Portugal é o país da Europa “que mais associa chumbar com um baixo estatuto socioeconómico e cultural da família”, alerta-se num estudo sobre a retenção no ensino básico e secundário apresentada nesta segunda-feira. O estudo foi feito em parceria entre o Conselho Nacional da Educação (CNE) e a Fundação Francisco Manuel dos Santos, no âmbito do projeto aQeduto, que se propõe explicar a evolução dos resultados dos alunos portugueses nos testes PISA. Estas provas são promovidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) para avaliar a literacia dos jovens aos 15 anos em matemática, leitura e ciências.
Com base nos inquéritos realizados no PISA de 2012, o último com dados divulgados, os autores do estudo constataram que 87% dos alunos portugueses de 15 anos, que chumbaram pelo menos uma vez, “vêm de famílias de estratos económicos e culturais abaixo da média”, enquanto na Holanda, que também tem uma taxa de reprovações alta, “existe praticamente paridade de chumbo entre alunos de classes sociais mais e menos abastadas”.
Isto significa, frisa-se, que “as escolas portuguesas parecem estar a ser incapazes de fazer um trabalho de nivelamento de oportunidades”, uma das principais missões que tem sido atribuída ao sistema educativo. Por outro lado, a análise dos resultados obtidos pelos alunos que já chumbaram confirmam uma tendência geral detetada nos testes PISA e que é a seguinte: “os alunos que repetiram pelo menos um ano têm resultados muito abaixo dos seus pares que nunca repetiram”.
No concreto, os jovens portugueses de 15 anos sem um percurso com chumbos tiveram, no PISA de 2012, “resultados médios muito acima da média (530), mas os alunos que já repetiram atingem resultados médios muito baixos (411)”. Tendo como base apenas os resultados obtidos em literacia matemática, há também este dado apresentado como “preocupante”: “dos alunos que chumbam apenas 40% conseguem resultados iguais ou superiores ao nível 3 (482,4), ao passo que entre os alunos que nunca chumbaram este número cresce para 74,5%”.
O desempenho dos alunos no PISA é avaliado de dois modos. Os resultados nacionais dos países participantes são calculados com base numa escala de zero a 1000, sendo que a média geral ronda os 500 pontos (dois terços dos alunos têm obtido entre 400 e 600). Estes resultados são depois distribuídos por seis níveis de proficiência, sendo o nível seis o mais elevado. O nível dois é entendido como o mínimo que os alunos devem atingir. Abaixo dele considera-se que os jovens não têm as competências mínimas necessárias para uma participação ativa e eficaz na sociedade, por demonstrarem muitas dificuldades em realizar mesmo as tarefas mais simples do dia-a-dia.
Ora, em Portugal, entre os alunos que já chumbaram, “apenas 14% conseguiram ter um desempenho de nível 3 ou mais nos testes PISA, enquanto os que se ficam por níveis de proficiência de zero ou abaixo de zero atingem os 21% e os 36%, respectivamente”, destaca-se no estudo patrocinado pelo CNE e pela FMMS. No qual se acrescenta que, dos países com maiores tradições de chumbo, apenas a Holanda está a conseguir que estes recuperem o atraso, já que cerca de 50% destes atingiram pelo menos o nível 3 no Pisa de 2012, assinala-se no estudo.
Chumbar sai caro
Estes são algumas das constatações apresentadas numa conferência do projeto aQeduto, realizada nesta segunda-feira no CNE, e que teve precisamente como tema esta interrogação – “Chumbar melhora as aprendizagens?”. A resposta, como se depreende dos dados recolhidos, é negativa, como também foi a do CNE num parecer sobre a retenção escolar no ensino básico e secundário, aprovado em Fevereiro de 2015.
Neste parecer alertava-se que “a prática de reter os alunos parece estar incorporada numa ‘cultura’ de retenção e na crença comum de que a repetição de um ano é benéfica para a aprendizagem dos alunos”. Na altura, o presidente do CNE, David Justino lembrou que todos os anos chumbam em média 150 mil alunos do ensino básico e secundário para considerar de seguida que “esta é talvez a situação mais grave do sistema de ensino em Portugal”.
Tanto a OCDE como a Comissão Europeia têm insistido que a retenção é uma solução "dispendiosa e frequentemente ineficaz" no que respeita à subida dos resultados escolares e da melhoria das aprendizagens. A OCDE já recomendou, aliás, a Portugal que opte pela "eliminação gradual" da prática de retenção, tendo descrito este objetivo como "uma prioridade".
Entre os alunos de 15 anos, Portugal e Espanha foram, contudo, os únicos países que viram a sua percentagem de chumbos aumentar de 30% em 2003 para perto de 35% em 2012, enquanto a França fez o percurso contrário, reduzindo esta percentagem de cerca de 40% para 28,4%. Na Europa, os países em que mais se chumba são a Holanda, França, Espanha, Portugal, Luxemburgo e Bélgica francófona, sendo as percentagens maiores nestes últimos três. Em posição contrária estão a Finlândia, Suécia ou Polónia, com percentagens de reprovações que rondam os 4%.
No estudo apresentada nesta segunda-feira refere-se ainda outro recorde português, já que “é o país onde mais se chumba no início do percurso escolar, 23% dos alunos repetiram pelo menos uma vez até ao 6.º ano de escolaridade e 20% chumbaram no 3.º ciclo”.
No relatório avalia-se que o custo suplementar por cada aluno que chumba é de 6500 euros, bem superior aos custos estimados com medidas para a melhoria das aprendizagens, como a intervenção pré-escolar (4600 euros) ou o acompanhamento personalizado (750 euros). “Vários estudos internacionais, realizados em diversos contextos sociais e económicos, têm demonstrado que chumbar um ano é a medida mais cara e a que menos traz benefícios aos alunos”, conclui-se.
Fonte: Público
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