quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Bullying sem estratégia

Luísa (nome fictício) tem 15 anos e passa os dias sozinha na escola. Não tem um amigo sequer. Todos os dias, é ofendida e gozada pelos colegas. Desde os oito anos que é assim e nem o facto de ter já passado por quatro escolas em sete anos resolveu o problema.

“As escolas não estão preparadas”, lamenta a mãe, Manuela, que nunca conseguiu ter uma solução, nem em colégios nem na escola pública que a filha agora frequenta, em Lisboa. “No privado ainda é pior. Há receio de suspender ou punir os agressores, porque os colégios não querem enfrentar os pais dos outros miúdos que também pagam a escola”.

Na escola pública, as tentativas de parar com as humilhações constantes de que Luísa é alvo também ainda não surtiram efeito. “Nada resulta. Se lhes dizem que não podem ser maus porque a Luísa é sensível, ainda fazem pior”, conta a mãe, que só viu o bullying abrandar quando, no ano passado, a diretora de turma ameaçou suspender um dos principais autores das ofensas. Mas, como as punições não foram concretizadas, o pesadelo voltou.

Luísa é gozada porque é diferente. Tem um ar frágil, escreve poemas e interessa-se mais por teatro do que por roupas e maquilhagem. “Chamam-na, no recreio, para depois a mandarem embora e gozarem-na, e chega a estar a turma inteira a atirar-lhe bolas na aula de Educação Física”, queixa-se a mãe.

Desta vez, Manuela está decidida a fazer alguma coisa: “Se a escola não os suspender, avanço com uma queixa na Polícia”. Apesar de o crime de bullying não existir no Código Penal, todas as ações envolvidas - injúrias, ofensas, ameaças e agressões - são punidas por lei, daí que seja possível apresentar uma queixa-crime contra os agressores.

O Ministério da Justiça lembra isso mesmo, para justificar o facto de não estar prevista uma alteração legislativa para criar um novo crime: “Todos os atos que configuram o bullying estão tipificados e são punidos”.

Ajuda da PSP é fundamental

A experiência de Adelino Calado, diretor do Agrupamento de Escolas de Carcavelos, diz-lhe que chamar a PSP pode ser mesmo a melhor forma para acabar com o bullying. “As fardas fazem alguma diferença”, admite. O diretor explica que encontrou na parceria com a equipa da PSP da Escola Segura uma maneira de lidar com o problema que todos os anos afeta quatro a cinco dos 2.500 alunos do agrupamento que dirige.

“Sempre que tomamos conhecimento de uma situação, falamos primeiro com os alunos envolvidos, depois com os pais de todos. E, no fim, fazemos uma reunião com a equipa da Escola Segura”. O método tem dado resultados: “Até agora, temos resolvido todas as situações. Só num caso tivemos de transferir o aluno para outra escola”.

Na maioria das situações, o bullying traduz-se em humilhações, ofensas e mais raramente em agressões físicas. “Tivemos no ano passado um rapaz que, de cada vez que passava por uma miúda, dava-lhe um estalo”.

Mas Adelino Calado diz que o fenómeno que mais o preocupa está na internet. “Os piores casos são de cyberbullying, feito por raparigas a outras raparigas, nos 7.º, 8.º e 9.º anos”. Nesses casos, só “a ameaça - e ameaça é mesmo a palavra - da Polícia” faz parar as ofensas. “Temos uma boa colaboração com a PSP. Eles já sabem o que têm de dizer. Explicam que é um crime e que pode ir tudo para tribunal e elas param”.

Adelino Calado reconhece, porém, que as estratégias que usa na sua escola são resultado do trabalho da sua equipa. “Não houve uma orientação do Ministério. Isto depende muito da equipa directiva que se tem”.

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) recorda, porém, que estão no site da Direção-Geral de Educação “linhas orientadoras para a prevenção da violência em meio escolar “. O documento descreve de forma pormenoriza os sinais de alerta e os perfis de vítimas e agressores. Mas as soluções são vagas e incluem sugestões como “promoção de competências cognitivas, emocionais e comportamentais”.

Filinto Lima, da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) reconhece que a forma de lidar com bullying varia muito de escola para escola - mas assegura que “têm mecanismos para lidar” com o fenómeno e sublinha a importância da parceria com os centros de saúde. “Muitas vezes é com a intervenção do psicólogo clínico, quer para a vítima quer para o agressor, que a situação se resolve”.

Filinto Lima lembra ainda que é importante desdramatizar estas questões: “Para os pais, tudo é bullying. E às vezes não é”.

Alexandra Barros, do Portal do Bullying, explica que o fenómeno ocorre quando há “brincadeiras” que passam os limites. “Quando há humilhação e gozo, há bullying”. A psicóloga revela que são muitos os pedidos de ajuda das vítimas, mas também são muitos os pedidos de orientação de “pais, professores e directores de escola”.

Ministério anuncia medidas

Alexandra Barros considera que nem sempre a intervenção dos pais e responsáveis das escolas é a melhor. “Muitas vezes, dizem às vítimas que têm de se defender. Mas isso agrava o problema, pois aumenta a sensação de incapacidade para lidar com ele e faz com que a vítima se feche e deixe de contar o que se passa”.

Mudar de escola também pode não ser a resposta correta. “São miúdos com fragilidades que facilmente se tornam alvo. Precisam de desenvolver defesas emocionais”.

A psicóloga acha mesmo que o melhor é “apostar na prevenção”. E é isso que o MEC assegura estar a fazer. “O Gabinete de Segurança Escolar realiza regularmente ações de formação para pessoal docente e não docente sobre esta temática”, explica fonte do gabinete de Nuno Crato.

O Ministério garante, aliás, estar muito atento ao bullying. “Será apresentado em breve um relatório com dados relativos a segurança na escolas, sendo divulgadas simultaneamente medidas a implementar nesta área”.

Uma vez que o bullying não é crime, não há estatísticas. Mas os números da PSP mostram um aumento de crimes nas escolas que podem estar associados a este fenómeno. No ano letivo 2011/2012, o crime mais frequente no interior dos estabelecimentos de ensino foi o de ofensas corporais (22%), seguido do furto (22%) e das injúrias e ameaças (9,3%). Nesse ano, foram registadas 3.222 ocorrências criminais nas escolas e em 2012/13 foram 3.486 os crimes reportados.
In: Sol por indicação de Livresco

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