segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Projecto ajuda a combater as dificuldades das crianças com necessidades especiais


Tudo começou em Bragança e vai ser desenvolvido em Alfândega da Fé a partir de Fevereiro. Os dinamizadores acreditam que poderá replicar-se em outros municípios da região.

No distrito de Bragança há pelo menos 500 crianças e jovens com necessidades especiais. Os números são das escolas, mas, se alargarmos a contagem às pessoas que já não frequentam o sistema de ensino regular, podemos, no mínimo, multiplicar aquele número por três.

O concelho de Alfândega da Fé é um bom exemplo. Num primeiro diagnóstico a autarquia contabilizou 20 crianças e jovens "diferentes", num total de 60 pessoas que na área do município têm algum tipo de deficiência. Todas estas pessoas e as respectivas famílias lidam com um problema comum. "Há falta de respostas", diz Carmen Palma, mãe de Miguel, uma criança de 12 anos com síndrome de Asperger (uma síndrome do espectro autista, diferenciando-se do autismo clássico por não comportar nenhum atraso ou retardo global no desenvolvimento cognitivo ou da linguagem do indivíduo).

A actual presidente da câmara, Berta Nunes, médica de profissão, conhece este e outros casos e quer mudar o contexto local em que estas famílias estão integradas. "Este é um primeiro passo numa enorme caminhada que temos de fazer", diz a autarca. A partir de Fevereiro começa a funcionar a Escola de Pais, aberta a educadores mas também à sociedade em geral. A coordenadora do projecto, Celmira Macedo, explica que a ideia assenta em três pilares fundamentais: "Primeiro temos de desconstruir o mito associado à deficiência; depois trabalhar a parte emocional dos pais; por fim, trabalhar as suas competências para lidarem com a diferença."

Carmen Palma fez essa caminhada sem ajuda. "O acompanhamento do meu filho é feito numa clínica em Lisboa (a 500 quilómetros), único local onde eu conseguia algum aconselhamento para lidar com o Miguel no dia-a-dia", conta. Fora de casa esta família só encontrou entraves: "Na escola o meu filho era colocado na última carteira e ali ficava", diz Carmen. Levava para a escola o programa curricular desenhado por uma terapeuta educacional mas a professora do menino "nem abria o dossier". Inscreveu o filho no futebol e o treinador "considerou que ele não precisava nem de equipamento nem de cartão". Carmen combateu estas adversidades com a ajuda do marido e do próprio filho, que nunca perdeu um ano e tem boas notas.

A autarca Berta Nunes sabe que, depois das famílias, é preciso trabalhar a sociedade em geral e já tem em andamento um projecto que prevê a realização de acções de sensibilização nas escolas, nas associações culturais e recreativas.

"Já é difícil levar as crianças a realizar terapia e, se ainda têm de se deslocar centenas de quilómetros para o fazerem, torna-se quase impossível", acrescenta Celmira Macedo. Em Vinhais foi criada uma unidade de ensino estruturado para crianças com autismo e algumas das crianças que a frequentam têm de fazer percursos superiores a 50 quilómetros. "Temos crianças que se deslocam de Mirandela para Vinhais, fazem mais de 100 quilómetros para poderem frequentar aquela unidade", explica. Celmira Macedo acredita que o trabalho agora em desenvolvimento em Alfândega da Fé se poderá replicar noutros municípios, "sobretudo, nos mais distantes e mais pequenos, onde as respostas são nenhumas".

Pais ficam emocionalmente mais estáveis

O projecto que agora vai ser desenvolvido em Alfândega da Fé já teve uma primeira experiência em Bragança. Na altura, a ideia foi desenvolvida pela coordenadora da sub-região de Saúde, que era a actual autarca alfandeguense.

A escola funcionou de Maio a Dezembro do ano passado e foi frequentada por 22 pessoas. "Nove dos formandos eram professores, psicólogos e outros profissionais que lidam com a deficiência", refere Celmira Macedo. Os restantes formandos participantes do projecto eram pais.

O grupo criou a Leque, uma associação de pais e amigos de crianças com necessidades especiais. No seio da associação criaram o blogue (http://escolapaisnee.blogspot.com), onde deixam testemunhos e partilham experiências.

"Temos pessoas que tomavam antidepressivos e deixaram de o fazer, pessoas que entraram com ar envergonhado e que agora conseguem partilhar a sua experiência de vida, pessoas que quase nunca falavam (limitando-se a ouvir) e hoje falam das coisas boas e más, como se nos conhecêssemos desde sempre", testemunha Manuela Gomes, mãe de uma dessas crianças diferentes.

"Sentia-me triste e magoado, mas agora sinto-me optimista, com uma perspectiva de futuro diferente. Sinto-me mais enriquecido, mais compreendido e compreensivo", escreve Duarte Rodrigues, também ele formando.

"Sentia-me bastante fechada, com alguns problemas que me surgem no dia-a-dia e agora sei que consigo expô-los melhor", remata Teresa Mofreita. A Leque vai agora criar a sua sede em Alfândega da Fé.

1 comentário:

Atena disse...

Fico muito feliz, com a existencia destes projectos, tão fundamentais. È urgente que surjam em mais zonas, e por todo o país fora. Isto são os principios básicos, numa das frentes mais importantes a considerar nesta problemática - os pais - que assim poderão dar andamento à melhor aceitação e visibilidade nas comunidades. Além do mais são uma resposta efectiva de apoio que os pais desamparados têm de ter, sobretudo inicialmente, para se poderem - digamos que - levantar do chão. Imagine-se como é que uns pais fragilizados, hostilizados pelo meio e cada vez deprimidos podem lidar com um filho com esta perturbação? Primeiro ou em paralelo, há que olhar realmente para a vertente dos pais da criança com atenção, preocupação e olhos de ver. Dar a mão, e conduzi-los num caminho... Como digo tantas vezes, sózinhos é quase impossivel.
Grata pela informação que me anima e tranquiliza.
Abraço,
Cristina