As candidaturas ao ensino superior são um precioso campo de observação, revelando que para entrar em medicina, gestão, economia ou direito numa universidade prestigiada, “séria”, são exigidas médias próximas dos 20 valores. Estão em disputa as profissões mais gratificantes e os cursos de maior prestígio, que se mantêm nas universidades. Quem não atinge estas médias tem de contentar-se com o que sobra: ensino superior de segunda categoria, público ou privado, onde se entra com a nota mínima e de onde se sai com o menor esforço. Sem ofensa e com a devida vénia aos talentos e vocações que ainda possam fugir à regra, não será exagerado afirmar que os candidatos a professores são hoje o “refugo” das candidaturas ao ensino superior, são os que não conseguem entrar nos cursos “nobres”. É aqui que se define a qualidade da educação: ou conseguimos recrutar os melhores ou não teremos educação para um estado forte, com uma economia sólida e os melhores índices de qualidade em todos os setores e serviços. Não é possível fazer da escola o motor do desenvolvimento se a entregarmos aos menos qualificados e menos competentes.
Para inverter esta tendência, não basta tornar a profissão de professor mais apelativa em termos de remuneração. É preciso sobretudo dar-lhe estabilidade, segurança, estatuto e dignidade, que é tudo o que não tem. É preciso torná-la atrativa. Há países onde a profissão de professor é das mais prestigiadas e disputadas. É a primeira escolha. Vejamos o caso da Finlândia, tantas vezes referida pelos resultados de excelência que obteve ao longo de décadas nos rankings do PISA. Um analista francês [1] identifica os segredos do sucesso e, no que respeita aos docentes, destaca: a profissão é altamente prestigiada, o recrutamento é muito exigente, a formação inicial muito aprofundada, as condições de trabalho excelentes, a liberdade pedagógica é total e é estreita a ligação à universidade e a uma formação contínua específica e focada. Os professores são verdadeiramente especializados.
Como exemplo, o mesmo autor apresenta o modelo de recrutamento de candidatos a professores seguido pela faculdade de educação de Joensuu: de cerca de 1200 processos de candidatura a docentes do ensino básico – carta de apresentação e CV – são selecionados 300 por ano, que se submetem dois dias inteiros a testes, entrevistas e debates observados. Apenas os 80 melhores candidatos são admitidos. No ensino secundário o processo é idêntico: os candidatos a docentes das várias disciplinas passam pelas mesmas provas. O rigor no recrutamento e na formação asseguram altos padrões de qualidade e excelentes resultados, de tal modo que a Finlândia dispensa a pesada máquina da Inspeção da Educação. As escolas têm meios, em ligação com a universidade, para assegurar a formação e a qualidade dos docentes e da educação.
Entre nós, o programa do novo governo identifica bem o problema e aponta as três medidas mais urgentes nesta área: “Valorizar a função docente”, “Rever o processo de recrutamento de educadores e professores” e “Relançar programas de formação contínua, em articulação com instituições de ensino superior, integrados numa política ativa de valorização dos professores e educadores”. Se este caminho tivesse sido seguido pelos 20 governos constitucionais e pelos quase 30 ministros da educação posteriores ao 25 de abril, a prometida democratização estaria cumprida. Mas não está. Quando o novo governo fala de um novo impulso, de um novo rumo e de um virar de página nas políticas de educação, é importante não esquecer a história e tantas promessas por cumprir. Mas importa registar e aplaudir o compromisso assumido. É também uma nova esperança. Valorizar a profissão, atrair e recrutar os melhores e requalificar os que já estão em exercício. Este compromisso do novo governo tem de ser também um compromisso assumido pelas escolas e pelos próprios professores.
A requalificação e especialização dos professores e educadores parecem hoje mais fáceis. O esvaziamento dos cursos de formação inicial abre espaço para a formação dos docentes em exercício. As instituições de ensino superior vocacionadas para a formação de professores e educadores, nos planos científico e pedagógico ou da formação especializada, reúnem condições para esta requalificação e especialização. O ensino superior pode preencher o espaço vazio da formação inicial pela formação e especialização dos professores em serviço. Por outro lado, as escolas do ensino básico e secundário têm professores experientes, qualificados e especializados para assegurar o acompanhamento e a formação em contexto de trabalho. Articulando com o ensino superior, é possível melhorar a qualidade do serviço educativo de modo a reverter o atraso crónico de que sofremos.
Há outras medidas muito urgentes na área da educação. Mas a questão docente é a primeira, porque são os professores que têm de as levar à prática. Não podemos mudar a escola e a educação sem os professores. E sem melhores professores.
[1] Robert, Paul (2006), L’éducation en Finlande: Les secrets d’une étonnante réussite.
Por José Afonso Baptista
Professor do ensino superior
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário