terça-feira, 7 de agosto de 2018

Esclerose Lateral Amiotrófica: deixar de estar preso no próprio corpo

É no meio da tranquilidade e da natureza que Albino Medeiros e Elsa Teixeira vivem, em Azeitão. A porta entreaberta deixa que o sol aqueça as divisões de uma casa onde a luta pela qualidade de vida é diária. Cá fora, paz e silêncio acompanhado do chilrear de pássaros num verão envergonhado. Lá dentro, conforto, dedicação e amor. Três ingredientes para que a família lide com os desafios de um diagnóstico que veio em 2015. Albino tem Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença neurológica degenerativa, progressiva, que se vai tornando incapacitante ao longo do tempo e para a qual ainda não é conhecida cura.

Não foram as queixas musculares que mais assustaram Albino. Afinal, jogava futebol e era natural que o corpo se ressentisse, sobretudo na zona dos gémeos. A apreensão começou a ganhar forma quando passou a sentir fraqueza em todo o lado direito do corpo. Seguiram-se alguns tempos de espera, a procura de alternativas, a realização de exames, e a chegada de um diagnóstico frio, em Coimbra, numa consulta. Albino estava sozinho. O casal está junto desde 1999. Albino tem hoje 59 anos, Elsa 47, e ambos têm uma filha de 15. A vida mudou radicalmente. “Nem vale a pena ficar a pensar no passado, não adianta”, diz Elsa que passou a ter um novo papel, o de cuidadora informal do marido.

Seguiu-se um ano de grande aposta profissional. “Ele agarrou-se ao trabalho para não pensar na doença”, refere Elsa. Albino foi professor de Hidrologia na Universidade Nova de Lisboa, profissão que teve de deixar de exercer. No entanto, e apesar de ter direito a solicitar reforma antecipada, continua a trabalhar na empresa que criou com a mulher, na área de hidrogeologia, em 2005.

Também Elsa foi professora de Biologia e Geologia do ensino secundário até solicitar baixa psiquiátrica por não aguentar a pressão: “O trabalho de docente é muito exigente e eu acordava várias vezes de noite para ajudá-lo. O primeiro ano correu bem porque ele não precisava tanto de apoio, mas, quando a doença começou a agravar-se, sentia que não conseguia fazer nada bem.” Atualmente, é o braço direito do marido também a nível profissional.

Apesar da tristeza e do sofrimento que sente desde o momento do diagnóstico, é com um enorme sorriso que Elsa fala da doença, das mudanças que a mesma trouxe e do papel de cuidadora. Conta também com a ajuda de Diane, uma cuidadora formal que teve possibilidades de contratar e que tem sido um apoio essencial no processo.

Comunicar e expressar vontades

Os sintomas da doença vão-se intensificando e com eles a diminuição de algumas faculdades. Albino é totalmente dependente de terceiros em todas as atividades de vida diária, à exceção da comunicação, em que é autónomo com a ajuda de algumas tecnologias e equipamentos. Mantém todos os sentidos ativos, assim como a capacidade cognitiva. No dia da visita (...) a sua casa ainda era alimentado por sonda nasogástrica, estando marcada para breve uma cirurgia para passar a receber alimentação diretamente pelo estômago através de uma PEG (gastrostomia endoscópica percutânea).

Para aprender a lidar melhor com a doença e perceber como poderia ser uma ajuda na hora de cuidar, Elsa participou numa formação para cuidadores promovida pela Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA).

Albino é hoje um dos beneficiários do projeto “ELA em contacto”, que valeu à associação o primeiro prémio, “ex aequo” com a Associação para Recuperação de Crianças Inadaptadas de Oliveira do Hospital (ARCIAL), em novembro do ano passado, na 8.ª edição do Prémio BPI Capacitar. O projeto disponibiliza produtos de apoio e soluções de comunicação com recurso a novas tecnologias, além de ensinar estratégias de intervenção adaptadas à patologia.

O valor atribuído, 50 mil euros, tem garantido o apoio a utentes cuja distância ou circunstâncias da doença não lhes permite o acesso à avaliação multidisciplinar promovida pela instituição. Desde início de 2018, a APELA já ajudou 90 doentes, estimando-se ser possível chegar a 400 beneficiários indiretos, como familiares, cuidadores e técnicos de saúde. “O importante é que o doente comunique e possa dizer aquilo que sente em vez de estar fechado dentro de si mesmo. Uma pessoa que está o dia inteiro presa no seu próprio corpo, com um computador, pode viajar, ver outras realidades, ler…e, essencialmente, expressar as suas vontades”, garante Pedro Souto, presidente da APELA.

Por passar grande parte do dia na sua cadeira de rodas elétrica, e devido ao facto de a comunicação de Albino já não ser percetível para a maioria das pessoas, a associação conseguiu disponibilizar um equipamento que lhe possibilita interagir com o mundo através do olhar. “Tem sido gratificante”, responde, quando questionado sobre a nova forma de contactar com os outros.

Marta Pinto, terapeuta da fala na associação, destaca as mais-valias desta solução: “Um dos aspetos fundamentais para o Albino é que o ecrã do seu computador pessoal pode ser ajustado e ele consegue trabalhar.” Elsa reconhece a diferença que este equipamento veio trazer às suas vidas: “Ele precisa de explorar cada função até ao limite. As coisas podem demorar muito mais tempo mas há que lhe dar espaço para tentar até que sinta que é capaz.” A aprendizagem tem sido constante.

Viver todos os dias como se fosse o primeiro

Pedro Souto tem 42 anos e o diagnóstico de ELA chegou em 2015, como aconteceu com Albino. “Era completamente independente e hoje dependo de toda a gente para comer, para beber, para me sentar na cama, para ir à casa de banho, para tudo”, conta. A doença trouxe-lhe a incapacidade de mexer as mãos e obrigou-o a deixar a profissão de consultor informático.

A única alternativa foi reformar-se, mas quis tornar-se útil, acabando por candidatar-se ao cargo de presidente da APELA. Ganhou as eleições em 2016. “Esta foi a forma que encontrei de lutar, de me manter ocupado e de poder ajudar doentes como eu a ultrapassar as dificuldades”, explica. O apoio da mulher e das duas filhas, Rita, de sete anos, e Raquel, de 16, tem sido essencial. “Dão-me toda a força. No caso da Rita, já não se lembra do pai a andar.”

Pedro não se resigna: “Temos de viver todos os dias como se fosse o primeiro e tirar o melhor partido do que é possível. Lidar com esta doença é sobretudo uma questão de encaixe e de perceber o que é melhor: viver ou definhar? Neste momento, eu prefiro viver.”

Relativizar é palavra de ordem no dia-a-dia de Elsa e Albino. Se tivesse que escolher uma mensagem para outros cuidadores, Elsa diria: “Continuem a ver o seu ente querido como sempre o viram. Sejam pacientes. Isto não tem de ser um sofrimento constante.” Desfrutar do presente e não ficar agarrado ao passado também pode atenuar as exigências. “O que tínhamos antes deixou de ser possível. Surgem outras oportunidades e temos de estar recetivos às mesmas. Há que tentar aproveitar ao máximo aquilo que ainda temos para usufruir”, conclui.

O apelo da APELA

A APELA foi fundada em 1997 com o objetivo de sensibilizar um pequeno grupo de doentes. Em 2009 ganhou o estatuto de Instituição Particular de Solidariedade Social, e dois anos depois abriu as suas primeiras instalações físicas, nas Olaias. Em 2015, começou a prestar serviços de fisioterapia. Pedro Souto candidatou-se às eleições e ganhou em novembro de 2016, momento que coincidiu com a disponibilização de sessões de psicologia, nutrição, terapia da fala e um banco de produtos de apoio à comunicação e à mobilidade.

Nesse mesmo ano foi inaugurado um polo no Porto, onde a associação presta os mesmos serviços. Com cerca de mil associados, 236 deles doentes, a APELA precisa de donativos, apoio monetário e de sócios, de forma a dar vida aos vários projetos em curso. “Vamos abrir uma campanha de angariação de voluntários no próximo ano porque sentimos que existem doentes que precisam de companhia para ler, para conversar ou simplesmente para estar”, explica o presidente. Para mais informações, aceda ao portal da APELA.

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