terça-feira, 28 de agosto de 2018

SURF ADAPTADO. HÁ MAR E MAR, HÁ IR E SURFAR

Paraplegia, paralisia cerebral ou Trissomia 21, não importa. No mar, em cima de uma prancha, são todos iguais; o radical Garrett McNamara, a antiga campeã nacional Teresa Abraços ou Nuno Vitorino, presidente da Associação Portuguesa de Surf Adaptado, que aos 18 anos sofreu um acidente que o colocou numa cadeira de rodas. Hoje percorrem juntos algumas das melhores praias do país e desafiam todos a surfar pequenas e grandes ondas, tenham seis ou 88 anos, "desde que acompanhados pelo pai".

Começam a chegar à praia pelas oito da manhã e é fácil distinguir o grupo pelas cadeiras de rodas, pelas pranchas de surf, algumas adaptadas, pelos fatos de neoprene e até pelos voluntários. As inscrições para a aula aberta arrancam às nove, mas até lá é preciso preparar terreno, nada é deixado ao acaso. São esperados cerca de 80 participantes, segundo o presidente da Associação Portuguesa de Surf Adaptado, Nuno Vitorino, "mas numa praia mais longe podemos ter dez, 15, 20 pessoas ou apenas duas, se for nos Açores. O número não nos interessa, não queremos encher chouriços, o que temos é de cumprir o nosso objectivo, dar tudo a quem vem".

E ir implica uma logística. Para começar, um grupo animado de monitores especializados, voluntários vindos de vários pontos do país e do estrangeiro, surfistas e não só, que carregam pela areia uma quantidade infindável de material de apoio e empurram a cadeira de Nuno Vitorino, sempre ligado a um walkie-talkie, fazendo parecer a tarefa fácil.

Na véspera um dos organizadores, João Almeida, foi obrigado a ir à Nazaré e voltar, e naquela manhã já tinha estado nas Caldas da Rainha, tudo por causa das licenças obrigatórias: "Infelizmente, nem todos funcionam no mundo digital. Nas capitanias não respondem a emails, imprimem os pedidos e fazem uma pilha de papel na secretária. O nosso ficou lá no fundo e, como ninguém atende telefones, tive de andar a saltitar de um lado para o outro para conseguir uma assinatura".

Nas câmaras municipais é mais ou menos a mesma coisa: como nas capitanias, cada cabeça sua sentença. As licenças não são um pormenor, sem elas nada feito. São essenciais para o grupo poder andar de praia em praia a levar gente para o mar. E não só. Felizmente, "cobraram-nos o preço mais baixo, cerca de dois euros por metro/dia. As capitanias tratam apenas da licença de mar e de surf e é nas câmaras municipais que se trata das estruturas na areia e da publicidade. A maioria dos municípios tem licenciamento zero, pedem-nos apenas a licença da capitania e quando percebem que são acções de inclusividade no desporto até se disponibilizam para ajudar", conta João.

De resto, explica Nuno, "temos fatos, pranchas, coletes, pessoal técnico, tudo o que é preciso para quem vem surfar connosco. As pessoas só têm de trazer disposição para entrar na água".

Hoje o mar não está tão impecável quanto um surfista poderia desejar e Nuno jádecidiu que não vai à água: "Já viu a trabalheira só a despir e vestir? Mas amanhã, na Ericeira, não falho". Esta semana vai ser toda assim.

Trata-se de uma acção de activação de marca da Buondi, "que permite à associação ganhar dinheiro para ir financiando a sua actividade". Neste dia a primeira hora é para séniores – "a minha mãe também há de vir aí, já se estava a fazer ao piso" - a seguir é a vez do surf adaptado e, no final, do público em geral. À tarde a cena repete-se.

Do acidente ao regresso à água

Nuno fez bodyboard entre os 12 e os 18 anos. "Aos 18 anos sofri um acidente com uma arma de fogo". Foi no dia em que passou no exame de código. Já em casa perguntou a um amigo dois anos mais novo se queria disparar uns tiros com uma arma que ali tinha e, sem saber que estava carregada, o outro premiu o gatilho e disparou o tiro fatal.

A mãe não esquece. Trabalha a dias e estava em casa da patroa que tem há já 40 anos quando lhe telefonaram da polícia a dizer que Nuno estava no hospital. "O Nuno era muito protegido por mim, estava sempre a recomendar-lhe que tivesse cuidado a atravessar a estrada, que não ficasse na rua, que fosse para casa. E só queria saber se ele tinha sido atropelado, mas o polícia insistia em não me dizer mais nada, que fosse para Santa Maria e me dirigisse ao posto da PSP. Quando cheguei disseram-me que tinha levado um tiro do amigo, ali preso, coitadinho, sentado numa cadeira a vê-los. Disse que não queria o miúdo preso, responderam-me que tinha de ser. Depois fui por um corredor e um médico perguntou-me se era a mãe do Nuno, se queria vê-lo. "Quero". "Vá ali vestir uma bata branca". Depois pôs-me a mão no ombro – parece que estou a ver - e diz-me: "A senhora tem de ter muita calma, não sabemos se o Nuno vai sobreviver". Olhei para o tecto e disse: "Oh, meu Deus, ajuda-me. Não posso perder outro, não posso perder outro, não posso perder outro".

É que a mãe de Nuno já tinha perdido uma filha. Ana nasceu quando Nuno tinha seis anos, com Trissomia 21, e morreu com quatro, precisamente em Santa Maria. "Quando vi o Nuno, a primeira coisa que ele me disse foi: "Ó mãe, não tens sorte com os filhos". Falava muito bem, parecia que não tinha nada", conta.

Três dias antes do acidente do Nuno, a 7 de Maio de 1995, houve um desastre em Alvalade, quando o Sporting recebia o Futebol Clube do Porto: a queda de um varandim provocou duas mortes e dezenas de feridos. Estavam todos em Santa Maria e por esse motivo não era permitido à família estar muito tempo nas salas. Foi pelos corredores do hospital que a mãe de Nuno conheceu outras tragédias.

Nuno acabou por ser transferido para o Hospital de São José, onde esteve quatro meses e dois dias. "Fomos muito bem tratados. Eu passava lá o dia inteiro, levava comida de casa, entrava às dez ou onze horas e só saía às seis da tarde". Dali foi para Alcoitão, onde esteve um mês e meio, e os tempos não foram fáceis: "Fomos muito maltratados pela médica, que era a directora. O Nuno diz que eu estava mal habituada porque me encheram de mimo em São José, mas eu digo que nos trataram mal".

"Eu tinha uma ilusão, achava que ele ia voltar a andar, pensei que ia recuperar com a fisioterapia e com a piscina. "Tu vais andar", dizia-lhe eu. A mãe de Nuno confessa que, no desespero, fez tudo. "Isto que lhe vou dizer não se diz, mas fui a todo o lado, não houve onde não tivesse ido". Todo o lado é a bruxas e adivinhas, gente de rezas e de mezinhas. "Toda a gente me dizia que ele que ia voltar a andar, bastava que quisesse. Foi uma luta que tive, até que deixei de lutar e disse ao Nuno: "Agora luta tu. E foi quando ele começou nisto", diz.

O nascimento da Surf Addict

Isto é a Associação Portuguesa de Surf Adaptado e o objectivo de levar deficientes para o mar. A Surf Addict, como é conhecida, não é uma escola. "O que fazemos é ensinar as escolas a dar aulas de surf adaptado, que é a forma que temos de chegar a todo o lado, de outra maneira seria impossível. Estamos a montante, a dar formação. De resto, nem todas as escolas estão vocacionadas para dar aulas de surf a deficientes nem querem – nem têm de querer – fazê-lo. Temos neste momento cinco ou seis profissionais acreditados com este nível de especialização. E nunca iremos cobrar a pessoas com deficiência para entrar dentro de água, porque o peso de ter uma deficiência já é oneroso por si só".

Como é que Nuno teve esta ideia? "Fui para a piscina fazer reabilitação e, a certa altura, o meu treinador disse-me: "Se é para treinar, é para treinar a sério. Já não voltas a andar, então tenta ser um bom atleta". Acabou com uma participação nos Jogos Paraolímpicos de 2004, em Atenas. "Não havia, nessa altura, uma cultura desportiva, que exige uma preparação intensa desde o tempo da escola. Quando chegávamos à competição vacilávamos um bocadinho. E há todo um treino mental que não temos, nos Paraolímpicos éramos 40 mil, Portugal não podia estar entre os melhores do mundo".

Em 2006 Nuno abandona a alta competição. "Pensei que nunca mais ia voltar à água". Mas voltou. "Um dia estava em Carcavelos e comecei a sentir uma grande vontade de voltar para dentro de água, de viver o mar. E disse aos meus amigos que queria voltar a surfar. Pensei que iam demover-me, mas fizeram o contrário: "Embora aí". Foi uma loucura, meteram-me dentro de água e não correu bem". Em vez de desistir, foram para casa pensar no que tinha corrido mal, como poderiam criar um plano mais estável e, devagarinho, começaram a estruturar as coisas. Nesse mesmo dia pensou: isto é muito egoísta, agora posso surfar quando quiser, mas temos de fazer isto para todos. E fizeram.

O pai do Nuno morreu há dez anos, mas "se fosse vivo ia ter muito orgulho", declara Joaquina, sempre a sorrir. "Agora sim, vejo vida. O Nuno é muito parecido comigo, muito, luta, luta... Gosta de ajudar os outros. Isto do surf para a terceira idade é por mim, para me ajudar a mim, que a partir de 28 de Abril entro na terceira idade [risos]", assegura. E estanca a uns metros da água para confessar que tem medo da água. "E se eu caio?" É do Alentejo, de Cabeção, e nunca aprendeu a nadar. "O Nuno é que aprendeu a nadar aqui, em Carcavelos, para onde vinha com amigos".

Mas Joaquina é de fibra e em Setembro resolveu inscrever-se numa piscina. "Depois tive medo e em Julho desisti. Parece que no mar não tenho medo, mas na piscina sentia uma angústia enorme e já nem me apetecia levantar de manhã, sempre nervosa. Até que disse: "Acabou!" Mas aqui meto-me em cima da prancha. Sabe o que penso? Se o Nuno consegue eu também consigo. E não tenho medo, por causa deles". Aponta para os monitores e voluntários que já estão dentro de água a surfar com os séniores, mais elas do que eles. "Se acontecer alguma coisa, agarro-me a eles. Dão-me muita segurança".

A experiência de uma campeã

A primeira inscrição na praia é de uma mulher de 43 anos. Depois seguem-se várias, sobretudo de crianças, mas também de muitos adultos, animados pela boa disposição do grupo e também pela presença de Garrett McNamara, que na água ajuda o filho de quatro anos e um equilíbrio perfeito em cima da prancha. De Mafra vem um grupo já costumeiro de amigos da Surf Addict, rapazes e raparigas com diversos tipos de deficiência, desde Trissomia 21 a paralisia cerebral. Chegam a dar os bons dias, desejosos de entrar na água.

Ainda em terra experimenta-se uma cadeira nova, tipo espreguiçadeira com rodas, própria para transportar até à água aqueles a quem falta mobilidade. É uma cadeira pensada para uma pessoa ser o mais autónoma possível, mas, afinal, parece não ser assim tão fácil de manobrar. Entre gargalhadas e chistes – "esta cadeira deve ter sido feita por um deficiente" – o grupo começa a ficar composto. Está na hora do surf adaptado e as senhoras com mais de 65 anos têm de dar a vez. Hilário tem Trissomia 21 e é dos primeiros a entrar na água: a mesma adrenalina, o mesmo riso contagiante, pura terapia.

Teresa Abraços, ex-campeã nacional de surf e número três na Europa, fala com paixão. Para fazer surf adaptado é apenas preciso "força de vontade". Está na Associação Portuguesa de Surf Adaptado desde 2012, depois de ter visto uma reportagem e ter achado que podia ajudar com a sua experiência e contactos. "Acima de tudo, temos de ter maior sensibilidade e mais cuidado, estou constantemente a pedir feedback ao surfista: se tem frio, se está confortável, se dói alguma coisa. O resto é tudo normal e o objectivo é mesmo esse, que essas pessoas se sintam normais".

É ela a monitora de Maria, uma pequenita que nasceu com paralisia cerebral e a quem os médicos fizeram um prognóstico reservado: não iria falar nem andar. Mas fala perfeitamente e anda, ainda que com limitações, depois de muita fisioterapia e determinação da família. O surf também está a ajudar. "É muito engraçado ver a evolução à medida que vão ganhando confiança. A Maria está mais ousada, mergulha com a cabeça na água e quando tomba já não se assusta. Colocamos sempre um colete, por segurança", descreve.

No caso da paraplegia são necessários dois monitores. Mais tarde vemos Teresa a ensinar Hilário, que se voltou, a tirar a prancha de cima de si e a colocar a cabeça fora de água. O mar está calmo, alguns carneirinhos fazem as delícias do público, pouco habituado a estas lides.

Não há limite de idade para a prática de surf. Um voluntário diz a sorrir que "as inscrições são dos seis aos 88, mas neste caso tem de vir acompanhado pelo pai". O primeiro surfista português, Pedro Martins, tem mais de 80 anos e costuma dizer que "o surfista não envelhece, a prancha é que vai aumentando de dimensões".

A idade é um preconceito, diz Teresa, "um disparate". E conta: "Caiá tem 43 anos, Trissomia 21, 1,49m e pesava 79 quilos quando o conheci - agora pesa 71/72 Kg. Além da Trissomia tem uma lesão cerebral, nasceu com o cordão umbilical à volta do pescoço e por momentos o cérebro não oxigenou. Mas é um espanto e o pai estimula-o muitíssimo. Tem 68 anos, é todo para a frentex, e decidi pô-lo a fazer surf para saber o que o filho sente. A primeira onda que apanhou empurrei-o, chegou à beira-mar e parecia um miúdo. Agora está sempre a gozar comigo: "Senhora professora, quando é a aula para cotas?""

Estas sessões são muito mais do que surf, servem também para mostrar que todas as pessoas podem vir para a praia, usufruir do mar e fazer as coisas que os restantes banhistas fazem. Se antes eram olhados com curiosidade, hoje já há quem torça por eles. "Às vezes vêm ter comigo: ah, tenho um afilhado que é deficiente, não sabia que também podiam fazer surf", conta Teresa. Podem e devem.

Teresa tem muitos anos de competição, começou há 35, ainda não havia mulheres no surf em Portugal. Quando soube deste projecto, ainda não existia a Associação, voluntariou-se para o que fosse necessário, "queria dar alguma coisa de mim". Tanto que largou o emprego de uma vida, na TAP Air Portugal, onde geria rotas o dia inteiro, fechada num gabinete. Eram outros voos e hoje dá aulas de surf para poder patrocinar o voluntariado.

"Digo muitas vezes ao Nuno que entendo o seu trabalho, que sei o que é lutar contra o preconceito. Quando comecei a fazer surf o meu papel também foi de inclusão das mulheres neste mundo, que era só de homens. Em 1980 não estávamos longe do 25 de Abril e do tempo em que a mulher ainda só podia viajar com autorização do marido. Não se viam mulheres a andar de bicicleta e muita gente não sabia sequer o que era o surf. Viam-me passar com a prancha debaixo do braço e pensavam que ia fazer windsurf, na altura passava a novela brasileira "Àgua Viva", e perguntavam-me pela vela", diverte-se.

"Deixei de competir porque precisava de tempo para mim e entre o trabalho e as competições quase não restava nada", explica Teresa. "Mas se a mim o surf me dá tanta alegria, imagino para quem quase só sonha poder sair de casa. Penso que no mar as pessoas esquecem completamente a deficiência, é liberdade total".

Muitos abalos, tantas histórias

Em Carcavelos, como nas restantes praias, junta-se sempre um grande grupo e todos sabem as histórias uns dos outros. Da Sara, que teve um acidente de automóvel há sete anos e uma filha há dois, do Carlos Santos, que se despistou de mota em 2001, ou de Joaquim Delgado, atleta de alta competição que ficou tetraplégico a fazer um triplo mortal. "Este é o nosso quintal".

E é ali, no jardim de ondas, que procuram a normalidade. "Tenho sorte porque trabalho aqui perto e a hora de almoço é sagrada, tenho de vir ao quintal. E não é só no Verão, é também no Inverno", afirma Joaquim. Chamam-lhe o rei da praia de Carcavelos e toma banho até sem fato.

"Tenho muito a mania de ir para longe e no Inverno ia ter com os surfistas, eu em fato de banho, eles de fatos completos. A primeira sensação que tive é que a prancha ia para um lado e eu saia pelo outro, mas experimentei e gostei. Sou muito aventureiro, mas um aventureiro consciente".

Joaquim Delgado era atleta de alta competição e tinha tudo menos uma vida sedentária. Nisso não mudou. "Tenho tantos anos de acidente como o Carlos tem de vida", diz. Carlos é de 1977 e o acidente de Joaquim foi em 1979. Na altura não havia nada adaptado, mas como estava habituado ao meio da ginástica de competição, no primeiro fim-de-semana em casa foi logo dar aulas de rítmica. "Comparado com o que existia antes em termos de adaptação, hoje temos uma vida de luxo. Mas ninguém está preparado. As cadeiras de rodas não vinham para a areia, eu descia a rampa, saltava para a areia e ia sozinho até à água. Chegava a fazer este percurso cinco vezes para ir ao banho. Quando a maré estava vazia era muito difícil, tinha de andar de costas e as pessoas não se desviavam", testemunha. Em 1981 correu todas as praias de Sesimbra para sul e mergulhou em cada uma sem a ajuda de ninguém. Um espécie de grito do Ipiranga.

Carlos Santos conhece Nuno Vitorino há uns bons anos. "Foi ele que me convidou a experimentar o surf. Desde então, sempre que posso e que estou disponível venho aos encontros organizados pela Associação.

Como Carlos, Sara teve um acidente de viação, não de moto, mas de carro. Aconteceu mais recentemente, há sete anos. Fala "neles" e em "vocês" para distinguir deficientes e normais. Faz surf adaptado há cinco anos, começou com a Associação Salvador. A mudança em termos desportivos também foi grande: "Eu dançava, era o meu trabalho. Tive de trocar de profissão, mudar tudo. Era bailarina e animadora de cruzeiros". A dança e o kickboxing eram tudo para Sara. "Tentei vários desportos adaptados e o surf veio pela sensação de liberdade. É uma coisa que quase consigo fazer autonomamente, é quando me sinto mais livre".

O processo de adaptação não é igual para todos. O trabalho foi e continua a ser uma das maiores dificuldades. "Não penso que as pessoas tenham uma mente fechada, o que me parece é que os edifícios não estão preparados e nem têm condições para ser adaptados. Por isso, e com medo da legislação, as empresas preferem não dar trabalho a pessoas com mobilidade condicionada a ter queixas na ACT".

"A família e os amigos ajudaram-me muito. Mas passei pelas fases todas, a revolta, o não querer aceitar, até cheguei a pensar suicidar-me, não queria ficar assim. Depois pensei: tenho duas hipóteses, matar-me ou levantar a cabeça e andar para a frente. Optei pela segunda e aprendi a viver desta maneira". Hoje diz que tem uma vida relativamente normal, embora diferente dos que têm mobilidade completa. "As coisas têm de ser mais planeadas, mais organizadas. Um dos problemas é que muitas vezes os sítios dizem que são adaptados, mas não são. A primeira vez que tentei estar sozinha fui passear para a vila de Peniche e foi um filme, entre hotel, escadas e pedras da calçada". Mas conseguiu. Tem carro adaptado, "sem elevador, porque é muito dinheiro", e pede ajuda a quem passa: "Desculpe, podia meter a cadeira no carro?" ou "Podia tirar a cadeira do carro?" "E tenho uma filha de dois anos, a Bianca, a quem amamentei e que sobe para a cadeira para brincar comigo. Tive uma gravidez normal, a sensibilidade é diferente, até a sensibilidade interna, mas senti a Bianca e no hospital foram impecáveis", recorda Sara.

Não é à toa que o lema da Associação é: "Não queremos saber se é difícil, apenas se é possível".

Surfar pela Europa

A Associação tem vindo a crescer de dia para dia. Hoje chegam pedidos da Finlândia ou da Polónia, muitas vezes a perguntar se têm campos de férias. "Como não temos fins comerciais, não temos uma estrutura que nos permita receber 20 pessoas em cadeiras de rodas vindas da Polónia. Se a viagem coincidir com um evento, no entanto, todos são bem recebidos", garante Teresa.

A Surf Addict realiza por ano, entre Abril e Setembro, cerca de seis a oito acções em praias nacionais. Este ano a última está programada para o dias 15 de Setembro, na praia de Carcavelos. Mas há outras, pedidas por diversas organizações, como a que está prevista para 8 de Setembro, também em Carcavelos, em parceria com o Parlamento Europeu, que vai fazer uma campanha a lembrar a importância do voto nas eleições europeias, que terão lugar de 23 a 26 de Maio de 2019.

De fora vêm também voluntários, como Lukas Kanne ou Lara, dois surfistas alemães. Lukas vive em Hamburgo, trabalha na área a contactou a Associação para saber se poderia ajudar. Gostou tanto da experiência que sempre que está de férias vem a Portugal para surfar e participar nas aulas abertas.

E este é o grupo que acompanha Nuno Vitorino nesta aventura de levar portugueses e estrangeiros para dentro de água. Confessa que sem a ajuda de todos a tarefa seria impossível. Até porque hoje se ressente mais: "É a PDI, ando mais cansado. Tenho 41 anos e desde o ano passado sinto vontade de dormir à tarde, preciso de férias", ri-se.

Não é de admirar. Nuno é informático na Câmara Municipal de Lisboa, "um patrão ausente". E recentemente licenciou-se em Relações Internacionais pelo ISCSP. "Tinha o 9.º ano e chateava-me ir a palestras e serem todos doutores e engenheiros e eu ser o outro. Sousa Lara foi meu regente de curso, adorei. Tem aquele ar de quem se mete com as miúdas todas, mas é uma grande cabeça. E tem aquelas coisas de direita e eu achava graça a uma pessoa de esquerda como eu ir tirar um curso numa faculdade de direita".

Mesmo numa cadeira de rodas, Nuno já teve os seus sustos. O pior de todos aconteceu na praia de São Lourenço, na Ericeira, quando apanhou com uma onda e saiu da prancha. "Fiquei sem nada lá de baixo, o colete a querer sair e eu a abraçá-lo... Depois foi controlar-me para não entrar em pânico". Os outros ouvem a história e dizem que o susto foi deles. Nuno garante que já estavam todos contentes, a fazer a contagem decrescente, como no boxe. A mãe Joaquina é que não pode saber destas histórias, para não se afligir. Mal sabe Nuno que o desejo da mãe é um dia saltar de pára-quedas. É assim o gosto aventureiro, filho de peixe sabe nadar.

Fonte: SAPO24 por indicação de Livresco

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