O recreio da Escola Secundária João de Barros, em Corroios, está animado. Enquanto um grupo de miúdos atira a bola de futebol para fora das grades da escola e acerta em cheio no vidro de um carro que vai a passar, Teresa e Carina, ambas de 14 anos, espreitam curiosas para o auditório onde se anuncia um documentário sobre bullying. Sabem o que é? Claro que sim. "Lembras-te daquele que era da nossa turma, aquele gordo, baixinho, como é que ele se chamava? Aquele com que toda a gente gozava, lembras-te? Que também cheirava mal... Esse era vítima de bullying."
Teresa e Carina acabam de fazer, sem saber, uma boa introdução ao documentário de Manuel Guerra, um estudante do ensino secundário, de 18 anos. Guerra filmou os depoimentos de cinco jovens vítimas de bullying. Um chama-se Diogo. Um dia, os colegas colaram-lhe nas costas um penso higiénico. Andou com ele, sem saber, durante o intervalo todo. Toda a gente no recreio ria e gozava. É apenas um episódio. Mas para Diogo foi um entre tantos com os quais nunca aprendeu a lidar. E ainda hoje, com 17 anos, não consegue estar na escola "como as outras pessoas". Já para Francisco, 18 anos, o pesadelo começava no final do dia. O caminho da escola para casa demorava cerca de meia hora e todos os dias acontecia o mesmo: um grupo de rapazes fazia-lhe uma espera, perseguia-o, ameaçava-o.
Há também as histórias de Catarina, que ainda hoje tem de lidar com o que alguém fez com as suas fotografias na Internet ("Dizem coisas sobre ela, na Net, que não são verdade", explica Guerra), de Tiago e de Mário. São cinco alunos do secundário, colegas de Manuel, que, no documentário, contam as agressões verbais e físicas de que foram alvo, quando andavam no 7.º e 8.º anos. Manuel Guerra, estudante da Escola Secundária Artística António Arroio, em Lisboa, apresentou o documentário há apenas algumas semanas e ficou surpreendido com o impacto que o seu trabalho teve. Tem recebido vários convites para ir a escolas apresentar o vídeo e falar do problema. Nunca foi vítima de bullying (enfim, passou um "mês mau", no 8.º ano, quando o elegeram alvo de todas as piadas, mas passou). Contudo, interessou-se pelo tema quando foi sabendo o que alguns colegas tinham vivido.
O PÚBLICO acompanhou uma dessas visitas: na Secundária João de Barros, Guerra tem mais de 60 miúdos do 7.º ano à frente. Parecem inquietos antes de o filme começar, mas depois faz-se silêncio. "Algum deles enlouqueceu com o bullying, ou coisa assim?", pergunta um, no final, com um ar muito sério. Miguel Guerra pergunta-lhes se alguma vez estiveram envolvidos numa situação parecida. Há quem levante o dedo no ar, mas poucos. Têm vergonha, comenta um professor. Se não tivessem, havia muito mais dedos no ar. Depois, Guerra explica-lhes que devem pedir ajuda aos pais, aos professores, a um adulto em quem confiem. Diz que mais do que concorrer a festivais para apresentar o seu documentário, quer contribuir para que ninguém passe o que os amigos filmados em vídeo passaram.
Público (suporte papel), p. 4-5
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