segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Saúde mental agrava-se e a falta de recursos para a tratar também

Há um paradoxo tremendo, quando se olha para o "estado da arte" da saúde mental em Portugal: os números são perturbadores - e são-no há muito tempo -, mas a capacidade de resposta para tratar quem sofre com a doença é muito escassa. Este é, em traço grosso, o retrato que se pode fazer, depois de fazermos um périplo pelas várias regiões do País, ouvindo especialistas e responsáveis de instituições que lidam com o problema no terreno. Esse exercício, feito ao longo dos últimos meses pelo JN e pela TSF, numa parceria com a farmacêutica Janssen, termina hoje com um webinar em que rastreamos as necessidades, para procurar soluções (o debate, intitulado "Saúde Mental: Necessidades e Soluções", pode ser visto, hoje, a partir das 14h30, em jn.pt).

Falar de saúde mental é, como se explica no 1.º Relatório do Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental (2013), falar "muito mais do que da mera ausência de doença mental", na exata medida em que ela "é uma parte indissociável da base do bem-estar e funcionamento eficiente dos indivíduos. Refere-se à capacidade de adaptar-se a mudanças, enfrentar crises, estabelecer relações satisfatórias com outros membros da comunidade e descobrir um sentido para a vida". Entre as dez primeiras causas de incapacidade, cinco são doenças mentais: a depressão, a esquizofrenia, a doença bipolar, as perturbações pela utilização de álcool e a perturbação obsessivo-compulsiva.

Em Portugal, a prevalência das perturbações psiquiátricas é muito elevada: estima-se que um em cada cinco portugueses (20%) tenha algum tipo de perturbação nos 12 meses anteriores a consultar o médico. No espaço europeu, só a Irlanda do Norte tem estatísticas piores. Seguem-se as perturbações depressivas, as perturbações de controlo de impulsos e por abuso de substâncias, todas elas com valores mais próximos dos encontrados nos outros países europeus. As mulheres, os grupos de menor idade, e as pessoas separadas e viúvas apresentam uma maior frequência de perturbações psiquiátricas.

Os mais novos não escapam: a depressão afeta 31% dos jovens e adolescentes em Portugal, sendo que, destes, quase 19% têm sintomas moderados ou graves e 10% correm risco elevado de ter comportamentos suicidários.

O "parente pobre"

A saúde mental sempre foi "uma espécie de parente pobre das políticas de saúde", exclama Ana Matos Pires, diretora do serviço de Psiquiatria do Baixo Alentejo. É na região alentejana que, na verdade, o problema se vê com nitidez, não apenas pelas altas taxas de depressão ali resgistadas, mas também porque o suicídio escala: os últimos dados oficiais, publicados, em 2017, pelo Instituto Nacional de Estatística, mostram que, na região alentejana, há 54,2 mortes por suicídio por 100 mil habitantes, contra 22,4 no restante território nacional. Odemira tem uma das mais elevadas taxas de suicídio do Mundo.

É verdade que os 85 milhões de euros previstos no Plano de Recuperação e Resiliência para a saúde mental pode ajudar a minorar o problema. Para isso, contudo, é fundamental que a aposta se faça no aumento de recursos humanos. Maria do Carmo, diretora do serviço de Psiquiatria no Hospital de Portimão, resumiu as falhas desta forma impressiva: fraca capacidade de resposta nos cuidados continuados, poucas equipas comunitárias, falta de estruturas para aplicar terapêuticas ocupacionais, falta de residências para acolher os doentes, falta de recursos humanos. "Temos um pedopsiquiatra, e ainda assim não está a tempo inteiro", exemplifica. "As condições de atendimento são péssimas. Há escassez de tudo", complementou Pedro Dias, justamente o único pedopsiquiatra a trabalhar no Algarve.

Fonte: JN

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