É tempo de regressarmos ao tempo letivo e acho que é o tempo certo para escrever as coisas tal como elas são: não me apetece e não me apetece de uma forma mais intensa do que em outras ocasiões, eventualmente mais turbulentas.
Poderá existir quem, de forma adequadamente cínica, diga que irei regressar porque é necessário receber o salário ao fim do mês, ou quem diga que se assim é devo dar lugar aos novos, que estarão cheios de vontade de me ocupar o lugar. Ficarão sem resposta, porque não são essas as questões que me interessa abordar (e quem nelas quiser insistir pode esperar sentado que eu volte a falsas recriminações), mas sim por que razões me sinto deste modo e, apesar disso, voltarei e cumprirei as minhas obrigações profissionais.
Antes de mais, regresso porque há pessoas na escola de quem gosto e algumas de quem gosto muito, alunos e colegas, com quem me sinto bem no dia-a-dia, apesar de chatices diversas e de outras pessoas que não estimo particularmente, como é público e notório (não aplicável a alunos que, no máximo, conseguem despertar-me ligeiras irritações). Regresso porque gosto da escola onde estou e porque quando chego a sinto como acolhedora e não hostil (apesar da minha disposição correr o risco de, logo na 2.ª feira, ter a sua metamorfose ao ir pelos corredores no trajeto curto da sala dos professores até à sala 10).
Mas regresso apesar de tudo aquilo que na última década se degradou para lá de qualquer ponto de retorno à esperança de que algo melhore ou estabilize no setor da Educação, em virtude de vários mandatos de gente só preocupada em amesquinhar, racionalizar, gerir, reformar, enxertar e retirar o ânimo ao pessoal docente e não docente nas escolas e desorientar, em larga medida, alunos e encarregados de educação.
Regresso em 2016 para exercer uma carreira que perdeu qualquer horizonte de progressão, proletarizada em termos materiais, parente pobre e incómoda para os poderes políticos e que alguns fazedores de opinião traumatizados e medíocres se preocuparam em desqualificar longamente em prosas mais ou menos marcadas pela soberba intelectual típica daqueles que estão abaixo de qualquer dejeto canino, exigindo aos outros uma avaliação fingida, sem sentido, que em nada melhora o seu desempenho. Regresso para escolas geridas globalmente de uma forma não partilhada, seguindo um modelo simplista e redutor de cadeia hierárquica, em que a obediência e submissão são os princípios desejados. Regresso para uma sala de professores em que, à semelhança de tantas outras, há ótimos profissionais (e ocasionalmente outros menos assim) a quem fizeram tudo por sugar o ânimo e a capacidade para resistir aos sucessivos desmandos legislativos e tentaram deixar como meros autómatos executores de cada nova pseudo-reforma estrutural. Regresso para trabalhar num setor que deixou de ser considerado prioritário para os governantes, que em dado tempo se tornou pasto para investimentos sumptuários, num modelo de escola pública a várias velocidades, e depois se tornou o campo privilegiado para o desinvestimento nos serviços públicos (a par da Saúde, que é um caso com consequências mais trágicas e mediáticas) como forma pouco encoberta de promover os “projetos” do setor privado. Regresso para trabalhar com alunos cujos interesses foram desonestamente invocados para tomar medidas que os prejudicaram objetivamente, desde a retirada de apoios sociais e educativos à degradação das condições em que decorrem as aulas, com argumentos de racionalidade económica próprios de gente irracional. Regresso para tentar, na Escola, resolver as injustiças e desigualdades que aumentaram de forma dramática na Sociedade, sendo responsabilizado pelo insucesso daqueles que, quando entram pela manhã nos portões da escola, trazem sobre si o peso enorme de uma situação económica e financeira familiar estrangulada pelos efeitos diretos (desemprego) e indiretos (impostos) dos enormes insucessos daqueles que, há bem pouco tempo, se apresentavam como grandes faróis e mentores do Sucesso Nacional.
Mas regresso, apesar de tudo isso, porque, acima de outras razões, há rostos que tenho prazer em reencontrar e porque há lutas que, nas aulas, ainda valem a pena. Mas, confesso, não sei durante quanto tempo isso será condição suficiente para continuar esta longa travessia, sem um pequeno oásis para nos matar o desencanto.
Por Paulo Guinote
Professor do 2.º ciclo do Ensino Básico
Fonte: Público
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