sábado, 24 de janeiro de 2009

Processo de reabilitação só começa depois de "fazer o luto da doença"

Quando ficam cegas, "as pessoas chegam aqui completamente perdidas, todas encolhidas, enroscadas, quase em posição fetal para se protegerem, porque têm medo de cair ou chocar contra as coisas", diz Conceição Luís, directora do Centro de Reabilitação Nossa Senhora dos Anjos, em Santa Apolónia, Lisboa. "São pessoas que viam normalmente e, de repente, cegaram e ficaram perdidas", referiu ao DN.
"Trabalhamos imenso na recuperação da auto-estima. No primeiro mês e meio, a nossa função principal é tirar as pessoas do buraco em que se encontram", explicou, pois "entraram em depressão e ainda não aceitam o facto de terem cegado. Têm de fazer o luto. É preciso que a pessoa aceite que está cega".
"Não posso ensinar braile nem pôr a bengala na mão de uma pessoa que ainda não assumiu que está cega", esclarece a directora do centro, revelando que "todos têm a secreta esperança de que vão voltar a ver. Acreditam que a ciência vai evoluir e resolver o problema".
Salienta que "uma pessoa só está reabilitada quando está integrada. Por isso, tentamos colocar as pessoas em postos de trabalho, através dos serviços do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Mas é muito difícil, porque os responsáveis das empresas ainda não estão muito receptivos. O objectivo é colocá-los na função que queriam desempenhar antes de ficarem cegos".
"Se não ficarem com uma actividade, eles voltam a fechar-se em casa e a isolar-se. A solução é um emprego ou outra formação, como, por exemplo, o programa Novas Oportunidades para os que não têm a escolaridade completa", declarou.
E dá um exemplo: "Tive aqui um jovem de 20 anos, com descolamento da retina, que tinha feito várias operações e chegou a uma altura em que já não havia solução. Cegou." Nas aulas participava e era expert em informática. Quando não estava nas aulas, ficava fechado no quarto. Perguntámos-lhe porque se isolava assim e ele respondeu: "Quando não estou nas aulas, durmo, porque enquanto durmo sonho e enquanto sonho eu vejo", contou. "Está a tirar um curso de programação informática e é DJ numa discoteca", revelou Conceição Luís, considerando que, "se ele fosse embora daqui sem ter uma colocação noutra actividade, acabaria por se fechar em casa e ficar outra vez perdido".
Adianta que, "normalmente, eles dizem que após terem cegado ainda conseguem imaginar as coisas às cores. Mas depois passa a ser tudo a preto e branco".
Este centro, que pertence à Segurança Social, existe há 46 anos e tem capacidade para 22 internos, que vêm de fora de Lisboa e ali permanecem durante o processo de reabilitação. Tudo é gratuito, incluindo refeições e alojamento. Quem vive na capital frequenta as aulas em regime externo.
Os períodos de reabilitação "são normalmente de três meses para utentes com baixa visão e de cinco meses a um ano para casos de cegueira total", informou a directora.
Ali ensinam mobilidade de quatro níveis, como movimentarem-se no interior do centro, na zona envolvente, nos transportes públicos e na área de residência. No programa de actividades da vida diária, a equipa de reportagem do DN encontrou Maria Bárbara na cozinha a receber formação e a confeccionar um bolo de ananás. Residente em Vila Viçosa, vê abaixo dos 10%. "Desde os 17 anos que tenho baixa visão, mas há cinco anos, devido a uma depressão, o problema agravou-se muito", contou Bárbara, que trabalhava no Centro de Saúde de Vila Viçosa, mas desde há três anos está em casa. "Os meus filhos já são crescidos e vão-me ajudando, mas não me sentia muito bem a cozinhar e às vezes atrapalhava-me, porque não conseguia ver as coisas. Por isso vim para aqui. Agora já consigo fazer quase tudo mais à vontade", relatou, com um sorriso de satisfação.
A directora do centro revela que também acompanham os utentes "ao teatro, ao cinema e a outros eventos para perceberem que podem continuar a ter vida social". Foram ver o filme Ensaio sobre a Cegueira, na antestreia, com auscultadores que lhes transmitiam por voz o que passava nas legendas. Salienta que, "no final do filme, um cego recupera a visão. Ficaram com aquela mensagem de esperança que os cegos podem voltar a ver".
"Gostei muito do filme. Aquele retrato das pessoas que perdem a visão de repente é mesmo o estado em que elas nos chegam aqui ao centro: completamente perdidas", observou Conceição Luís.

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