Realizou-se em Setembro na Universidade do Porto um grande congresso de educação; certamente o maior congresso de educação da Europa. Um congresso recheado de comunicações e conferências proferidas por proeminentes académicos e estudiosos de todo o continente.
Numa das reuniões finais de avaliação do congresso, um professor de uma universidade do Norte da Europa, depois de ter tecido os rasgados elogios à organização – na verdade muitíssimo honrosa para o nosso país –, declarou que tinha um ponto “menos positivo” a apontar. A assistência aguçou o ouvido e fez-se um maior silêncio. Que seria? Disse ele: “Durante três dias estive sentado a ouvir, ouvir, ouvir a tomar notas. Estou exausto. Isto é quase desumano. Temos de encontrar formas diferentes de organizar estas reuniões.” A seguir houve algum silêncio, mas logo a sala estourou em sorrisos e em gargalhadas... Este colega estava exausto por estar sentado há três dias a tomar notas e certamente estava a mostrar a sua solidariedade com os alunos que estão sentados a tomar notas durante... 180 dias por ano.
Esta pequena história acorda o debate, nunca adormecido, sobre o que se aprende e como se aprende na escola. Ao consultarmos os manuais, os cadernos de fichas, textos de apoio, exercícios, etc. que os nossos alunos enfrentam na escola, só nos podemos lembrar de que os 180 dias sentados são certamente ainda poucos. Precisamos que os nossos alunos ainda se sentem mais: que vão mais algumas horas por semana para um “centro de estudos” fora da escola ou então para o “estudo acompanhado” na escola.
E porquê este reconhecido absurdo de obrigar, de forçar, crianças não só a aprender sentadas mas também a um ritmo de ensino que as obriga a trabalhar mais do que o já longo horário escolar? Muitas razões poderiam ser evocadas e discutidas, mas gostaria de refletir sobre duas delas:
Temos assistido a uma insuflação do currículo que faz com ele tenha presentemente muito mais conteúdos e muito mais exigência que antes. Esta inflação de conteúdos obriga a um ritmo muito mais intenso do que alguma vez se experimentou antes. São conhecidas as posições de associações de professores que consideram que os currículos atuais estão sobredimensionados e que não permitem espaços para que os conhecimentos sejam consolidados, explicados de maneiras alternativas, aplicados e relacionados com situações do quotidiano da criança. Vive-se a ideia de um currículo “é melhor” porque “é maior”, porque é “mais exigente”. Esta relação entre o tamanho e a qualidade é um pouco ingénua: não é por ser maior ou mais rápido que algo se torna melhor. Um exemplo: se quisermos tornar uma viagem ferroviária mais rápida, não basta ter uma locomotiva potente, é preciso que a ferrovia, que as carruagens, que as formas como estão atreladas umas às outras, estejam também preparadas para aproveitar a potência da locomotiva. Se não se tiver estes cuidados, teremos certamente uma locomotiva rápida mas também um comboio descarrilado, desatrelado e desconexo. Não basta pois acrescentar mais conteúdos do currículo e aumentar a cadência do estudo: o bom currículo é aquele que permite aprendizagens sólidas e consolidadas e que se constitui como um fator de desenvolvimento para todos os alunos e não só para aqueles que talvez pudessem acompanhar a tal locomotiva à desfilada.
Um outro aspeto a considerar são as estratégias de aprendizagem. Sabemos hoje – e sobretudo a partir dos estudos da neuropsicologia – que aprender é um ato complexo e que para que a aprendizagem seja efetiva é muito importante que ela seja feita em contextos ativos (isto é, em que o aluno participe no processo de aprendizagem e não seja só a parte estreita do funil por onde deslizam os conteúdos). Sabemos também que dispomos atualmente de um acervo impressionante de meios audiovisuais e de programas informáticos que podem aumentar a implicação do aluno da aprendizagem, que são formas extraordinárias de melhoria da motivação e de interesse. Estes meios, infelizmente, são ainda usados de forma muito restrita nas nossas escolas.
Precisamos de reinventar nas nossas escolas a alegria da aquisição conhecimento. Ninguém aceitaria um currículo elementar, mas é custoso aceitar que o currículo melhora só porque é maior e obriga a um ritmo acelerado em que “não se perca tempo”. É difícil criar nas crianças de hoje a motivação para o conhecimento se elas forem meros sujeitos passivos do currículo. Não se perde tempo quando se ensina de mais de uma maneira, quando se dá tempo para que as aprendizagens se consolidem e se apliquem a situações do dia a dia. Uma aprendizagem que faça sentido e que permita – como se diz em linguagem científica – que representação do real seja alterada pelo novo conhecimento.
E agora, desafio o meu colega universitário que se queixou dos três dias sentado a tomar apontamentos que imagine um novo modelo de congresso (ele é o próximo organizador). Não queremos que os investigadores em educação passem de novo por esta dura prova de ficar três longos dias sentados e a tomar notas.
Numa das reuniões finais de avaliação do congresso, um professor de uma universidade do Norte da Europa, depois de ter tecido os rasgados elogios à organização – na verdade muitíssimo honrosa para o nosso país –, declarou que tinha um ponto “menos positivo” a apontar. A assistência aguçou o ouvido e fez-se um maior silêncio. Que seria? Disse ele: “Durante três dias estive sentado a ouvir, ouvir, ouvir a tomar notas. Estou exausto. Isto é quase desumano. Temos de encontrar formas diferentes de organizar estas reuniões.” A seguir houve algum silêncio, mas logo a sala estourou em sorrisos e em gargalhadas... Este colega estava exausto por estar sentado há três dias a tomar notas e certamente estava a mostrar a sua solidariedade com os alunos que estão sentados a tomar notas durante... 180 dias por ano.
Esta pequena história acorda o debate, nunca adormecido, sobre o que se aprende e como se aprende na escola. Ao consultarmos os manuais, os cadernos de fichas, textos de apoio, exercícios, etc. que os nossos alunos enfrentam na escola, só nos podemos lembrar de que os 180 dias sentados são certamente ainda poucos. Precisamos que os nossos alunos ainda se sentem mais: que vão mais algumas horas por semana para um “centro de estudos” fora da escola ou então para o “estudo acompanhado” na escola.
E porquê este reconhecido absurdo de obrigar, de forçar, crianças não só a aprender sentadas mas também a um ritmo de ensino que as obriga a trabalhar mais do que o já longo horário escolar? Muitas razões poderiam ser evocadas e discutidas, mas gostaria de refletir sobre duas delas:
Temos assistido a uma insuflação do currículo que faz com ele tenha presentemente muito mais conteúdos e muito mais exigência que antes. Esta inflação de conteúdos obriga a um ritmo muito mais intenso do que alguma vez se experimentou antes. São conhecidas as posições de associações de professores que consideram que os currículos atuais estão sobredimensionados e que não permitem espaços para que os conhecimentos sejam consolidados, explicados de maneiras alternativas, aplicados e relacionados com situações do quotidiano da criança. Vive-se a ideia de um currículo “é melhor” porque “é maior”, porque é “mais exigente”. Esta relação entre o tamanho e a qualidade é um pouco ingénua: não é por ser maior ou mais rápido que algo se torna melhor. Um exemplo: se quisermos tornar uma viagem ferroviária mais rápida, não basta ter uma locomotiva potente, é preciso que a ferrovia, que as carruagens, que as formas como estão atreladas umas às outras, estejam também preparadas para aproveitar a potência da locomotiva. Se não se tiver estes cuidados, teremos certamente uma locomotiva rápida mas também um comboio descarrilado, desatrelado e desconexo. Não basta pois acrescentar mais conteúdos do currículo e aumentar a cadência do estudo: o bom currículo é aquele que permite aprendizagens sólidas e consolidadas e que se constitui como um fator de desenvolvimento para todos os alunos e não só para aqueles que talvez pudessem acompanhar a tal locomotiva à desfilada.
Um outro aspeto a considerar são as estratégias de aprendizagem. Sabemos hoje – e sobretudo a partir dos estudos da neuropsicologia – que aprender é um ato complexo e que para que a aprendizagem seja efetiva é muito importante que ela seja feita em contextos ativos (isto é, em que o aluno participe no processo de aprendizagem e não seja só a parte estreita do funil por onde deslizam os conteúdos). Sabemos também que dispomos atualmente de um acervo impressionante de meios audiovisuais e de programas informáticos que podem aumentar a implicação do aluno da aprendizagem, que são formas extraordinárias de melhoria da motivação e de interesse. Estes meios, infelizmente, são ainda usados de forma muito restrita nas nossas escolas.
Precisamos de reinventar nas nossas escolas a alegria da aquisição conhecimento. Ninguém aceitaria um currículo elementar, mas é custoso aceitar que o currículo melhora só porque é maior e obriga a um ritmo acelerado em que “não se perca tempo”. É difícil criar nas crianças de hoje a motivação para o conhecimento se elas forem meros sujeitos passivos do currículo. Não se perde tempo quando se ensina de mais de uma maneira, quando se dá tempo para que as aprendizagens se consolidem e se apliquem a situações do dia a dia. Uma aprendizagem que faça sentido e que permita – como se diz em linguagem científica – que representação do real seja alterada pelo novo conhecimento.
E agora, desafio o meu colega universitário que se queixou dos três dias sentado a tomar apontamentos que imagine um novo modelo de congresso (ele é o próximo organizador). Não queremos que os investigadores em educação passem de novo por esta dura prova de ficar três longos dias sentados e a tomar notas.
David Rodrigues
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
Fonte: Público
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