segunda-feira, 23 de março de 2009

Sete em cada dez crianças enuréticas não têm apoio


Fazer chichi na cama, a chamada enurese, afecta milhares de crianças, adolescentes e até adultos em Portugal. São muitas as pessoas que, segundo uma especialista, chegam à idade adulta com enurese porque nunca procuraram ajuda.
Do alto dos seus 9 anos, João Pedro (nome fictício) não sabe muito. Mas a experiência de uma vida inteira dominada pelo fantasma da enurese, o mesmo é dizer, a incapacidade de controlar a urina, deu-lhe a certeza de pelo menos uma coisa: não há melhor do que viver longe das fraldas.
Desde cedo, conta a mãe, tornou-se clara a dificuldade em controlar o chichi. E não era só de noite que, traído pelo sono, molhava a cama. O problema acompanhava-o de dia, prendendo-o a uma vergonha que o afastava do contacto com amigos e até família. «Nunca pode ficar em casa de ninguém a dormir, inclusive dos tios, que sabiam do que se passava, mas com quem ele nunca quis falar sobre o tema», explica ao Destak Maria, a mãe.
Durante anos, perderam a conta às consultas, aos medicamentos obrigado a tomar para tratar uma «bexiga hiperactiva». Só agora, graças a uma clínica especializada, ultrapassaram o problema nocturno, sendo a tarefa que se segue a de controlar as perdas de urina, empecilho à normalidade diurna.
Ignorar é errado
Miriam Gonçalves, psicóloga e especialista em enurese da Clínica Pipinho, a primeira dedicada ao tratamento multidisciplinar da enurese, com consultas no Porto, Lisboa e Aveiro, confirma que o chichi na cama «é um problema que atinge e aflige milhares de crianças, adolescentes e até adultos». Por cá, estima-se que cerca de 80 mil sejam enuréticas. A este número acrescenta-se outro: sete em cada dez crianças não recebem apoio médico.
A ideia de que, por ser normal, este é um problema que se resolve sem a intervenção de um especialista é, segundo a médica, errada. «A pior coisa a fazer é esperar que passe por si só. Ninguém sabe ao certo quando é que vai desaparecer. Por isso é que muitas pessoas chegam à idade adulta com enurese, porque nunca procuraram ajuda.»
«As crianças escondem o segredo com vergonha»
O problema da enurese vai para além da roupa que se suja. O sofrimento psicológico, tantas vezes esquecido, é uma realidade para as crianças e famílias. «Os miúdos sentem-se diferentes, podendo ser mesmo gozados ou marginalizados. Podem vir a sofrer graves problemas de auto-estima, autoconfiança e socialização», diz a médica.
Mas há mais. «A enurese pode também limitar uma série de actividades importantes na infância, como o dormir na casa de amigos, campo de férias, excursões, desporto, visitas a familiares. As crianças escondem o seu segredo por vergonha, porque pensam que só eles é que ainda fazem chichi na cama. Mas a realidade é que, numa turma de 30 alunos da primária, cinco escondem este segredo.»
O que é a enurese e como se pode tratar
A enurese é a falta de controlo sobre a micção ou perda urinária involuntária no sono em crianças a partir dos 5 anos, que ocorre, no mínimo, duas vezes por semana, por três meses seguidos. Trata-se de uma disfunção que as crianças não conseguem controlar, sendo várias as formas de tratamento, da medicação às terapias motivacionais.

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