conhecimento e menos para o pensamento crítico. E esta — que é a competência que devem desenvolver ao longo da vida porque é a que lhes é exigida na vida ativa — vai crescendo um pouco, até passar os 50% nos exames do secundário.
E como é que os alunos se dão com a exigência de pensamento crítico?
Grande parte da perda da pontuação num exame é nestas questões e é tanto maior quanto mais os alunos têm de explicar, raciocinar. Este comportamento de perda é tão evidente para os bons como para os alunos médios.
Quando decompomos os desempenhos dos alunos nessas categorias — os bons alunos são os que têm mais de 15 valores — a descida é constante quando passamos da reprodução de conhecimento para o raciocinar. Isto é impressionante e impressiona as pessoas quando as confrontamos com isto.
E viu-se bem esse cenário nos vossos últimos relatórios.
É verdade, mas isto está reportado em relatórios do IAVE desde 2007. Não é de agora. O que fizemos no relatório de que fala, que ia de 2010 a 2016, foi um corolário de algo que já era uma evidência. Nos relatórios anuais andávamos sempre a dizer as mesmas coisas. E começamos a pensar sobre isto. Porque é que este padrão não muda? Será que muda se olharmos para um horizonte temporal maior? Não, não há alterações, nada de significativo.
Isso mostra que o problema dos alunos não é então o currículo das disciplinas.
Este relatório diz-nos que grande parte das fragilidades dos alunos não têm a ver com os conteúdos das disciplinas. Tem a ver com os processos mentais que eles desenvolvem para conseguir dar resposta a questões complexas e que são transversais a qualquer disciplina.
A complexidade da pergunta não atrapalha o aluno mais numa disciplina do que noutra?
Acontece a todas. Até os bons alunos falham quando é testada a capacidade de raciocínio. Desde pequeninos. Surpresa das surpresas é que quando fazemos o mesmo tipo de análise para o desempenho dos alunos a Ciências no TIMSS [Tendências Internacionais a Matemática e Ciências] não notamos diferenças significativas. E a pergunta que se coloca imediatamente é: então os alunos estudam para o TIMSS? Treinam para o TIMSS? Não. Há um dia em que são convocados, vão lá e fazem o teste. Ninguém lhes diz que têm de se preparar, não há sequer provas modelo. E não fazem o treino para o exame que, a meu ver, o que existe é mal feito.
Como é que se explica que não haja diferença entre um exame para que treinam e uma prova que nem sabem quando vai acontecer?
A raiz do problema estará muito mais na forma como o ensino é encarado pelos professores: eu tenho de dar o programa. Têm uma matriz cheia de conteúdos e pensam que têm de passá-la toda aos alunos para cumprir o seu dever. E ao fazê-lo, numa aula expositiva, não fomento a cooperação, o diálogo, a interação, nada daquilo que são competências essenciais para a vida social, profissional e do futuro daqueles jovens. Eu transmito conhecimentos, eles absorvem, têm um stress danado que é a sensação de que não dominam tudo e vão sempre em pânico fazer as provas. Muito diferente de quando fazem um TIMSS ou um PISA.
Qual é o entrave para o professor mudar?
Os professores têm uma grande dificuldade em saírem deste registo porque têm medo de falhar. O ensino que se faz é o da superficialidade. Tenho quase a certeza de que se todos estes alunos fossem convocados de surpresa para fazer em outubro exatamente os mesmos exames que fizeram agora, as notas caíam significativamente.
Porque o que os alunos decoraram para o exame desapareceu?
Desapareceu. Sobretudo se fosse um exame de surpresa. Era o pânico. Começa a haver a perceção das escolas e dos professores de que é preciso mudar, mas é uma mudança muito difícil. Os alunos já vêm formatados para estudar assim, as famílias estão à espera que eles se preparem dessa maneira. Qualquer trabalho que seja desenvolvido em alternativa a este modelo só funciona se todos os parceiros estivessem alinhados no mesmo espírito — basta que os alunos não estejam sintonizados para não funcionar. Mas não há maneira de não mudar. Estamos aqui a fomentar um sistema educativo que trabalha para a mediania. Eu confronto-me sempre com esta dúvida existencial: como é que a sociedade de um país convive relativamente bem com estes resultados? Para sermos os melhores profissionais que conseguirmos isso significa ter uma performance muito acima da média. O trabalhar para a linha de corte é negativo. Aponta para um nivelamento para baixo e que não é positivo para ninguém.
É preciso ser melhor. Mas como?
Como todas estas fragilidades são transversais a todas as disciplinas, o que é importante perceber é como é que posso melhorar o desempenho dos alunos sem que isso implique perder muito tempo daquilo que é a minha missão — que é errada, mas que é aquela em que o professor acredita — de transmitir conhecimentos. E entra o princípio de sinergia. Eu posso ensinar os alunos a pensar sem ter de ser na disciplina A, B ou C. Isto é um processo que tem de ser trabalhado fora do contexto disciplinar e que deveria começar a ser trabalhado no pré-escolar.
Porque exame após exame vemos que eles falham no mesmo sítio?
Os alunos não aprendem a raciocinar. Nós poderíamos fazer provas em que 90% das perguntas apelavam só à memorização. E claro que os resultados seriam diferentes. Mas isso não está de acordo com aquilo que é a matriz curricular e seria estar a vender gato por lebre. Era enganar completamente as famílias e os próprios alunos. Ninguém nas empresas lhes vai exigir que reproduzam o que aprenderam e se isso acontecer há de ser em atividades de salários muito baixos e pouco qualificados, que nenhum pai quer para o seu filho.
Muitas vezes ouvimos dizer que este ou aquele exame foi especialmente difícil. Mas, lá está, facilitar os exames não pode ser solução, não é?
Não é solução. Este discurso do ‘foi difícil’… Eu costumo dizer, na brincadeira, que o verão começa a 21 de junho e há exames todos os anos — é uma fatalidade. Havendo exames, há uma conversa logo a seguir do ‘foi fácil ou foi difícil’. Essa é uma conversa completamente vazia. Sendo diferentes de ano para ano, as provas vão naturalmente gerar resultados diferentes, mas elas estão concebidas com uma engenharia que as faz serem muito estáveis do ponto de vista do grau de exigência. Repare: as variações de resultados que discutimos são ridículas. Discutir a variação de um, dois ou oito pontos numa escala de 200 não tem qualquer valor estatístico. É tão natural como o ar que respiramos. É uma não notícia.
Mesmo do ponto de vista macro, não há evoluções significativas. Nem mesmo quando queremos fazer o contraponto com estudos internacionais. Muito daquilo que se empola nos estudos internacionais está alicerçado numa variação pontual que remete para uma escala de mil pontos. Se eu agarrar naquelas variações do PISA ou do TIMSS e as converter na escala que nós usamos na nossa avaliação, os 20 ou 30 pontos que subimos transformam-se em dois ou três pontos percentuais. O seu valor é residual. Não tem significado.
Mas é bom ver o país subir nos estudos internacionais, não concorda?
É muito bom Portugal ter estes resultados internacionais, quando comparado com os outros. A Finlândia que é o exemplo que vem sempre à baila — parece que não há outros países no mundo — diminuiu 30 pontos quando nós subimos 30 no PISA. Portanto, é fácil sermos os campeões da OCDE em termos de melhoria, mas ela continua a ser muito ténue. E continua a colocar-nos na média do estudo. A média nacional dos exames aponta para a linha de corte: 9,5 valores, 10, 11, não passa disto. E a média dos internacionais também não passa disto. Mas podemos aprender com o modelo de prova que os estudos internacionais nos trazem, já que não trazem diferenciação dos alunos em termos de raciocínio. Tenho de trabalhar a forma de os alunos se apropriarem de um saber mais rico que depois vai ser distribuído no seu desempenho pelas várias disciplinas, fora do contexto de sala de aula para poupar tempo. Ter cada vez mais as perguntas a fornecer a informação para o aluno ter de jogar com ela. Eles ainda têm dificuldade em fazer isto, mas é um treino fácil de fazer. Os alunos têm de ter a convicção de que o que é preciso para responder está ali, à sua frente, no enunciado, que não é preciso ir ao arquivo de memória. A informação está ali.
Isso é outra coisa que os relatórios do IAVE mostram. Muitas vezes os alunos têm informação à frente deles, está escrita num texto ou num enunciado, e eles simplesmente não conseguem encontrá-la.
É muito interessante o que está a dizer. Começámos a detetar isso: o aluno tem à frente toda a informação de que precisa e o processo que ele desenvolve é ligar a informação que consegue ler ali ao que estudou e memorizou. E, em seguida, em vez de basear a sua resposta na informação que ali está, vai transpor o que memorizou para a resposta. E já não está de acordo com o que foi perguntado. Por isso digo que o treino para os exames é mal feito, não é fazendo muitos exames que eu preparo um aluno. O exame é só uma das ferramentas de avaliação e, em Portugal, a regra é mais de 80% da avaliação interna radicar em testes.
Às vezes mais…
Sim, estou a ser bonzinho. Os alunos são formatados para fazer testes da pior maneira possível. Há desafios num exame que implicam saber analisar a informação, combinar e articulá-la com o corpo da pergunta, saber estruturar a resposta quando a pergunta é ‘indique’ qualquer coisa, ou ‘justifique’, ou ‘explique’. Obriga a caminhos completamente diferentes. Isto é que é treinar alunos para um exame. É perceber que quando têm um item de resposta curta ela tem de ser objetiva, não vale a pena estar a acrescentar mais, a baralhar o classificador e a perturbar a avaliação. Quando é extensa, tem de se saber estruturar, ter um fio condutor, coerência no discurso. Na resolução de problemas é preciso organizar as etapas de resolução. Tem de se saber validar o resultado que se obtém num exercício de Física com o problema de partida: sermos capazes de olhar para o resultado e percebemos que é impossível.
E isso leva-nos ao problema da Matemática, por exemplo. Muitas vezes os alunos não têm pensamento crítico para perceber que o resultado está errado, não é?
Exato. Só porque a mecânica que seguiu está certa, não quer dizer que o resultado esteja certo. Basta um pormenor errado a meio. E é preciso um olhar crítico para perceber que aquele resultado é impossível. Há outra coisa muito engraçada que vemos nos itens de escolha múltipla. A estrutura é haver várias alíneas: uma verdadeira, outra muito próxima (que é o distrator) e duas claramente ao lado. Muitas vezes, o que o aluno faz é: lê a introdução do item, passa para as alíneas, e a seguir fixa-se nos distratores. Fica ali a operar em torno do que pode ser verdade e desliga do enunciado que está em cima. Vai encontrar muitas vezes como resposta certa o distrator, que está ali para despistar, que está quase certo, e que só não está certo porque não casa com o corpo do item. É muito típico acontecer.
E que ideias tem para preparar melhor os alunos?
Um exercício muito interessante e extremamente rico é os alunos resolverem problemas em grupo. Colaborativamente. O grupo muitas vezes em Portugal é tu fazes a tua parte, eu faço a minha. Isso não é grupo. Resolver em conjunto é todos contribuírem para a resolução do problema. A contribuição implica ter soluções disparatadas e é do disparate e do absurdo que nasce uma solução bem construída. Este trabalho é de uma riqueza enorme. Riqueza da aprendizagem, da meta cognição, de perceber porque falhou ou não, incentiva a comunicação e competências sociais importantíssimas para o trabalho do futuro.
Mas se eu disser a um professor para pôr os alunos a fazer um teste em grupo, ele pergunta-me logo como é que depois os diferencia. Não tem de diferenciar. Tem de perceber como é que eles interagem em conjunto e perder a paranóia de que vão copiar. Se eles não trabalharem colaborativamente e forem todos atrás de um, vai dar asneira. Se colaborarem, vai correr bem.
Mas por onde deve passar o treino para os exames?
O treino para os exames também passa — e os professores nem sempre percebem isto — por perceber a mecânica do jogo. Fazer um teste é um jogo, no sentido pragmático da coisa, perceber as regras e, em cima das regras, mobilizar aquilo que se sabe fazer em termos de processo mental, recuperação e articulação de informação. Sempre cumprindo as regras.
Podia então achar-se que mais valia fazer só perguntas de escolha múltipla?
Não podia, porque também estamos a testar capacidades dos alunos que são diferentes. Muitas vezes não nos interessa que o aluno ande lá na disquete a procurar o que memorizou. Não. A informação está aqui, agora escolha a certa. Obriga-nos a processos de pensamento sobre o conhecimento que vão mais longe do que a recuperação de conhecimento. As pessoas às vezes não percebem isso, acham que a escolha múltipla é um disparate. É o teste das cruzinhas, acerta-se ao acaso. A probabilidade de acertar ao acaso está estimada: são 25%. Ao acaso, o aluno nunca terá mais de 4 ou 5 valores.
Toda esta informação pode ajudar as escolas no caminho da flexibilidade?
Em síntese, sim. Se se pensar em usar esta informação que temos fornecido às escolas para trabalhar de uma forma diferente, estamos a caminhar no sentido da flexibilidade. Estamos a desenvolver competências nos alunos que são aquelas que estão plasmadas no Perfil do Aluno.
Todos os anos as provas são diferentes. Mas os programas são finitos. Como é que se faz isto?
Nós aqui temos um drama. Todos os anos temos de perguntar coisas diferentes e o currículo é finito. Temos imensos mecanismos de controle interno para evitar que aconteçam repetições e aquilo para que as provas apontam é que tendencialmente vão perguntar o que é essencial, não o que é acessório.
Como não há infinito, o que há é voltar ao princípio. É o problema das provas públicas, que é o sistema que temos. Eu já desisti da ideia de poder ter provas não públicas porque socialmente seria visto como um fator de pouca transparência. Seriam provas como as do PISA, com resultados, mas sem a divulgação do item. Do ponto de vista financeiro, seria brilhante, não faltaria transparência, mas há problemas do ponto de vista legal do acesso ao recurso da classificação. É uma questão de hábito. Há países em que não são públicas.
E que vantagens teria?
A vantagem eram duas: não termos este constrangimento de estarmos permanentemente no registo da invenção — que não põe limites, mas cria dificuldades criativas. E acaba-se com a ideia criada em Portugal de que os exames servem para monitorizar o sistema. Não, não servem. Não podem servir se todos os anos mudo de instrumento, se a medida não é estável. Se de cada vez que comprar uma régua, ela mudar de tamanho, esta mesa vai ter tamanhos diferentes consoante a régua que usar para a medir. É o que acontece com os exames. Estas variações de dois ou três pontos são fruto de mudarem os alunos, o ano, as provas e os classificadores. Não podemos usar isto como barómetro.
Qual é o entrave às provas não públicas?
Imagine que nós dizíamos ao mundo, para o mundo acreditar, que as provas mantinham uma estabilidade estrutural, conceptual e do seu grau de dificuldade e esse era o nosso compromisso por dez anos. E, de repente, as notas começavam a subir. Como é que acha que a sociedade reagia? “Ah, lá estão eles a fazer o favor ao governo, lá estão eles no facilitismo.” Não se consegue convencer a sociedade porque o tipo de análise que se faz dos instrumentos é de uma pobreza franciscana: foi fácil ou difícil. Não vale nada. Só vale quando desmonto o processo cognitivo que está subjacente àquela pergunta e vou ligá-la a um resultado. Sem isto, é tudo conversa de café. Assim poderia dizer que o elemento está estável e o que está a melhorar é o sistema. Mas não acredito que algum dia funcionasse.
Para conseguir medir o sistema a prova devia ser estável?
Teria de ser não pública. Mesmo nestas há sempre libertação de itens, se a prova tem 20, libertamos cinco. É o que o PISA faz. Há aqui toda uma engrenagem muito complicada no sentido de montar um sistema perfeito. Temos o melhor sistema possível dentro das condições em que temos de operar.
Se houvesse um pulo nas notas, a primeira coisa que íamos ouvir era…
Facilitismo. O que é gravíssimo do ponto de vista social. Não sendo verdade, seria um total descrédito para o trabalho dos professores e para o desempenho dos alunos. Ninguém acredita que o sistema pode melhorar. Ele não está a melhorar, mas se acontecer, ninguém acredita. Há uma parte da sociedade que quase mata qualquer possibilidade de melhoria do sistema, pelo comportamento que tem.
Há pouco disse que as médias são o que menos lhe interessa. Isso é mesmo verdade?
Eu não quero uma nota. Eu quero saber em que é que o aluno falhou. Porque o João não é mau a tudo em Português. Não tenho de dar apoio a Matemática porque teve má nota a Matemática. Isto é completamente estúpido. Se eu chegar ao médico e ele me disser que a minha saúde não está muito bem, não me dá 50 comprimidos para tudo na esperança de algum fazer efeito. Este diagnóstico fino — que na saúde exigimos e na educação passamos ao lado — não se consegue fazer com uma nota. Uma nota é 70. Mas o que é que está debaixo do 70?
E dois 70 podem significar conhecimentos muito diferentes.
Muito bem. Não querem dizer a mesma coisa. A pergunta que devo fazer é: “O que é que eu não sei para chegar aos 100?” É preciso ter informação, tempo para digeri-la e para reagir em função da informação. As salas têm muitos alunos e, às vezes, é difícil despistar os problemas, o que se precisa é da sala de apoio para a leitura, a sala de apoio para as frações, para o pensamento crítico. Isto seria de uma bondade construtivista.
Estaríamos a atacar o problema real?
Exatamente onde o aluno falha, estaríamos a dar-lhe ferramentas para não falharem. Mas tem de haver uma crença coletiva sobre isto dos alunos, das famílias e dos professores e não se consegue. É mais fácil fazer como sempre se fez. E atiram-se com culpas externas, é sempre culpa de qualquer coisa, menos da escola.
As novas tecnologias, a Matemática, as línguas estrangeiras, a Filosofia e a língua materna deviam perder o estatuto de disciplinas e passar a ser pragmaticamente ferramentas de apoio ao desenvolvimento pessoal e social. Mudaria toda a lógica do teste de avaliação e da nota. Se não falar línguas estrangeiras, tenho limitações gravíssimas, tenho de dominar a minha língua, tenho de saber pensar — aqui entra a Matemática e a Filosofia — e tenho de dominar as novas tecnologias. Isto é tão necessário como saber pegar em talheres e ninguém tem uma disciplina para isso porque é uma coisa inerente ao desenvolvimento social. É uma área que depois estaria ao serviço das outras áreas de aprendizagem.
E com essas falhas chegamos ao analfabetismo do século XXI, não é? Sabemos ler e escrever, mas falta-nos o resto…
Os alunos não sabem coisas fundamentais e que lhes vão trazer amargos de boca muito grandes. Há a ideia de que somos muito bons porque ganhamos umas olimpíadas quaisquer. Mas também temos o Ronaldo e não ganhámos o Campeonato do Mundo. Amanhã, vamos ter dificuldades de competitividade internacional se não conseguirmos acompanhar esta capacitação da sociedade. Estamos a ter mais gente qualificada e a concluir o secundário, e isso é bom, mas tem sido feito através de um nivelamento pela média. Estará na altura de descolarmos desse paradigma e dar o salto para a frente. Já conseguimos que toda a gente vá à escola, agora é preciso elevar esta capacitação a outros níveis.
Esses desafios que aponta são compatíveis com a flexibilização?
O que precisamos para abraçar a flexibilização de uma forma construtiva é acabar com a dissensão política. Muitas das questões da Educação são discutidas a nível político e não ao nível técnico. Estamos a viver, na política, um clima muito crispado e isso é péssimo para a educação. Tiramos o foco do que é importante. Não podemos andar sempre a mudar tudo na educação porque nunca há tempo para consolidar nada. Em quatro anos não se consolida. É fundamental na educação, na justiça e na saúde haver estabilidade política.
É o pacto para a Educação de que tanto se fala, mas que nunca surge…
Devíamos incluir na Constituição da República a estabilidade educativa, que é uma coisa que não mudamos todos os dias. Atrevia-me a dizer que só se devia mudar aspetos estruturais na Educação quando fôssemos mudar a Constituição. E teríamos alguma paz para tratar com seriedade e serenidade as questões da educação.
Voltando às médias. Os pais ainda dão muito valor às notas?
Penso que os pais começam a pensar de forma diferente e a perceber que a escola que tiveram já não é a escola que os filhos precisam. Dito isto, quando os filhos chegam ao secundário ficam toldados pela necessidade que o aluno tem de ter a melhor nota possível para entrar na universidade.
Os próprios alunos que querem prosseguir com estudos académicos chegam a um momento e só pensam nas notas, não é?
Eles estão habituados a isso desde criança e esta contaminação do teste já chegou ao primeiro ciclo. É péssimo porque já vêm formatados a estudar para o teste, a stressar quando fazem uma ficha… E os pais, quando eles têm 84, perguntam por que é que não tiveram 95. Isto é tão estúpido, tão idiota, as palavras têm de ser estas. Se as pessoas percebessem que aquele teste deu aquele resultado porque foi feito naquele momento por aquele aluno e foi classificado por aquele professor no momento em que classificou… Se tudo mudasse, a nota podia ser mais acima ou mais abaixo.
Mas temos alternativa aos testes e aos exames?
Claro que temos. Na avaliação interna temos todas as alternativas. Quando vamos às escolas entregamos aos professores uma lista com os instrumentos que podem usar na avaliação dos alunos: debates, participação oral, o teste em duas fases — faz hoje, é devolvida uma correção, o aluno reflete e tem oportunidade de fazer o teste de novo e isto não tem a ver com copiar, tem a ver com perceber se evoluiu ou não. Nessa listagem, os testes estão omissos e pergunta-se a frequência com que usam cada um deles. Aquele que salta logo à vista é a participação oral e que não tem valor nenhum. Estou com 30 alunos, uns respondem outros não: não controlo a frequência, a qualidade, os que não respondem por timidez. É de uma falta de fiabilidade atroz e de uma grande injustiça. A pergunta seguinte é que instrumentos usam quando vão avaliar. Repito as mesmas ferramentas, mas já aparece o teste. E o teste salta lá para cima. Se só avaliam com testes, os alunos estão formatados para testes. Os outros são só para inglês ver. No primeiro ciclo quase que não faria sentido haver testes. Se for a uma escola e perguntar quantos testes fazem sabe qual é a resposta? Seis, com dois em cada período.
Sim e é assim em todo o lado, não é?
Sim, mas por que é que fazem assim? A resposta é porque sempre fizeram ou porque o Conselho Pedagógico obriga. Ninguém consegue desmontar a razão. Sabe qual é?
Não faço ideia. Qual é?
Este modelo radica no tempo em que a avaliação não era contínua. Era a avaliação que fechava em cada período, de 0 a 20. No primeiro período tinha 12 valores, no segundo 14, no terceiro 9. No final do ano, somava tudo e dividia por três. Como o professor tinha de fechar a classificação a cada período, tinha os dois testes por período. A média dava a nota do período, a média dos períodos dava a nota final. Agora pense nisto: a avaliação não contínua acabou antes de eu começar a ser professor em 1978.
E isso tem a ver com a sala de aula que não evolui e que é uma crítica recorrente: dar aulas no século XXI como se estivéssemos no século XIX.
A sala de aula ficou parada no tempo. Os alunos aprendem mais facilmente cá fora do que lá dentro. E fica parada no tempo como fica presa à decisão política, e a decisão política é errática e não consegue acompanhar as mudanças. Mas isto não é um problema português.
Uma das mudanças que começa a ser pedida por alguns pais, nomeadamente pela Confap, é o fim da ditadura da nota.
Já se acabou com a ditadura da nota no Ensino Básico, com o fim das provas finais. Mas não se acabou com ela na avaliação interna e, aí, se calhar, é preciso aprender com a avaliação externa. Quando se fez a mudança em 2016, até pelo ambiente político tenso que se vivia, tive algumas dúvidas sobre a aceitação social. Na altura, fiz uma analogia: se forem ao pediatra e, no final da consulta, ele disser que a saúde do seu filho é de 80 numa escala de 0 a 100, nunca mais lá voltam. Na Educação é a mesma coisa, não tenho a informação que preciso. Aquilo que é útil é saber onde os alunos falham. Se eu disser que a Ana tem um problema de leitura vamos incentivar a leitura em casa. Se eu disser que a Ana teve 3, o pai não sabe nada. A ditadura da nota tem muito a ver com isto. Este aluno tem 4, mas é como dizia há pouco, um 4 significa 50 mil coisas diferentes.
Mas quando chegamos ao secundário é diferente. Fala-se muito de repensar o acesso à faculdade, mas os reitores dizem que precisam das notas dos exames.
Sem dúvida. Isto deve ser discutido. Continua a não haver articulação entre o que são os requisitos do Ensino Superior e o papel do secundário.
O secundário está refém dos exames?
Completamente refém e é até mais grave do que isso. São três anos da vida dos nossos adolescentes perdidos a estudar e a stressar para exames. Nem pensam em aprender. Pensam em desencadear uma estratégia, por mais errada que seja, para ter a garantia de que vão ter a melhor nota possível. E isto é muito disruptivo do ponto de vista de uma sociedade. O modelo de acesso ao superior precisa urgentemente de mudar. E o secundário não pode estar refém do superior, não deve haver este constrangimento.
Mas há soluções para o acesso às universidades?
Aqui há dois anos houve uma outra discussão, não passava por acabar com os exames, mas com os rankings dos alunos. Eu não tenho de entrar para uma lista onde fico de fora por uma décima, podendo ser um aluno brilhante. A minha proposta da altura era de que devia haver uma nota mínima para entrar no curso x, nem era muito disruptivo. Para medicina precisava de 16, por exemplo, e todos os alunos com aquela nota entravam. Qual é o problema? Posso chegar a um ano em que em vez de 100 alunos tenho 250 para entrar em medicina e isto levanta o problema de como conseguir absorver todos os estudantes. Depois teriam de se fazer ajustes, com certeza. E a maioria se calhar nem vai ficar em medicina e ao fim de um ano desiste. Anda tudo a lutar para entrar nos cursos e quantos alunos ao fim do primeiro ano se mantém neles?
Há pouco dizia que os exames não servem para certificar o sistema educativo nem como meio de ingresso na faculdade. Para que servem, na sua opinião?
O objetivo dos exames é certificar os alunos à saída do secundário, não servir de prova de ingresso no superior. Isso é uma derivação que distorce tudo. Acabar com os exames, ponha o ónus nas universidades de serem elas a fazer as provas. Era interessante fazerem provas públicas, expostas ao escrutínio que nós temos. Mas não há soluções perfeitas.
A OCDE deixou esse recado quando esteve em Portugal. A flexibilidade não casa bem com este sistema de exames e de acesso à faculdade.
Nós podemos ter uma avaliação externa que convive muito melhor com a interna, mais semelhante ao que acontece com as provas de aferição. O sistema de avaliação externa tem de ser completamente dissociado do acesso à universidade. É preciso um corte radical, mas os exames podem continuar. Não podem é servir para uma coisa para a qual não foram feitos porque vão ser sempre distorcidos. Imagine que amanhã dizemos que os exames não contam para o acesso, que ele tem de ser feito por outra via — sistema de entrevistas, carta de motivação, portfólio, o que for. Claro que põe uma carga de trabalho enorme do outro lado. Aqui é que há facilitismo das universidades. Mas era preciso um grande consenso nacional e parlamentar para mudar.
Se não foram pensados para o acesso ao Ensino Superior, qual é o objetivo dos exames?
Têm duas grandes finalidades: ser um fator de regulação das escolas porque as ajuda a perceber quão distantes estão da média nacional. Somos o único país do mundo que dá resultados com este nível de desagregação às escolas todos os anos. O segundo é complementar: dar às escolas informação que lhes permita atacar os seus problemas. Mas os professores precisavam de ter tempo para respirar, para no início do ano olhar para os relatórios e desenhar estratégias.
Com tudo o que já disse, parece-me que defende que está na altura de largarmos a educação de massas e pensar numa educação mais feita à medida.
A primeira fase foi essa, temos de pôr todos dentro do barco da Educação. Na minha altura, só 10% dos portugueses terminava o secundário. Agora, não conseguimos pôr todos no barco mantendo o nível lá em cima, é impossível. É muito difícil casar as duas coisas. Houve, de facto, um tempo para acolher as massas e as massas ainda não estão todas convencidas de que a escola é o sítio onde têm de estar durante 12 anos. Mas a escola tem de criar condições atrativas de aprendizagem. Esse é o desafio. E já estamos atrasados: é elevar, criar condições para que todos globalmente sejam melhores.
Hoje em dia falamos muito de 2030 que é o ano em que os alunos que estão hoje a começar a escolaridade obrigatória vão acabá-la e estarão a um passo da vida ativa. Temos de prepará-los para a imprevisibilidade do futuro?
Sabemos muito pouco sobre o futuro, o que vai ser, que empregos existirão. O que temos de fazer é preparar as crianças para serem flexíveis. Vão ter de aprender ao longo da vida, vão ter mudar de profissão, ter estratégias de vida e isso tem de ser construído em família e na escola. E a escola tem de complementar o que a família não consegue fazer. As famílias têm de perceber que não podem estar à espera que a escola que os filhos têm seja a escola que eles tiveram.
Vamos terminar esta conversa na flexibilidade que foi onde começámos. Vai ser um desafio para o IAVE fazer exames para a flexibilidade, quando todas as escolas vão poder gerir parte do seu currículo?
Não vai haver exames para a flexibilidade. Os exames vão continuar no caminho onde já estão. Este ano já houve evidências disso: cada vez mais o centro das questões tem de estar muito mais preso aos documentos de suporte. E os alunos têm de estar treinados para serem capazes de recolher informação e trabalhá-la. Tem de haver aprendizagem. Não vamos fazer nada de novo, vamos é tendencialmente dar mais peso a estes processos mais complexos e isso tanto é válido para uma escola em flexibilização como para qualquer outra.
Estar na flexibilização a zero ou a 25% não vai fazer diferença?
Nenhuma. Tem é de haver consciencialização das famílias, dos professores e dos alunos de que se chegam ao exame sendo apenas capazes de ir ao seu arquivo retirar a informação não vão ter sucesso. A informação, quando é retirada, tem de ser trabalhada, interligada e associada à questão com que estão a ser confrontados.
Não vai haver ruturas em termos de estrutura.
Vê alguma luz ao fundo do túnel para a Educação, para a melhoria do desempenho dos estudantes, com a flexibilização?
O que vejo é que há uma consciencialização de que a aprendizagem verdadeiramente importante é aquela que permite aos alunos ter um bom desempenho nos exames — e não é aquela que é memorizada e que desaparece ao fim de algum tempo. A aprendizagem tem de estar alicerçada em processos cognitivos mais complexos e qualquer ser humano consegue chegar lá se for treinado nesse sentido. Todos somos capazes de pensar. Se isto conseguir ser feito de uma forma tão generalizada quanto possível vamos ter com certeza boas surpresas. Um aluno que tenha feito aprendizagens significativas não tem de estar preocupado ou a preparar-se para os exames. Vai sempre fazê-los de forma tranquila. O aluno que está focado no treino para o teste, na formatação da forma de aprender, centrado na memorização, vai sempre ter dificuldades. Sempre. Aqui ou em qualquer outro sítio.
Fonte: Observador por indicação de Livresco
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