Argumenta-se frequentemente que a educação deveria ter como finalidade a construção de uma sociedade igualitária, ou por exemplo, que deveria existir “igualdade” na educação, ou ainda “igualdade de oportunidades”. (…) Uma enorme dificuldade na abordagem da igualdade enquanto teoria é a sua exasperante vagueza. O termo é utilizado frequentemente em slogans políticos como “todos os homens são iguais”, mas raramente fica claro aquilo que se quer dizer com isso.
Talvez seja melhor começar por reconhecer que um significado básico de “igual”, e se calhar o significado, é “o mesmo” ou “o mesmo em algum sentido determinado”. Duas linhas de igual comprimento são linhas com o mesmo comprimento, dois homens de igual altura são homens com a mesma altura, e assim por diante. Este é um significado claro e relativamente não complicado, o significado geralmente aceite fora de um debate político ou filosófico. Ora, se é isto que significa “igual”, então o slogan “todos os homens são iguais” é falso na maioria dos casos, dado que os homens não são em qualquer sentido interessante todos o mesmo. Claro, é mais que provável que o igualitarista que assevera que todos os homens são iguais não esteja a tentar dizer que os homens são todos exatamente o mesmo. O igualitarista poderá dizer que o slogan dá a entender não que os homens sejam descritivamente o mesmo, mas sim que devem ser tratados da mesma maneira.
Isto evita o erro empírico mas levanta outras dificuldades. Pois se alguém assevera seriamente que todos devem ser tratados do mesmo modo, basta apontar-lhe que fazê-lo seria ir contra certos princípios práticos que a maior parte das pessoas defende. Não pensamos, por exemplo, que os homens inocentes devam ser tratados como os criminosos, ou que os doentes devam ser tratados como as pessoas saudáveis, ou que as crianças devam ser alimentadas e vestidas como pensamos que os adultos o devem ser. Tratar todos por igual seria ir contra as nossas noções daquilo que é apropriado. As pessoas têm diferentes necessidades e há que reconhecer que tal deve ser tido em conta. […] As pessoas têm diferentes necessidades mas também têm diferentes méritos, e julgamos que estes também devem ser reconhecidos e cuidados. Um princípio estritamente igualitarista requereria presumivelmente que as pessoas fossem tratadas da mesma maneira, independentemente das suas diferentes necessidades e dos seus diferentes méritos. Claro que o igualitarista, confrontado com a lógica da sua posição, muito provavelmente diria uma vez mais que não era isto de todo o que queria dizer, e o princípio de caridade forçar-nos-ia a aceitar essa sua rejeição. O igualitarista poderia então propor uma posição mais aceitável para as nossas convicções morais e do senso comum, ou seja, propor que os homens devem ser tratados do mesmo modo apenas quando as suas necessidades e os seus méritos são os mesmos, e que, quando têm diferentes necessidades ou diferentes méritos, devem ser tratados diferentemente.
Mas este princípio, que dificilmente alguém quererá contestar, não é o princípio de igualdade; é o princípio de justiça. Aristóteles tornou isto suficientemente claro quando declarou que a justiça exige que tratemos casos semelhantes da mesma maneira e casos diferentes de maneira diferente. […] “Igualdade” e “Justiça” apenas coincidem quando os méritos ou as necessidades são os mesmos nos casos em análise. Aí, e apenas aí, será justo tratar as pessoas por igual, ou como “o mesmo”. Caso contrário, tratar situações diferentes da mesma maneira será geralmente inapropriado e frequentemente injusto. O tratamento justo implica ter em conta as diferenças nas circunstâncias das pessoas e isto frequentemente significará tratá-las diferentemente.
A igualdade enquanto tal não encerra grande virtude. O tratamento igual, em qualquer sentido substancial, só é moral e praticamente aceitável quando se adequa ao nosso sentido de justiça, e o único sentido em que todos os homens, sem exceção, devem ser tratados da mesma maneira é que todos devem ser tratados com justiça.
As implicações educativas desta análise são consideráveis. Se tomarmos o princípio de “igualdade” no seu sentido estrito, isto é, no sentido de que as crianças são todas o mesmo, ou que devem todas ser tratadas da mesma maneira em qualquer sentido substancial, então o caráter absurdo de tal sugestão torna-se óbvio. Pois as crianças não são todas o mesmo em qualquer sentido educativo relevante e, deixando o mérito de lado, não são todas o mesmo em relação às suas necessidades educativas. Tratar todas da mesma maneira, as mais inteligentes e as menos inteligentes, as bem integradas e as perturbadas emocionalmente, seria grosseiramente inapropriado e ninguém quereria advogar. E, contudo, é isto que o princípio, estritamente interpretado, requer. Se o igualitarista não quer dizer isto, então tem de abandonar esta interpretação do princípio de igualdade. Pois aquilo que é verdadeiramente requerido não é um tratamento igual mas sim um tratamento justo, um tratamento apropriado, uma ponderação justa das diferentes necessidades e exigências educativas das crianças. Por outras palavras, justiça educativa.
Esta justiça educativa seria consistente com, e talvez implicasse mesmo, a provisão de turmas especiais, e se calhar de escolas especiais, tanto para os mais dotados como para aqueles com menores capacidades, com toda a parafernália institucional das notas, dos testes, da seleção, do streaming [agrupamento de alunos por níveis homogéneos de aptidões] e da comparação, que tanto preocupam o igualitarista em educação. Ora, na prática provavelmente quase ninguém negará a proposição de que as crianças devem ser tratadas de acordo com as suas diferentes necessidades educativas, pelo que uma insistência na estrita igualdade em educação seria simplesmente uma forma de excentricidade. É então pertinente questionar qual o fundamento que poderá existir em tal teoria para que se justifique a obrigação de semelhante igualdade. Será que o igualitarista está simplesmente a pedir que os recursos educativos sejam distribuídos com justiça? Se sim, então podemos concordar com ele, mas perguntando por que razão a ênfase deve ser posta em termos de igualdade e não de justiça.
Neste ponto, o igualitarista poderá responder que está menos preocupado com a “igualdade” em abstrato do que com outra coisa, designadamente a “igualdade de oportunidades”, avançando para a afirmação de que a todas as crianças devem ser concedidas iguais oportunidades de educação. Porém, dada a estrita interpretação da igualdade, levantam-se também aqui dificuldades específicas. Pois as oportunidades em causa serão as de acesso a bens educativos, como as escolas e os professores, ou a realizações educativas, aos resultados escolares. Em nenhum dos casos é possível a estrita igualdade, não sendo sequer sempre desejável. De facto, não é possível dar às crianças acesso aos mesmos bens educativos, visto que estes mesmos bens diferem em qualidade. Há boas escolas e bons professores, e há escolas menos boas e professores menos eficazes. Talvez fosse possível abrir as portas de qualquer escola a qualquer aluno que aí se pretendesse inscrever, independentemente das suas necessidades e de outras considerações, mas dado que as próprias escola variam em qualidade, então isso não significaria que se estivesse a dar igual acesso a todos, em qualquer sentido substancial da expressão “o mesmo acesso”. Nem seria de todo desejável, dado que nem todas as escolas são adequadas a todos os alunos.
O que se deve requerer é que as crianças frequentem aquelas escolas que melhor satisfaçam as suas necessidades e capacidades, bem como que nenhuma criança seja excluída de uma escola apropriada por razões não educativas, como, por exemplo, pelo facto dos seus pais serem pobres, ou por ela fazer parte de um certo grupo religioso ou étnico. Tal política seria justa e humanitária, e como tal altamente desejável, mas não seria uma política de concessão de “igualdade de oportunidades” no que toca ao acesso à educação. A “igualdade de oportunidades” justificaria admitir o ingresso de uma criança surda-muda na escola de um coro de igreja; basta o simples sentido humanitário do que é adequado para reconhecer que isso seria um absurdo. Também não é possível na prática a igualdade de oportunidades quanto aos resultados escolares. Não é possível porque as crianças diferem nas suas capacidades e nas suas expectativas. Nem tal seria na prática desejável. A única forma de alcançar resultados escolares iguais entre uma criança e outra criança qualquer seria fixar o padrão de sucesso suficientemente baixo para que ambas o pudessem atingir e depois garantir que se impedisse aquela que conseguisse fazer melhor de o fazer. A mera enunciação deste cenário chega para mostrar que é completamente inaceitável como programa educativo prático.
Assim, a igualdade na educação não serve como teoria. Na melhor das hipóteses, é uma forma confusa de pedir justiça. A justiça na educação, contudo, implica um tratamento diferenciado dos alunos, adequado às suas diferentes necessidades, pelo que a organização e a provisão da educação não deve ser julgada pelo grau de promoção da igualdade, ou de igualdade de oportunidades, mas sim pelo grau de tratamento justo das crianças naquilo que a educação tem para lhes oferecer.
T. W. Moore
Universidade de Londres
Tradução de Rui Daniel Cunha
Retirado do livro Philosophy of Education: An Introduction (Londres, Routledge, 1982, pp. 116-122)
In: BlogTerrear
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