Foi um retrato impiedoso para as escolas e para o sistema educativo o que o psicólogo Eduardo Sá traçou esta sexta-feira numa conferência promovida pelo Instituto de Avaliação Educativa (Iave), o organismo responsável pela elaboração e aplicação dos exames nacionais, que teve como tema Avaliar para aprender. “Uma escola que acha que tem de avaliar, embrulhando os testes e os exames num clima de alarme, é uma escola que diz às crianças que o importante é ter bons resultados e não aprender (…) E uma escola assim é desonesta”, comentou este especialista em psicologia da criança e do adolescente, lembrando que muitos alunos são afastados das escolas onde estão precisamente devido à sede destas em garantirem bons resultados nos exames nacionais.
Para o psicólogo e psicanalista, temos nas escolas de hoje “turmas de primeira e de segunda, disciplinas de primeira e de segunda, alunos de primeira e alunos de segunda”. “São formas estranhas com que temos convivido e que já mereceram aval ministerial. Mas uma escola assim transforma-se numa escola amiga do apartheid e uma escola assim avalia, mas não educa”, criticou.
(...) Disse que as escolas e as famílias são também “batoteiras” nas avaliações que fazem das crianças porque não lhes dão “o direito de errar”. “É estranho que não se acarinhe o erro, porque uma criança que não pode livremente errar ganha uma imunodeficiência adquirida ao erro e à dor”. O que tem como consequência, advertiu, “tornarem-se competitivos e presunçosos, quando diante do conhecimento deviam ser rebeldes”. “Crianças assim pensam pior”, acrescentou.
A favor dos exames
Quer isto dizer que Eduardo Sá é contra a avaliação e os exames? A resposta é negativa e tem como alvo o atual ministro da Educação, que no início do mês anunciou que, já este ano letivo, não se realizarão exames no 4.º e 6.º ano por considerar que estes têm efeitos “nocivos” para as crianças. “Se as crianças não aprendem a conviver com o medo de serem avaliadas ficam mais frágeis, com menos garra e menos brio”, comentou o psicólogo, acrescentando que “não é mau que destilem medo face aos exames, porque o medo traz também audácia”.
“Mau é mudar as regras a meio do jogo. Mau é discutirmos as avaliações antes das aprendizagens”, acusou, antes de afirmar o contrário do que foi dito pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues. “Quanto mais tarde as crianças tiverem provas nacionais, mais tarde reúnem os recursos para as vencer”, disse Eduardo Sá. Antes já tinha frisado que “os exames não magoam as crianças, o que as magoa é a forma como os pais e as escolas acabam por usar” esta avaliação.
Todo um conjunto de razões que levaram este especialista a considerar que o tema da conferência do Iave deveria ser invertido: em vez de Avaliar para aprender “devíamos assumir que tem de se Aprender para avaliar”. “Será que a escola que avalia reconhece os seus erros?”, questionou a propósito, com a resposta já pronta: “Raramente”. Eduardo Sá considerou ainda que a educação “tem sido objeto de uma tremenda demagogia política” e estranhou que nenhum dos candidatos presidenciais se tivesse proposto promover “um pacto para a educação para 20 anos”.
O tempo dos professores
Antes, Gordon Stobart, professor do Institute of Education, University College London, alertara que as formas de aprender necessárias no século XXI “não são compatíveis com o modelo de exames que se impôs no Reino Unido e nos EUA”. “Temos fechado centenas de escolas por ano por não terem conseguido bons resultados nos exames nacionais. Não nos importamos sobre qual o tipo de cidadãos vamos ter, mas apenas com os resultados dos exames”, acusou.
Mas Gordon Stobart também não poupou a “pedagogia” que se tornou predominante nas escolas. Com base num inquérito realizado no Reino Unido, resumiu assim o que acontece nas salas de aula: “os professores falam 70% a 80% do tempo; fazem 200 a 300 perguntas por dia; 60% do seu tempo é passado a rever a matéria e 20% em procedimentos – onde puseste o lápis? O que fizeste ao caderno? –; e só menos de 5% é dedicado à discussão em grupo de ideias com significado, o que é assustador porque esta é uma forma poderosa de aprender”. Não por acaso, o professor inglês acrescentou ainda mais este retrato – “70% das respostas dos alunos duram menos de cinco segundos e resumem-se a isto: Não sei”.
Aos professores presentes na conferência, Gordon Stobart perguntou se sabiam qual a razão da popularidade dos programas de culinária. “É que precisamos de ver antes de fazer. É o que se passa também nas salas de aula”, disse.
Fonte: Público
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