Nos últimos meses tem-se vindo a agitar o fantasma da municipalização da educação, defendendo-se (subliminarmente) a manutenção de um statu quo baseado nos princípios da uniformidade, do modelo único, do comando e do controlo centralizados.
Neste texto, focar-nos-emos telegraficamente i) na demonstração da falência deste modelo, ii) na demonstração da ficção e da hipocrisia organizada que têm assumido a figura dos contratos de autonomia, iii) na abertura teórica que o Programa Aproximar veio trazer para o campo da descentralização, iv) na necessidade de se aplicarem novos modelos de governação que acentuem a democracia participativa e deliberativa e instituam uma regulação sociocomunitária da educação.
Como é público, vivemos num país em que o poder (os poderes) está fortemente centralizado. A ilusão de que é possível governar a partir do centro político e administrativo, prever a priori todos os problemas e decretar através do Diário da República a solução ótima (e única), instituir a matriz da uniformidade, confundindo justiça e equidade com a igualdade formal das respostas, desconfiar das vontades e das inteligências das pessoas e das organizações, argumentar com o caciquismo local para defender a isenção iluminada do centro tem sido o programa que nos mantém presos num labirinto que nos anestesia e arruína a hipótese de futuros mais promissores.
Um pouco para iludir este bloqueio e fazer de conta, o Ministério da Educação reinventou a figura dos contratos de autonomia entre a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e as escolas. Como toda a gente sabe, estes contratos são uma ficção. Desde logo, porque não há partes juridicamente constituídas. E depois porque a autonomia não tem substância real. Uma escola sem contrato pode fazer praticamente tudo o que uma com contrato faz. Então, estes instrumentos servem, objetivamente, para amarrar ainda mais as escolas colocando-as explicitamente sobre o controlo de uma direção-geral que é teórica e praticamente uma aberração: uma direção-geral dos estabelecimentos escolares.
O Programa Aproximar, criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/2013 de 19 de março, é a tentativa do Governo responder ao estado de quase-calamidade pública em que se encontra a gestão de instituições centrais periféricas, como são as escolas. Não porque estas não saibam ou não queiram assumir um novo protagonismo na direção das suas práticas educativas. O estado em que encontram deriva, em larga escala, de continuarem reféns de um poder que as ignora e desautoriza, que age a destempo e muitas sem critério e que as asfixia na parafernália de plataformas e de controlo. Anote-se, no entanto, que a execução deste programa, no que à educação diz respeito, tem sido particularmente desastrosa, por muitas razões. Destaco algumas: porque num contrato de descentralização de competências entre o Governo e os municípios, se faz depender a sua aprovação do consentimento de todos os conselhos gerais das escolas de um concelho; porque para haver contrato todas as escolas do município têm de ter um “contrato de autonomia” com a Direção-Geral (para ficar protegida pelo centro contra as investidas do local); porque equipara, em termos de legitimidade política, uma escola a uma autarquia; porque a matriz que regula a distribuição de competências entre o Ministério da Educação, o território municipal e as escolas não prevê explicitamente um órgão local (que não o executivo municipal) que assuma essas competências; porque se funda em preconceitos e desconfianças que destroem qualquer hipótese de contrato. Infelizmente, os negociadores do Governo não viram o que vê, por exemplo, o presidente da Câmara de Óbidos: “não concordamos com a lógica da municipalização, porque o que nós procuramos é um novo modelo de governação assente numa certa territorialização através do Conselho Municipal da Educação, cujas competências e composição terão de ser distintas do que são hoje” (PÚBLICO, 20 de novembro de 2014, p. 6).
Isto é: o que o presidente da Câmara de Óbidos quer é um outro modelo de governação da educação, liberto da asfixia do poder central e do arbítrio do executivo municipal (leia-se do presidente da Câmara). Porque reclama um conselho municipal de educação com poderes deliberativos e onde têm assento os diretores das escolas, representantes de professores, representantes das associações de pais, de centro de emprego e formação profissional, da autoridade de saúde municipal, e naturalmente do executivo e da assembleia municipal. Porque sabe que a educação tem de ser uma responsabilidade efetiva de todos. E é deste poder real de deliberação que o Ministério de Educação tem medo. Tem medo que as escolas se associem a todos os stakeholders municipais e participem de forma ativa e deliberativa na construção do seu futuro. Em última instância, o Governo parece ter medo da liberdade, da democracia e da deliberação. E isto nada tem a ver com o fantasma da municipalização. Tem tudo a ver com a revitalização da democracia e da escola realmente pública que dará seguramente melhores respostas aos seus múltiplos públicos.
Neste texto, focar-nos-emos telegraficamente i) na demonstração da falência deste modelo, ii) na demonstração da ficção e da hipocrisia organizada que têm assumido a figura dos contratos de autonomia, iii) na abertura teórica que o Programa Aproximar veio trazer para o campo da descentralização, iv) na necessidade de se aplicarem novos modelos de governação que acentuem a democracia participativa e deliberativa e instituam uma regulação sociocomunitária da educação.
Como é público, vivemos num país em que o poder (os poderes) está fortemente centralizado. A ilusão de que é possível governar a partir do centro político e administrativo, prever a priori todos os problemas e decretar através do Diário da República a solução ótima (e única), instituir a matriz da uniformidade, confundindo justiça e equidade com a igualdade formal das respostas, desconfiar das vontades e das inteligências das pessoas e das organizações, argumentar com o caciquismo local para defender a isenção iluminada do centro tem sido o programa que nos mantém presos num labirinto que nos anestesia e arruína a hipótese de futuros mais promissores.
Um pouco para iludir este bloqueio e fazer de conta, o Ministério da Educação reinventou a figura dos contratos de autonomia entre a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e as escolas. Como toda a gente sabe, estes contratos são uma ficção. Desde logo, porque não há partes juridicamente constituídas. E depois porque a autonomia não tem substância real. Uma escola sem contrato pode fazer praticamente tudo o que uma com contrato faz. Então, estes instrumentos servem, objetivamente, para amarrar ainda mais as escolas colocando-as explicitamente sobre o controlo de uma direção-geral que é teórica e praticamente uma aberração: uma direção-geral dos estabelecimentos escolares.
O Programa Aproximar, criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/2013 de 19 de março, é a tentativa do Governo responder ao estado de quase-calamidade pública em que se encontra a gestão de instituições centrais periféricas, como são as escolas. Não porque estas não saibam ou não queiram assumir um novo protagonismo na direção das suas práticas educativas. O estado em que encontram deriva, em larga escala, de continuarem reféns de um poder que as ignora e desautoriza, que age a destempo e muitas sem critério e que as asfixia na parafernália de plataformas e de controlo. Anote-se, no entanto, que a execução deste programa, no que à educação diz respeito, tem sido particularmente desastrosa, por muitas razões. Destaco algumas: porque num contrato de descentralização de competências entre o Governo e os municípios, se faz depender a sua aprovação do consentimento de todos os conselhos gerais das escolas de um concelho; porque para haver contrato todas as escolas do município têm de ter um “contrato de autonomia” com a Direção-Geral (para ficar protegida pelo centro contra as investidas do local); porque equipara, em termos de legitimidade política, uma escola a uma autarquia; porque a matriz que regula a distribuição de competências entre o Ministério da Educação, o território municipal e as escolas não prevê explicitamente um órgão local (que não o executivo municipal) que assuma essas competências; porque se funda em preconceitos e desconfianças que destroem qualquer hipótese de contrato. Infelizmente, os negociadores do Governo não viram o que vê, por exemplo, o presidente da Câmara de Óbidos: “não concordamos com a lógica da municipalização, porque o que nós procuramos é um novo modelo de governação assente numa certa territorialização através do Conselho Municipal da Educação, cujas competências e composição terão de ser distintas do que são hoje” (PÚBLICO, 20 de novembro de 2014, p. 6).
Isto é: o que o presidente da Câmara de Óbidos quer é um outro modelo de governação da educação, liberto da asfixia do poder central e do arbítrio do executivo municipal (leia-se do presidente da Câmara). Porque reclama um conselho municipal de educação com poderes deliberativos e onde têm assento os diretores das escolas, representantes de professores, representantes das associações de pais, de centro de emprego e formação profissional, da autoridade de saúde municipal, e naturalmente do executivo e da assembleia municipal. Porque sabe que a educação tem de ser uma responsabilidade efetiva de todos. E é deste poder real de deliberação que o Ministério de Educação tem medo. Tem medo que as escolas se associem a todos os stakeholders municipais e participem de forma ativa e deliberativa na construção do seu futuro. Em última instância, o Governo parece ter medo da liberdade, da democracia e da deliberação. E isto nada tem a ver com o fantasma da municipalização. Tem tudo a ver com a revitalização da democracia e da escola realmente pública que dará seguramente melhores respostas aos seus múltiplos públicos.
José Matias Alves
Director Adjunto da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto
Fonte: Público
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